Dreamcast

Marvel VS Capcom 2:
New Age of Heroes
F I C H A T É C N I C A
Developer Capcom
Publishers Capcom / Virgin
Estilo: Luta
Datas de Lançamento 30/03/00 (JP); 29/06/00 (EUA); 16/07/00 (EUR)
NOTA
8.8
Este jogo é pra…
( ) passar longe ( ) dar uma jogadinha de leve (X) dar uma boa jogada (X) jogar freneticamente (X) chamar a rua toda pra jogar (X) um tipo específico de jogador. Qual? Quem procura inovações no sistema de luta e está cansado do “Street Fighter2/3”-ismo da Capcom. (X) incógnita
Marvel vs. Capcom 2 (MvC2 doravante) é um daqueles games formato “ame-o ou deixe-o”. O maior motivo para ele ser satanizado por um grupo xiita de hardcore fighting gamers é a acusação de que a obra não passa de um “button masher”, um socador aloprado de botões que não premia a técnica nem a inteligência. Já quem idolatra MvC2 se baseia em… vários aspectos. Impossível destacar só 1 ou 2, com medo de perpetrar injustiças. O review como um todo será esse destaque, já que o que temos diante dos olhos é uma obra-prima. Imperfeita aqui e ali, mal-lapidada em algumas arestas. Mas ainda assim, jóia rara. E embora eu vá listar aqui, também, algumas críticas – severas – ao sistema de jogo, pendo mais para o segundo grupo, o dos entusiastas da produção. Afinal, onde mais você teria a oportunidade de ver Cable, Ryu e Akuma no mesmo time contra Jill Valentine, Ken e Colossus?

ELENCO
Tirando Dragon Ball Z Budokai, MvC2 chegou com o título de “game de luta com mais personagens em todos os tempos”, deixando até títulos emblemáticos como King of Fighters no chinelo: 60! Contudo, ainda que Budokai vença MvC2 em quantidade, jamais o fará em qualidade. Os personagens do jogo da Capcom são, como posso dizer, bem-feitos e pensados (para não dizer que já existiam muito antes do game), realmente diferentes uns dos outros. A seleção de lutadores do time da Capcom varia da linhagem mais obscura, contendo, entre outros e outras, uma sósia de Chapeuzinho Vermelho de Darkstalkers (Anita), às maiores marcas registradas da companhia, tais quais os já citados Ryu, Akuma (Street Fighter) e Jill dos Resident Evils 1&3. Do lado da Marvel, o selo de quadrinhos mais famoso do mundo ao lado da DC Comics, entes fictícios que vão do Duenve Verde a Cable (o filho de Scott do futuro) e Homem-Aranha, passando por pelo menos um representante de quase qualquer franquia dentro do universo Marvel!

Todos os personagens têm várias e várias indumentárias extras adquiríveis na “lojinha” do game, onde também se compram lutadores secretos (achou que a Capcom ia deixar você controlar 5 dúzias de malucos logo de cara?). A moeda aceita nessa lojinha são pontos distribuídos com generosidade em todas as modalidades de jogo do GD, alguns deles simplesmente por “horas de jogo”, incluindo o multiplayer. Sem brincadeira, esse sistema é aditivo e estica a vida do produto para os confins da próxima civilização terrestre, depois dos ianques capitalistas sujos (só me pergunto se e como haverá energia elétrica e consertadores de hardware neste futuro distante): há registros de jogadores enterrados em casa sem ver a luz do Sol, mais brancos que o Conde Drácula, com mais de 400 horas de jogo que ainda não obtiveram todos os extras (há muitas e muitas arenas para comprar também). De qualquer forma, o elenco substancial foi um evento e tanto na época do lançamento do jogo, e uma das melhores coisas a acontecer no gênero Luta e na indústria dos games, porque o natural é que a concorrência, duramente atingida, procurasse, a partir daí, quebrar esse recorde e lançar jogos cada vez mais complexos, num ótimo ciclo em que o beneficiário seria o mercado consumidor…

Nem tudo é digno de aplausos. Alguns lutadores são nominalmente ridículos. Servbot, Amingo e Tron Bonne, criaturas sem pé nem cabeça – e muito menos carisma (Tron Bonne tem, mas ela está dentro de um mech insípido!) –, foram inclusas, ao passo que Guy, Cody, Lilith e outros favoritos dos fãs continuam esperando pela sua estréia em crossovers (não há um só representante da série Final Fight). O time Marvel, embora muito mais completo nesse senso, podia ter sido mais bem-composto. Um exemplo é Marrow/Medula (Sarah), que lutou em times como X-Force e X-Factor. Por que um (quase) Wolverine do sexo feminino, se Logan já está lá? Outros heróis de estilos mais complementares esperam na fila: Bishop, Arcanjo, Gavião Arqueiro ou mesmo o Tocha Humana (que seria a antítese perfeita para o Homem de Gelo). Enfim: enquanto houver a possibilidade de continuações, podemos esperar pela correção de erros ou revisão de pontos de vista questionáveis…

Nem preciso comentar sobre a grandiosidade dos efeitos de luz!
SISTEMA DE JOGO
Não deixe (…o samba morrer?) o vasto elenco iludi-lo acerca da densidade da jogabilidade. Como eu disse, MvC2 não é um DBZB. A Capcom não mediu esforços (e dinheiro) para tentar fazer de cada personagem único, na medida do possível (chega a um ponto em que não dá mais e as características começam a se repetir). Raros são os lutadores de quem posso dizer que não possuem combos exclusivos e uma miríade idiossincrática de special moves, super moves e finishers, o bastante para derrubar queixos na platéia. Outros atributos que ajudam a diferenciar lutadores aparentemente idênticos são a resistência (quantidade de hits sofridos antes de cair sem vida), comboability (grau de dificuldade para fazer combos entrarem), velocidade, e poder dos ataques finais e a quantidade de energia na barra própria requerida nesses mesmos ataques.
Apesar das arenas também virem em profusão, lamentamos que sua variabilidade não seja correlata à dos fighters: interação quase zero com os objetos do cenário e dimensões desprezíveis, a ponto de ir-se dum extremo ao outro da tela com poucas passadas.

Mas esses são detalhes secundários: num título de luta, o que importa é a fighting engine. A de MvC2 é uma fusão de elementos de jogo de Marvel vs. Capcom 1, Street Fighter EX Plus Alpha e Pocket Fighter (por curiosidade, todos os títulos estão na biblioteca do PlayStationOne). Idos estão soco e chute médios. O display de 6 botões se reduz portanto a 4, com o fito de cair como uma luva no controle do Dreamcast: soco fraco (WP), soco forte (SP), chute fraco (WK) e chute forte (SK). Para compensar essa limitação, todos os personagens foram dotados de pocket combos. O que quer dizer que, no chão, podem-se emendar quaisquer dois ataques simples (WP, SP, WK, SK) num hard attack; maioria dos personagens pode evoluir de um mero pocket combo a um launcher (usualmente agachada ofensiva + hard attack). Mais elaboração? Siga com um super jump e estará realizado o airborne pocket combo depois da seqüência: WP-WK-WP-WK-SK. Nesse mesmo framework, as oportunidades de cancelar combos no meio, para linká-los com outros combos, formando hyper moves – o superlativo dos super moves (mais sobre eles abaixo) – são inúmeras. Hyper moves, por sua vez, são linkáveis entre si (isto é, cada um dos seus 3 personagens pode desferir hypers em sucessão).
O arremesso funciona como em Marvel vs. Capcom 1. Pra frente (ou pra trás) + SP (ou SK). Tech hits também. Tech hits são contra-ataques de arremessos, e exigem que a vítima force para a direção oposta no timing exato do empurrão do adversário. A janela de tempo pro golpe entrar foi alargada em relação a MvC1, de forma que se defender de um arremesso ficou mais simples. Mesmo se o personagem terminar por ser jogado no ar, ele pode se recuperar instantaneamente com uma air recover (similar a uma “segunda chance” de um tech hit).

Os super moves (que tiveram os botões L e R dedicados especialmente a eles) são INSANOS! Os combos podem atingir os três dígitos em hits sem complicações e, se a barra de energia se encontra devidamente cheia, todos os 3 do time (mais sobre essa nova configuração abaixo) se reunirão na tela para combinar suas melhores cartas na manga num mega-ataque! Imagine um dilúvio de robôs do Dr. Wily, uma hidrófoba ofensiva de cães-zumbis e 4 feixes de laser vindos de uma arma superpotente que prometem desintegrar qualquer coisa ou pessoa que se meter no meio. Isoladamente, essas catástrofes já funcionariam como extrema-unção de muitos vilões; mas o requinte de crueldade aqui é que você pode testemunhar todas as 3 magias ocorrendo juntas na tela! O que acabei de narrar é o mega-especial coletivo de um time formado por Mega Man, Jill Valentine e Cable. Os super moves não englobam magias mais simples como os regular special moves tradicionais: o Hadouken de Ryu é o melhor exemplo.
Não há EX moves como os de Street Fighter III ou do medonho SF: The Movie. Não há guard cancelling como em Darkstalkers ou SFEX. Nada de weapon catch (como virou modinha a partir de Mortal Kombat 4) nem esquiva à la Samurai Shodown III e SF3. Não ocorre zoom no meio da batalha conforme os desafiantes se aproximam ou se afastam (como em Samurai Shodown e KOF). Há, entretanto, como paliativos ou substitutos, o push-blocking (herdeiro de MvC1, com alterações). Ao invés do defensor avançar, como na maioria dos bloqueios, um push block força o atacante a retroagir. Na verdade, ele retroage bastante, até: um push block bem-sucedido empurra o adversário por dois terços da tela! E o menu de movimentos não está completo sem dashes, super jumps, alpha counters, rolamentos, troca de guerreiros…

Mais uma coisa que deve ser notada é que as lutas 2 contra 1 foram eliminadas tal qual existiam em MvC1
Enquanto isso, o antigo special partner (MvC1) deu lugar a um novo arranjo: ao invés de “duplas/quase-trios” (1 titular e 1 reserva controláveis pelo player + 1 ajudante especial “da sorte”), são agora “quase duplas/trios” (2 homens – ou mulheres – de retaguarda que cumprem funções análogas, ambos controlados pela CPU, se bem que 100% escolhidos pelo jogador antes da luta, sob a liderança do titular de sempre). Em outras palavras: em MvC2, o primeiro reserva perde em importância, conquanto o terceiro do time, introduzido em MvC1, ganha em relevo; consolida-se, assim, uma gameplay de trios em que um lutador é sobressalente e os outros 2 funcionam como meros assistentes (mas ainda dá para controlar o 2º homem, depois de uma substituição que o torne o novo titular). Um botão (assistência) faz um dos dois intervir no tira-teima. Opções de menu pré-combate podem orientar “taticamente” seus parceiros, como se eles estivessem seguindo orientações de um treinador: eles podem ser usados especificamente para disparar projéteis, lançar-lhe um power-up, agarrar o oponente, etc. Diferentemente dos special partners de MvC1, nenhum assistente de MvC2 pode bloquear, e sofrem dano como qualquer lutador de linha. O jogo tem ainda uma habilidade específica que é obrigar o inimigo a efetuar uma troca de personagens: bola de fogo (ou seu equivalente na lista de moves do personagem) + botão da assistência. A tela cintila fortemente, a ação indomável congela por um instante e ocorre uma substituição compulsória no lado que sofreu a manobra. Esse recurso pode ser proibido nas opções!

Adaga psíquica X Zumbi em chamas, quem fatura essa?
Os lutadores podem ser divididos basicamente em 2 grupos (embora o jogo apresente uma classificação tripartite – já que os tais “lutadores aéreos” podem ser reclassificados em uma das duas categorias que vou listar a seguir), o dos que se dão bem lançando magias à distância e os que precisam entrar no raio de alcance de seus punhos a fim de realizar todo seu potencial. De posse de um “atirador” (1º grupo), digamos que o player possa “relaxar e sentar”, manipulando o combate de longe, se for experimentado na função. No caso oposto (2º grupo), os combos destrutivos precisam ser acionados sentindo o bafo do inimigo. Essa dualidade é totalmente reminiscente do set-up Yin-Yang/Ryu vs. Chun-Li do épico Street Fighter II! Letais em Ryu são os hadoukens; Chun-Li capricha nos murros estilosos com suas pulseiras de espinhos e nas pezadas na cara…

Carnificina pouca é bobagem!
Entretanto, em que pesem as aparências, MvC é algo mais desequilibrado que Street 2. Em MvC2 quem sabe jogar como atirador leva uma boa vantagem, enquanto que em SF2 dois veteranos que tirassem o máximo do Ryu e da Chun-Li, respectivamente, quase com certeza empatariam. Seguem as razões para que isso suceda no atual Marvel vs. Capcom: 1) projéteis aéreos – se o jogador lançar uma magia depois de um mortal para trás, logo antes de cair no chão, à meia-altura, seu ataque será dificílimo de esquivar, seja por baixo ou por cima (uma dash do adversário não é suficiente para tirar a cabeça do caminho da magia; um pulo precisa ser o mais alto possível, ou os pés serão atingidos); 2) rolamentos – essa manobra é exagerada em MvC2. Tem grande alcance e é velocíssima. Portanto, quem gosta de atacar de longe poderá sempre contar com um jeito simples de dar evasivas em momentos críticos; 3) o push-blocking – como dito, o push block afasta o adversário consideravelmente, dando tempo ao tempo; 4) tech-hitting & air recover – em MvC2 escapar de arremessos é mamão-com-açúcar. É como passar da faixa branca para a cinza ou amarela – dependendo da arte-marcial –, para usar uma metáfora mais apropriada! Portanto, lutadores de mano-a-mano terão que buscar outras alternativas, já que apelar para throwings – que normalmente deixariam o adversário tonto e indefeso – não é viável aqui; 5) ataques dos assistentes – ao contrário das limitações para chamar o terceiro lutador em MvC1, aqui esse recurso é quase infinito, aumentando a possibilidade de “cheating” sobretudo nas partidas entre amigos. No momento em que o lutador estiver bloqueando seus projéteis, é bem conveniente (e sacana) acionar um assistente especialmente orientado a imobilizá-lo, para que ele receba as bolas de magia em cheio! Mais do que isso: com super jump + assistência, a câmera segue quem executou o comando em seu deslocamento pelo ar, escondendo o convocado especial e a vítima agarrada! Passa longe do fair play, e quer saber? Por isso é que vemos essa estratégia ser usada igual camelo no deserto e cloro em parque aquático… 6) 99 segundos no cronômetro – se o tempo não for setado como “infinito” nas opções, essa é a duração-padrão do round. Aí então, basta agredir um pouco seu oponente e passar o resto do tempo fugindo, empregando variações dos 5 recursos anteriores. O lutador de corpo-a-corpo ficará de mãos atadas! Resumindo: para um multiplayer justo entre veteranos, combinem de usar, ambos, personagens do mesmo estilo.
Não estou querendo dizer, com essa exaustiva exposição, que a mecânica de MvC2 é “malfeita” ou “vagabunda”, mas a gameplay do jogo não é mais a tradicional dos jogos Capcom (pensar rápido e agir por reflexo). Ao invés disso, digamos que seja uma espécie de “administração de recursos”; quem encontrar as melhores respostas para o subsecutivo questionário estará a um passo da vitória: quantos special moves com partners ainda me restam? quantos hits posso infligir por segundo (quando o cronômetro estiver perto de zerar)? qual série de magias carrega mais o medidor de hyper move? qual o momento adequado para empregar rolamentos/tech hits/push blocks?

GRÁFICOS
A beleza na resolução de 640×480 equivale à de um quadro renascentista. O problema é que mesmo num console como o Dreamcast, e quem dirá num tempo como o nosso, isso já não é[ra] o suficiente. Qualquer um que jogar MvC2 em uma TV de alta-definição sentirá a queda de qualidade. A falta de sprites não é tão sensível nos cenários, mas os personagens sofreram demais, sobretudo aqueles que foram reciclados de Marvel Vs. antigos. Parece até que eles não foram exatamente “reciclados”, mas importados sem atualização! Inclusive Abyss (Abismo), o chefão final, embora original de MvC2, de algum modo, é vitimado por um pobre design 2D. A framerate, por outro lado, é inacreditável de tão alta, sobretudo no modo Turbo. Respirar enquanto leva e dá porrada “sem freio” (como diria a torcida do Flamengo) é LUXO!

SOM
MvC1 apresentava uma série de remixes adrenalinizados de temas dos lutadores presentes (menos de 20), muitos deles compostos nos anos 90. Toda vez que alguém entrava no combate, sua respectiva música começava a tocar, igualzinho no MMA. Seria difícil repetir a proeza com 6 dezenas de brutamontes (e bruta-girls!) na peleja, mais de 3 vezes mais… O nosso modesto pedido seria, então, uma trilha sonora que coubesse no contexto de um quebra-pau insano! Para sentir como a soundtrack “calminha” de “pop jazz” cantado está fora de sintonia com a gameplay, pense num cara de calça jeans furadas e camisa do K.I.S.S. num casamento formal…
Rafael de Araújo Aguiar é sociólogo e um tanto apaixonado pela forma velha de se programar jogos
Lista de agradecimentos
grasu, matt91486, UltimaZER0, ARangan do gamefaqs.com
mobygames.com
versão 2 – 2013; 2025.