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pensamentos soltos sobre hxh

O LIVRO DO NEN

Yoshihiro Togashi

*

Rafael Aguiar

Editora Sobrenatural

Hoje vamos falar sobre nen. Confesso que não fiz mais do que leituras muito vagas e torpes sobre o que significa nen, primeiro, etimologicamente falando. Será mesmo uma palavra japonesa? Ou antes, sua origem mais remota é a China? Grosso modo, para nosso papo de boteco, podemos dizer que é um sinônimo perfeito para ki, energia, chakra ou cosmo, dentre outros, conceitos que, tenho certeza, o otaku brasileiro domina até os mais profundos recônditos. É isso mesmo que você leu: não estou aqui para dar nenhuma aula sobre espiritualidade oriental, mas para falar de mangá e anime, mais especificamente da obra Hunter X Hunter, de Yoshihiro Togashi, também autor de outra série famosíssima entre nós, Yu Yu Hakusho. Nen, o sistema de poderes de HXH, serve meramente de pretexto para jorrar comboios de idéias que fervilham em minha cuca neste instante!

Dou um passo adiante e afirmo: o nen da ficção de Togashi é também um pretexto deste autor para cinzelar e esculpir uma elaborada trama psicológica que, ainda em construção, vai se revelando cada vez mais complexa, superando-se a si mesma e beirando, como forma artística de expressão, a genialidade dos únicos novelistas e dramaturgos da nossa Literatura que chegaram perto de retratar a condição humana até seu mais sutil e bem-delineado. Togashi é o Shakespeare do audiovisual “para jovens”; e, assim como ele escora sua insinuante mensagem num sistema de batalhas tão coerente e eclético quanto o termo nen é conciso e fácil de pronunciar, a referência ao nen será minha ferramenta ideal a fim de descrever e sublinhar as mais diversas nuances da estória, a evolução dos personagens e a significação mais ampla do roteiro enquanto jornada do herói e retrato da condição humana. Não se trata de um “resumo com spoilers”, embora recomende a leitura sobretudo para os “já iniciados”. Tampouco desejo falar de forma homogênea de todos os arcos ou episódios; mas bastará divagar sobre o nen para abordar todos os pontos que desejo!

Por sistema de batalha ou de poder entendo a característica mais proeminente do shounen, o gênero de HQ ou desenho animado ao qual pertence (teoricamente!) HXH. O público há de concordar que equilibrar o sistema de poder é um dos maiores dilemas desse tipo de arte nipônica. É só pensar nos problemas clássicos que essa estrutura gera na hora de publicar-se uma história que se quer densa e longeva no Japão: calcadas na aquisição de imensos poderes, dons e talentos e no aprendizado das técnicas mais incríveis, as aventuras dos protagonistas de shounen começam a cair em armadilhas assim que a renovação ou continuidade das “regras do jogo” apresenta suas primeiras rachaduras ou fissuras. Em Dragon Ball, prejudica muito a continuação do enredo o fato de os personagens estarem tão poderosos que destruir planetas inteiros se torna para eles “coisa de criança”. Bleach foi arruinado pela forma mal-calculada como inimigos muito mais fortes vão se sobrepondo de episódio em episódio, forçando o protagonista Ichigo a adquirir novos poderes, cada vez mais apelões, quase que tirados da cartola. Naruto chegou ao fim, talvez muito mais feliz que o destes dois exemplos acima, na hora certa, mas a ganância dos estúdios em querer continuar a obra para perpetuar a audiência torna uma série como Boruto intragável, para começo de conversa. O roteiro que perde coerência e credibilidade devido à necessidade de inserir-se desafios cada vez maiores no desenrolar da história é uma praga que assola esse gênero desde as franquias mais remotas, como Hokuto no Ken, até criações mais recentes, como Demon Slayer, Boku no Hero, em maior ou menor grau, passando por obras roteirizadas há décadas, como é o caso de Berserk e One Piece. Até aquela vertente “paródica” acaba vítima da própria piada: One Punch Man, na minha quiçá isolada opinião, não aguenta o hype numa segunda análise, pois o mote do anime se resume a uma só idéia, o que seria melhor retratar numa minissérie curta ou num só omake. Teve duas temporadas, foi aclamada, mas há quem critique severamente o desfecho da segunda, e que entenda o extemporâneo cancelamento. O próprio criador do Saitama, Tomohiro, que também escreveu e desenhou Mob Psycho 100, mesmo que esta obra não seja propriamente um shounen e também prime pelo humor, sofreu outra vez a sina de ter de confrontar entes quase que onipotentes no desfecho do enredo, obtendo, na minha opinião, uma saída medianamente satisfatória, dadas as circunstâncias, porém com aquele gostinho amargo: em relação à riqueza dos primeiros episódios, a reta final ficou visivelmente devendo!

Talvez – e só talvez! – Togashi tenha encontrado um sistema em que, a despeito da progressão de poderes continuar como pedra-de-toque narrativa, tais problemas de continuidade parecem ter sido sanados no limite da possibilidade humana. HXH não se destaca, nem positiva nem negativamente, em seus primeiros 20/30 episódios (anime 2011), até que é introduzido o nen e o roteiro como que deslancha ou, ainda melhor, decola como foguete rumo à Marte! Aqui começa nossa exploração por essa invenção louvável de um nerd japa que merece todo o cult-following ostensivo que acabou engajando!

Não é de hoje que sou fã incondicional da fórmula togashiana. Minha idéia, há cerca de 2 anos, era publicar um fake-book chamado O Livro do Nen, em que uso um discurso de eu-lírico científico e didático para explicar o nen como se ele existisse em nosso mundo, isto é, uma obra de ficção disfarçada de “introdução mística à aquisição de poderes sobrenaturais”, num formato que poderia até enganar por algumas páginas o tipo de leitor mais desatento. Embora tenha abdicado do projeto, creio que agora é o momento ideal para citar alguns dos parágrafos concebidos antes da decisão pelo aborto!

Como ressaltei, serei seletivo, então não espere uma sinopse exata. Gon Freecs e seu amigo Killua se conheceram no Exame Hunter, a prova mais desafiadora que existe neste universo, para se tornar um Caçador Profissional, basicamente super-heróis que “podem tudo”, desde combater o crime e fundar associações arqueológicas beneficentes a influenciar nos rumos políticos do mundo. Mas, como o título entrega, tudo isso “perde importância” para uma só faceta, que ao mesmo tempo agrada o colegial e o filósofo que só assiste thriller experimental e filme de Lynch: embates incríveis entre personagens que, se não forem hunters, têm pelo menos as mesmas habilidades de um Hunter!

HXH começa a se diferenciar da concorrência pela forma como insere duas crianças de 12 anos num contexto que lembra mais O Poderoso Chefão do que uma jornada Pokémon: um mundo de cão em que caça e caçador são intercambiáveis, adultos agem de forma predatória, a tecnologia, a violência urbana, o drama existencial e os complôs de organizações criminosas ou partidos políticos, ou mesmo espécies inteiras, são como na nossa querida Terra real, i.e., um lugar sórdido e inclemente.

Em dado momento, Gon e Killua estão num arranha-céu gigantesco que é uma espécie de Meca das artes-marciais, com o objetivo de ganhar dinheiro e aprimorar sua força. Gon é confrontado pela sua nêmese: o psicopata (ou apenas sociopata?) Hisoka. É a segunda manifestação explícita do nen na trama: a primeira havia sido um prato de degustação numa cena com Killua, que só deixa o leitor/expectador mais intrigado: que diabos acontece com esses lutadores que usam o tal nen?

O enredo se torna autêntico e magistral, quando comparado a outras obras-primas do shounen, somente com a introdução explícita das regras elementares do nen, que eu felizmente já antecipei acima. Faltou só uma: Togashi divide os usuários de nen em 6 categorias principais, o que num primeiro momento não parece, mas vai ter cada vez mais peso ao longo da trama. Em si, é um movimento arriscado: quando se delimitam poderes em categorias, o primeiro pensamento é: podam-se várias possibilidades futuras. Longe disso! Togashi deixa algumas brechas para tornar qualquer classificação ou compartimentação do uso do nen longe de exaustiva – mais teórica do que prática; ao mesmo tempo que ensina o ABC ao espectador, dilata e flexibiliza o conceito para que ele possa ser trabalhado em dezenas de maneiras, e apresenta cada vez facetas mais impressionantes no desabrochar dos eventos da vida de Gon e aqueles que o cercam. Ademais, uma das 6 categorias pode ser considerada residual, e ampla ou ambígua o bastante para abrigar qualquer “exceção às (amplas) regras” que o enredo achar necessária: a categoria de especialistas, definida negativamente como aquela que não se compatibiliza com as 5 categorias anteriores.

TÓPICOS COGITADOS, PORÉM NÃO-DESENVOLVIDOS:

O conceito do “talentoso” e do “prodigiosamente talentoso” (Zuchi x Gon e Killua). Em que escala estaria Hisoka? Wing? Não sabemos, de propósito somos deixados no escuro.

Hisoka é a princípio “inalcançável” até em relação aos inalcançáveis (Killua e Hanzo), antes da introdução formal ao nen. Subversão dessa regra logo depois!…

O protagonista é um “suicida com dolo eventual”.

A caixa mágica

O nen ganha novas camadas e roupagens na cidade de York.

Restrição e juramento.

A luta “sem luta”

O programa de treinamento do visionário pai de Gon.

O jogo dentro do jogo dentro da série.

O continente inexplorado.

Porque o “salto quântico” (protótipo supersaiyajin) não é problemático como parecíamos supor…

Knuckle, Hisoka, Illumi, Pitou, Netero…

A cadeia alimentar

As ditaduras

O jogo parte II

A bomba

Os alienados (Gyro, NGL)

Transmigração

Restrição e juramento ao cubo!

O quebra-cabeça de curto, médio e longo prazo de Togashi

Nanika

O supercontinente ou mundos inexplorados…

O fim é só o começo…

A viagem de barco com várias viagens de barco dentro de si.

* * *

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PARTE II – NEN COMO UM CONCEITO ESOTÉRICO-FILO-MARCIAL

ÍNDICE

Nen

Conceitos básicos

As quatro manifestações fundamentais de Nen

O Teste de Caçador ou Exame Hunter

Ren

Ten

Zetsu

Hatsu

O Verdadeiro Nen (NVV)

A primeira manifestação do Nen

Modos suplementares de manifestação do Nen

Gyo

In

En

Shu

Ko

Ken

Especialização em Nen

O teste de vocação Nen da Escola Tradicional

Outros testes (personalidade)

Categorias de uso do Nen

Regras de restrição

Nen aplicado a obras de arte

O Nen inconsciente e universal

O Nen aplicado ao artesanato

Técnicas de falsificação que independem do Nen

O Nen aplicado aos jogos de tabuleiro

Treinamento prático do Nen – exercícios da Escola Tradicional para aprimoramento da aura

Transformação em Intensificadores

O conceito de Nen negativo

Limites de energia do Nen

A maldição do Nen: o Nen post-mortem

Exorcismo de Nen

Aprendizado intensivo do Nen

 

A Associação Hunter

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nen

 

CONCEITOS BÁSICOS

 

O que é o “Nen”? Devemos informar que este livro trata de fenômenos considerados “paranormais” pela ciência ocidental. A sabedoria do Nen é derivada de correntes orientalistas da filosofia, das artes-marciais e da arte de viver, cujos critérios de validação diferem radicalmente da visão empiricista moderna. No atual momento, é impossível “provar a existência do Nen”, mas julgamos que sua aparição como fenômeno impossível de ser desprezado é iminente na cultura cético-ocidental.

Portanto, voltamos à pergunta, endereçada àqueles que querem enxergar o invisível e sentir o que não pode ser sentido, pois só para eles ela fará sentido – o que é o “Nen”?

Algumas pessoas entendem intuitivamente que há um “fosso de habilidade” entre duas pessoas, difícil de explicar racionalmente, porém, de alguma forma, “pressentido”. Seja em habilidade física ou mental, de forma geral ou em habilidades muito específicas, “algo” pressupõe que existe uma diferença de níveis entre as habilidades de dois seres humanos que, exteriormente falando, deveriam estar em patamares homogêneos.

A explicação para esta intrigante percepção é o Nen. Antes de dizermos qualquer coisa a respeito do Nen, vale a advertência: aprender mal um assunto, ou pela metade, muitas vezes é pior do que jamais aprendê-lo. Aquele que se aventura a descobrir o Nen, que o faça mergulhando de corpo inteiro, ou que abandone o livro neste instante!

“Nen” significa “queimar a alma”, trazer à tona as forças ocultas do indivíduo. Por queimar a alma também pode ser entendido “empregar a vontade”. É um superlativo do que conhecemos no linguajar comum como “força de vontade”. O Nen é regido por 4 métodos ou forças-componentes, conhecidos academicamente como “os maiores elementos”: Ten, Zetsu, Ren e Hatsu. O Nen é e não é a soma das partes. Não se pode aprender o Nen sem aprender cada um dos maiores elementos, mas aprender os maiores elementos exige o aprendizado do Nen. Complicado em teoria, e uma doutrina considerada “para os privilegiados” – mas, uma vez que se começa o aprendizado, ele é mais instintivo do que pode aparentar.

Ten é o primeiro princípio que iremos descrever. Ele significa “atenção”. Atenção e concentração na meta desejada. Trata-se de um estado mental, conhecido do ser humano. O Zetsu implica o Ten, porém expresso em palavras: “manifestarei atenção e concentração em minha meta”. É quando a mente já consegue formular verbalmente sua força de vontade incrementada, embora ainda não signifique transformar a intenção em ação. Ren é a faculdade de incremento desta mesma força de vontade, de que a mente e o corpo necessitam na busca pelo aperfeiçoamento do Ten, do Zetsu e, indiretamente, do Hatsu, ou, em suma, do Nen. O Hatsu, que elencamos por último, é a faculdade de transformar pensamento em ação. O Nen é a arte, simplificadamente, de transformar vontade, energia potencial e impulso vital em ação, energia de facto, realizar a natureza inerente (realizar de modo mais pleno a faculdade de viver).

Através do Ren pode-se comunicar, mesmo a leigos em Nen, atitudes e intenções, de amor, ódio, benevolência e hostilidade, por exemplo. De um assassino que “sabemos” ser assassino por algo mais do que uma história de vida ou provas da prática de atos ilícitos podemos dizer que recebemos seu Ren: através do Zetsu aquele que emana Nen pode deliberadamente comunicar sua intenção homicida a outras pessoas. Ele precisa usar Ten, ou sua vontade não será capaz de expressão. Se ele não usar Hatsu, não poderá assassinar uma pessoa, mas poderá causar um mal-estar (indefinível, caso quem sofra não conheça os princípios do Nen) ou calafrios no receptor. Em casos extremos, gera-se uma paralisia em quem sofre o exercício do Ren, quando a aura de vontade é superabundante ao compararmos as duas pessoas envolvidas.

A aura é uma palavra que vínhamos evitando usar até este momento, mas não carece de uma definição mais precisa e é como que “entendida” por todos os seres humanos, mesmo aqueles que não tiveram qualquer inserção em concepções orientalistas. A aura é exatamente o que poderíamos chamar de extra-corpóreo nos seres vivos e que, se fosse possível de flagrar em uma fotografia, emanaria como que um fluido ou uma camada impalpável, representada por cores, a partir dos poros do ser vivo capaz de manifestar seu Nen. Na civilização ocidental, poderíamos designar aura por espírito sem prejuízo do significado. A aura é a representação visual do Nen desde que o observador seja usuário de Nen e esteja habilitado a captar tal representação.

Embora não exista, por assim dizer, o uso puro de qualquer um dos maiores elementos, para fins didáticos iremos tratar desta maneira: o Ten puro é capaz de tornar alguém resiliente, persistente, teimoso. Embora alguém fraco continue fraco perante o forte, ao usar o Ten aquela pessoa poderá prolongar indefinidamente uma possível derrota, tornando-se um adversário muito difícil de cair. O Ren é a suposta origem do que chamamos de orgulho, pois dá uma vitória subjetiva a alguém com muita confiança e força de espírito: instintivamente, aquele com nenhum ou muito menos Ren recua diante de quem manifesta o Ren, que poderia vencer sem partir para a ação (intimidação psicológica).

O mais aceito é que o aprendizado acelerado dos demais elementos com exceção do Ten pode ser problemático, e acarretar no fracasso do aprendizado do Nen ou num “Nen ruim”. O máximo do talento e o máximo da espiritualidade e da ética exigem que o primeiro degrau do aprendizado do Nen, o Ten, seja o foco maciço inicial dos aprendizes.

A doutrina do Nen, por ser tão elaborada e ao mesmo tempo potencialmente perigosa, também é ensinada de duas formas principais: o Nen da Força de Vontade e o Nen da Força Vital ou Verdadeiro Nen (WING, 1999), que chamaremos doravante de NV e NVV, respectivamente. Embora o NV não seja uma simples oposição do tipo verdadeiro, acarretando que não seja “falso”, ele é “incompleto”, mas é o apropriado para ensino à franca maioria da população. Até onde se sabe, a faculdade de adquirir o NV é universal. Talentos natos aparte, ele pode ser adquirido, em menores graus e com maior persistência, disciplina e rigor de treinamento, por todos os seres humanos. Esta obra não versará sobre animais com Nen, mas informaremos somente que os exemplares mais sublimes do reino animal possuem instintivamente a capacidade de desenvolver o NV. Essa divisão bipartite entre NV e NVV também é tratada em outras literaturas como “Nen teórico” e “Nen prático”. Apenas um seleto número de indivíduos teria os pré-requisitos, genéticos e culturais, que servem de gatilho para o desenvolvimento do Verdadeiro Nen ou NVV, do qual trataremos com mais detalhes a seguir.

O VERDADEIRO NEN (NVV)

O Verdadeiro Nen é o aprendizado profissional do Nen no seu mais alto nível. Explicações elementares e mais rudimentares eram necessárias para introduzir o Nen teórico, porém agora iremos reformular as explicações, pressupondo o preparo do leitor.

Ficou claro, no tópico anterior, que o nvv nada mais é do que o controle consciente da própria aura. O Ten Verdadeiro, de um ponto de vista mais perscrutador, pode ser redefinido como a capacidade de guardar a aura individual dentro de si. É o básico para a manifestação ulterior da alma, de que versa o mais real e autêntico Nen. O Ten implica automaticamente num maior vigor e poder do usuário e praticante. Pode-se dizer que iniciados em Ten são mais fortes ou superiores a seres humanos comuns.

O Zetsu Verdadeiro é, ademais da verbalização das intenções mais imediatas da aura, o “botão de desliga” dessa mesma aura cultivada pela meditação do Ten. O Zetsu é a supressão consciente da aura, seja para tornar a presença, como ser vivo, “invisível”, seja para restaurar as energias, servindo como uma economia dirigida de energia em momentos de intenso esgotamento. O Ren Verdadeiro é o recarregamento ou produção súbita de mais quantidades dessa mesma aura.

Sobra o Hatsu. O que é o Hatsu Verdadeiro? Seu conceito dentro do Nen prático será o mais parecido com o do Nen teórico, pois ele é uma espécie de cortina de fumaça ou limite de possibilidade dentro do escopo do Nen incompleto, uma vez que pressupõe a ação. O Hatsu propriamente dito é derivado dos primeiros grandes mestres em artes-marciais, cujas escolas disseminam ensinamentos de auto-defesa (WING, 1999). O Hatsu é o ataque eficaz contra outros usuários de Hatsu – esta é sua origem formal.

Se o Hatsu é o ataque, e o Ten é “alojar a energia em si mesmo”, logicamente se conclui que o Ten tem índole defensiva, e serve para amortizar os danos provocados pelo Hatsu inimigo.

A PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DO NEN

 

O despertar do Nen (o conjunto dos maiores elementos e sua interpenetração mútua e dialética num todo mais completo e coerente) pode se dar lenta ou abruptamente.

De forma geral, o segundo método, o da aquisição mais veloz, exige um instrutor. Todo ser humano faz a aura circular de dentro para fora através dos poros que possui em sua pele – também chamados de pontos shoko. Em algumas pessoas esses poros estão mais naturalmente fechados e em outras, mais abertos. A abertura dos poros é gradual com a prática do Ten teórico (derivada dos ensinamentos do zen-budismo milenar). Mas num aprendizado intensivo o próprio professor poderá aplicar sua aura nos alunos a fim de forçar uma abertura imediata dos poros, para a maior circulação de pontos de tráfego da aura, isto é, Nen. Cada indivíduo possui limites singulares. A mesma prática de abertura dos poros pode apresentar resultados dramaticamente defasados, a depender da inclinação natural ao Nen Verdadeiro.

A aquisição rápida do Nen através dos shoko fará muita aura acumulada circular e “queimar” em ritmo frenético. Será necessário que o aluno saiba retroceder o movimento de sua aura, empregando simultaneamente Ten e Zetsu, a fim de estancar a liberação de energia, que poderia gerar um esgotamento anormal ou – na pior das hipóteses – a morte por total drenagem energética. Esta postura é idiossincrática e pode ser sintetizada como a adoção do repouso completo e mais natural. Depois do primeiro aprendizado, o método se torna automático. O Ten poderá ser usado inclusive em condições como o sono. Quanto mais tempo se emprega na utilização do Ten (de qualquer grande elemento, do Nen, em suma), mais aperfeiçoado(s) ele(s) se torna(m) no corpo do praticante.

…. (aqui descontinuei o “livro”.)

* * *

PARTE III. O NEN E SEU POTENCIAL ILIMITADO PARA CONTAR UMA ESTÓRIA…

E28. Zushi, o garoto incapaz de desistir

Killua esperava um combate dos mais fáceis contra o prodígio-mirim Zushi, o garotinho que se apresentou à dupla Gon e Killua no elevador da Torre Celestial. Killua, garoto mais velho e muito mais prodígio, não tinha por que hesitar em pensar assim. Este era seu segundo duelo desde que voltara ao edifício chamado de “templo das lutas”, o primeiro no 50º andar. E a razão para as coisas não terem ido conforme os planos de Killua no duelo nem de longe têm a ver com os conhecimentos de artes-marciais de Zushi.

Depois do primeiro golpe na nuca de Zushi com sua assinatura, Killua só podia antever o fim instantâneo do combate. Muito atordoado, o garoto se ergue do chão, demonstrando intensa fibra. Intrigado pelo que acaba de se passar, Killua pensa ter dosado demais sua força no primeiro golpe e repete a dose. Dessa vez Zushi se levanta com visível facilidade, sem demonstrar qualquer dano. E o que vem a seguir é o que mais tarde será o maior divisor de águas da vida de Gon e Killua: Zushi muda sua postura e emana uma densa e concentrada aura roxa de seu corpo, invisível aos demais, porém absolutamente sensível a Killua, que dá rápidos dois saltos para trás, como que por instinto. Uma atmosfera de malignidade e opressão, a mesma emanada por seu irmão Illumi no Exame Hunter, emana a partir dos poros de Zushi e infecta tudo ao redor de Killua. O mestre de Zushi, o sr. Wing, grita o nome do discípulo em censura: essa é uma técnica proibida. Killua não consegue resolver o mistério.

A luta continua, e cada vez Killua golpeia com maior ímpeto, em incontestável superioridade, tanto em força quanto em velocidade – mas, na mesma medida, Zushi recebe de forma cada vez mais indiferente cada ofensiva de seu rival. Zushi sempre se levantará; Killua, muito irritado, chega à compreensão de que o limite de seus poderes, muito superiores, num sentido prático, aos de Zushi, é incapaz de sobrepujá-lo, isto é, de nocauteâ-lo, de conservá-lo no chão. Ele vence tão-somente por nocaute técnico, segundo as regras de pontuação do evento. Estava óbvio que Zushi tinha acesso a uma técnica especial muito peculiar – mesmo que já não emanasse qualquer aura ominosa, havia algo latente nele que o fazia insubmisso a vergastadas de um poder exclusivamente material.

Espreitando por trás da esquina, Killua vira como Zushi fôra admoestado por Wing sobre a imprudência de ter usado uma técnica à qual ele não tinha o direito de recorrer tão cedo em sua vida de lutador-aprendiz. Ele ouviu que essa técnica se chamava ren. O objetivo de Gon e Killua passava a ser descobrir do que se tratava o ren, bem como utilizá-lo. Algo já os fazia ver que havia íntima conexão entre o mistério da proeza excessiva dos freqüentadores dos andares finais (200º e aqueles acima) e esta emanação inusitada do pequeno Zushi.

Dirigiram-se então a ambos, Zushi e Wing, atrás de mais detalhes. Porém, foram apenas despistados por explicações um tanto genéricas que descreviam uma força de vontade consciente, da qual teria nascido o blefe nos embates físicos, capaz até mesmo de aparentes milagres, como o que sucedeu na luta de Killua.

Ao finalmente chegarem ao ducentésimo andar, vencendo todos os seus adversários com o pé nas costas, Gon e Killua foram recepcionados por um redemoinho de aura ominosa num simples corredor do edifício. Hisoka, o mágico sádico, revela-se como o detentor dessa energia, que inviabilizava até o avanço físico dos meninos pelo território. Wing aparece para evitar que ambos continuem tentando resistir e lutar contra aquela energia, insinuando que ambos estariam nus numa nevasca nos pólos.

Não há mais alternativa senão instruir os garotos formalmente no conhecimento do verdadeiro nen, que vem a ser o princípio basilar de onde emana o ren, meramente um de seus complexos aspectos. Mestre Wing abre os poros dos garotos para que a energia vital conhecida como nen passe a circular de forma eficaz por seus corpos. Eles mesmos possuem essa energia. Todos a possuem. Porém eles são bem-treinados e por si só talentosos, de modo que já possuem um prolífico nen, tendo bastado essa iniciação amigável em seus organismos! Uma aura branca, neutra, envolve-os profusamente, como um suor místico. É necessário aprender a concentrar-se, “sentir”, para acalmar esse jorro espiritual superabundante. Eles agora possuem um trunfo muito maior do que poderiam imaginar quando decidiram ingressar na torre. Em poucas horas, foram capazes de interiorizar o nen, a ponto de passarem ilesos pela torrente de energia má intencionada e constante de Hisoka, podendo afinal inscrever-se para as lutas do ducentésimo andar.

Gon é provocado e desafiado: no dia em que ele fosse capaz de derrotar qualquer contestante do andar, Hisoka aceitaria seu desafio, em que pese achar que um combate entre iguais estava fora de questão nesse momento tão precoce.

E56a. Como pode um usuário de nen de uma categoria defender-se e agredir um segundo usuário de nen de uma segunda categoria? Como pode um usuário de técnicas inicialmente alheias à força bruta subjugar um mestre utilizador da categoria do reforço (i.e., de um aprimorador da força bruta), a saber, vencê-lo em seu próprio terreno, ainda que ele utilize seu potencial máximo de origem? Sendo, ainda mais, um recém-aprendiz do nen?... Todas essas perguntas foram feitas por Kurapika em seu exame final de caçador. E ele chegou a uma solução lógica, embora não despida de contradições: a arte do sacrifício seria a única forma de realizar todas essas proezas. Como Hisoka já havia ensinado a Gon na Torre Celeste, não é o nen que faz o gênio, mas o gênio que faz o nen trabalhar a seu favor. Um mero conjurador, utilizando a regra da restrição, apostando a vida a cada instante, poderia enfrentar usuários de nen muito poderosos, incluindo um mestre fortificador. Kurapika reduz o alcance de seu nen do olho vermelho (ou nen de especialista), diminuindo os alvos que podem recebê-lo e pagando em tempo de vida futuro. Divide o nen que emana de suas correntes, o material que conjura, em – pelo menos – 10 habilidades, cada uma ativada por um dos dedos da mão. A chave para o sucesso de seu bote é conseguir atirar o seu adversário compulsoriamente num estado de zetsu, trancando a aura de seu corpo. Ao brincar com a aparência das correntes de cada dedo (visível ou invisível) ele torna a detecção de suas habilidades ainda mais problemática. Contra os integrantes da Aranha seu juramento e sua devoção, pagando em horas, dias, semanas e até anos inteiros de vida, permitem lutas virtualmente perfeitas, no ápice da condição humana, ou mesmo sobre-humana. Com expertise suficiente em batalhas, ludibriando seu experimentado rival, ele pode evitar danos maiores em situações como “sem campo de visão” (quando Uvogin levanta poeira para poder atacá-lo a partir de uma curta distância, prejudicando seu poder de reação) ou “com dano grave” (ele pode curar seu braço fraturado com sua estâmina mais do que surpreendente e ultimada). Por fim, inserindo outra de suas correntes no coração do adversário, ele pode barganhar a revelação de segredos para matar mais membros da Aranha ou simplesmente obrigar o adversário a morrer com honra. O maior ponto fraco das ousadas técnicas e do modo escolhido por Kurapika para desempenhar seu nen é sem dúvida outra coisa muito diferente de encurtar sua vida ou tornar suas ações no campo de batalha um eterno contraste pungente entre tudo ou nada: o maior fraco de Kurapika, que ele não podia medir antes de forjar seu nen da forma como forjou, é a sensação de culpa e como a vingança resseca-o por dentro, seu corpo pagando um alto preço fora de qualquer regra de restrição do nen, apenas pelo lado fisiológico e anímico do próprio organismo humano: ele está condenado a passar dias de cama e a se torturar a cada instante sobre o valor da vida humana, a sua, a dos seus antigos familiares e companheiros de clã, a dos amigos que escolhem ajudá-lo e, claro, a dos seus jurados inimigos. O que fazer quando ele descobre que até mesmo esse inimigo mais desalmado e cruel é capaz do mais nobre altruísmo, de cumprir acordos de cavalheiros fundados na boa-fé e de preservar a vida daqueles que lhe são mais caros? Todo o propósito das correntes fica em xeque nesses momentos, e cabe a Kurapika resignar-se e desistir do plano de sua vida até aqui ou, do contrário, perseverar. Encontra-se um meio-termo conciliatório: a caça às Aranhas será interrompida após ter colocado seu líder em estado de espera ou de latência; as próprias Aranhas têm motivos ainda mais fortes para deixar de caçá-lo e respeitar a trégua; é hora de concentrar-se na segunda metade de suas metas, i.e., a parte mercantilista ou corsária da sua vingança: penetrar cada vez mais fundo na máfia, recuperar os olhos de sua tribo e punir os colecionadores de órgãos humanos. A princípio, as habilidades do Emperor Time sequer são necessárias enquanto ele continuar sendo o bom estrategista que sempre foi. A menos que no futuro encontre um outro colecionador de olhos, diferente da Aranha, capaz de rivalizar com seu nível de nen, essa metade da jornada se mostra mais pacífica e idílica: poderá esperar suas piores chagas espirituais cicatrizarem, reunir força mental para uma segunda grande revanche sobre a Trupe. Adiamento de uma catástrofe inevitável.

E85. O cartão de hunter profissional é a conexão entre todo o passado e todo o futuro do protagonista Gon Freecs. Portanto, tanto quanto haver recebido o cartão de Kaito antes de empreender sua jornada para que o devolvesse a seu pai Ging em nome dele, o momento em que ambos trocam pela última vez palavras sobre a promessa de Kaito de devolver o cartão é o melhor momento para iniciar ou mesmo concluir a estória, que se fecha em um círculo infinito. Prefiro o segundo momento para iniciar meus comentários.

Kaito, Gon e Killua perseguem três formigas chimera até seu lar. É o primeiro trabalho de Gon e Killua como hunters profissionais. Kaito é o guia da jornada, o mais experiente do bando, mas recusa o papel de mestre. Falta de lisonja ou excesso de lisonja: prefere enxergar duas crianças de doze anos como companheiros de caçada. É noite e o formigueiro está próximo. A missão é infiltrar e exterminar a rainha chimera para que não conceba o rei. Caça e caçador se entrelaçam e se revezam nesse conto: humanos qualificados no uso de nen; formigas mutantes carnívoras por definição, rápidas em se reproduzir e em aprender e absorver técnicas e saberes, humanos ou alienígenas. Duas espécies arquetípicas da figura do predador impiedoso e que chegou à perfeição.

A figura do mestre. Killua e Gon recordam, enquanto caminham, como toda sua jornada parece ter obedecido a um rígido programa de treinamento antecipado dez anos atrás por Ging, nos menores detalhes. Wing, Tzesguerra, Bisky, Razor e o próprio Kaito foram mestres de nen que os dois garotos encontraram em sucessão. Wing e Bisky desempenharam os papéis tradicionais de professores dos princípios elementares. Tzesguerra foi apenas um personagem marginal na trajetória: primeiro testou o potencial nen dos garotos, depois foi um aliado temporário no jogo de vida, morte, realidade e fantasia entremesclados chamado Greed Island. Razor foi um dos rivais, ou chefe de fase, encontrados no jogo – mas seu papel se assemelha ao de Wing e de Bisky se considerarmos que ele recebeu ordens expressas de seu amigo Ging de usar todo seu poder para confrontar Gon quando chegasse a hora. Ao mesmo tempo, ele foi o único dos personagens associados ao papel de mestre dos dois garotos que tinha a prerrogativa até mesmo de matá-los num simples gesto agonístico: arremessar uma bola de queimada comum, transformada em arma letal pelo enorme nen do arremessador.

A sorte e o ganho gradual de experiência ajudaram Gon a superar todos os reveses até o momento da invasão ao território das formigas chimera. Tendo decidido ter uma batalha justa com Razor, ainda que dentro de um contexto maior (um jogo em equipe), Gon só sobreviveu ao seu adversário superior graças à ajuda de Killua Zoldyck e de Hisoka Morrow; e à circunstância de ter utilizado toda sua aura em uma de suas ofensivas, desmaiando em quadra, no preciso momento em que se preparava para receber o contra-ataque de Razor. A ética explícita de Gon durante toda a narrativa e o trato implícito com Razor neste cenário indicavam que fugir não era uma possibilidade para Gon. Seu recurso a um subterfúgio inconsciente ou a simples exceção milagrosa à regra permitiram que o desfecho lhe fosse favorável, a despeito de Gon não ter sido levado ao seu limite combativo ou às raias de sua insanidade. Antes, foi uma vitória justa, adornada com um asterisco: vencedor por exaustão. A disparidade de Gon, uma criança, em relação a seus algozes durante sua jornada Hunter permite que, sem contradição ou detrimento da coerência interna do enredo, algumas “ajudas sobrenaturais” favoreçam o herói em pontos-chave.

Kaito era o último avatar de mestre, ambíguo, posto que descontente com o título. Pelo menos no meticuloso programa de Ging Freecs para seu filho. Comparado literalmente a um “mestre do nen” por ter um in de extensão de 45 metros, Kaito passou a ser venerado pelos garotos como uma figura quase-paterna e ídolo quase inalcançável. Diferentemente das figuras de mestre anteriores, Kaito foi o primeiro Hunter profissional a caçar com os garotos. Se um jogo pode ser violento, cru e impiedoso, uma caçada real também pode ser comparada a um jogo. Havia uma corrida contra o tempo, uma maratona de resistência e um pique-pega transcorrendo todos ao mesmo tempo – com a ressalva de que as regras poderiam mudar a qualquer instante, o que os 3 caçadores sabiam muito bem. Para “zerar o jogo” da caça às chimeras, Kaito explicita que Gon e Killua teriam de evoluir, progredir, por conta própria, i.e., basicamente como um personagem de RPG que adquire técnicas e atributos unicamente baseado em combates nos quais arrisca a própria vida. Não só Kaito não se via como apto a treinar os garotos no sentido clássico como o tempo exíguo para cumprir a missão exigia esta improvisação.

O cartão de caçador profissional que Ging deixara para trás simbolizava todas essas dualidades e contradições: o primeiro mandamento do Hunter diz que quem não caça não merece ser designado por este nome; e que caçar é invariavelmente apostar tudo. Gon sempre apostou tudo, mesmo antes de “jogar para valer”. Ele e seu melhor amigo Killua são água e óleo, pois dificilmente se poderia dizer o mesmo do segundo. Isso antecipa o drama vivido pela dupla de heróis na caçada chimera.

Luz e trevas. Se tudo seguia conforme o plano de Ging, a caçada acabaria bem – parecia ser a crença dos dois garotos, enquanto conversavam e se aproximavam do ninho ou esconderijo chimera. Porém, se um pai pode ser tão calculista e severo com o filho sob o simples pretexto de treinar adequadamente um hunter, esse pode ser um pensamento presunçoso: arriscar a vida é arriscar a vida, e não há eufemismo, escapatória ou qualquer engodo nessa noção – ela é real, visceral, e representa um risco previamente calculado, o de que o filho fracassasse no programa de treinamento. A menos que algo que não é informado ao público estivesse nas ponderações de Ging, podemos até mesmo referendar que a probabilidade de um fracasso –resultando em morte, aliás – fosse muito maior do que a do cumprimento exitoso do programa. Ging não forçou ninguém a realizar sua própria perseguição, isto é, caçá-lo: Gon fez suas próprias escolhas a cada etapa da jornada, por mais pré-programada que ela fosse em seus contornos.

Malícia e opressão. O mesmo nen que até então favorecera Gon imensamente cumpre então seu papel medonho de horror, paralisia, sentimento de impotência, revertendo a dita sorte. Neferpitou, a guarda-real chimera, sobrepuja com esforço mínimo o trio.

Killua só é visto novamente de dia, indicando que sua fuga, com Gon inconsciente, durou até a lua se pôr e o sol renascer. Enquanto a luz e o brilho nos olhos dos garotos se convertia de imediato em trevas, o céu escuro dava lugar à intensa claridade, outro descompasso proposital e desconcertante neste momento crítico da narrativa: Kaito foi deixado para trás com um inimigo insuperável. As coisas não saíram como planejado. Não por eles, mas por Ging? Isso poderia ter passado pela cabeça de algum dos dois? A esperança de Gon ao acordar, de que Kaito estaria vivo, é um sentimento hipócrita e dissimulado – terá o protagonista desmoronado por dentro neste capítulo, embora nenhum indício exterior nos comunique dessa queda e estilhaçamento simbólicos? O que é, afinal, arriscar tudo?

O sentido das palavras de Morel e Knov. O nen de Gon brilhava como o sol quando a sombra e o pesadume desceram sobre os três caçadores. O otimismo claro e luminoso dos novos hunters que desembarcam na zona em quarentena chamada NGL são para Killua o equivalente ao soco na nuca de Gon: a expulsão para um mundo em que os olhos perderam sua função – a treva absoluta. Outro contraste: Gon desmaia inadvertidamente e vence contra Razor; Gon é nocauteado contra a vontade e perde contra Pitou. A sorte abandona o herói. Momento crítico máximo.

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