review 0ldbutg8ld #1099
obs: nós não seguimos o acordo ortográfico lusitano de 2009!
Por Rafael “Cila” Aguiar
PlayStation

Another Mind
| F I C H A T É C N I C A |
| Developer Squaresoft |
| Publisher Squaresoft |
| Estilo Adventure > Graphic Novel |
| DATA E REGIÃO DE LANÇAMENTO 12/11/98 (JP) |
Também incluso nas compilações:
| N.A. |
Quem jogar este também poderá gostar de:
(Em vermelho, os jogos que já revisamos – se não estiver linkado, ainda não foi “upado” no novo blog.)
Dreamfall: The Longest Journey (2007) (PC/XBOX)
The Longest Journey (1999) (PC)
The Longest Journey Remastered (2014) (iOS)
Ever17: The Out of Infinity (DC/iOS/PC/PS2/PSP/X360)
Kana Little Sister (PC/PSP)
Sakura Taisen (DC/SAT)
Seaman (DC/PS2)
Silent Hill (PS)
Tokimeki Memorial: Forever With You (PC/PS/PSP/SAT/SNES/Tgfx CD)
Zero (PS2)
| NOTA (Cada escore é uma média dos principais portais de games na web e revistas antigas quando for o caso, e também engloba a opinião dos gamers visitantes, além da crítica especializada; não necessariamente reflete meu ponto de vista sobre o jogo.) |
7.5
| ESTE JOGO É PRA… | |
| (X) passar longe | (X) dar uma jogadinha de leve |
| (X) dar uma boa jogada | ( ) jogar freneticamente |
| ( ) chamar a rua toda pra jogar | (X) uma incógnita |
| (X) um tipo específico de jogador. Qual? |
- Os apreciadores da queda da quarta parede, dessa vez na forma do famoso meme “vozes da minha cabeça”!
- Quem simpatizar com o enredo.
- Aqueles que imaginam como seria uma novela japonesa logo depois de assistirem um episódio de Maria do Bairro ou Pícara Sonhadora.
- Infelizmente, tudo que foi dito acima nada vale para não-fluentes no idioma!
| FAIXA DE VIDA ÚTIL ESTIMADA | De 10h a 18h. |

Quando a Squaresoft (atual Square Enix) lançou Another Mind no final de 1998, o game recebeu muito pouca atenção. E era natural que assim o fosse. Xenogears e Parasite Eve foram dois clássicos daquele mesmo ano; e tão-só 3 meses depois, em 1999, chegaria o aguardado Final Fantasy VIII ao PlayStation – só para ficarmos nos jogos da própria Square! Colocado ao lado desses best-sellers, uma “novela interativa” obscura não tinha a menor chance de brilhar. Mesmo no Japão, ao qual a obra ficou confinada, conhecido pela maior versatilidade nos gostos do público, este CD é hoje uma raridade, i.e., foram produzidas poucas unidades para distribuição. Não quer isso dizer que AM seja um mau jogo. Mas é no mínimo “diferentão” e recomendado para um tipo de gamer bem seleto… E ainda segue sendo singular, mesmo em 2022, 24 anos depois de sua criação! O termo que melhor descreve Outra Mente, por sinal, é bizarro.
A storyline – onde o jogo ganha ou perde o jogador, fundamentalmente, neste gênero – está divivida em 8 capítulos e, até onde se sabe, leva umas 10h para se completar (falaremos abaixo do replay value). Não joguei, apenas pesquisei sobre Another Mind, simplesmente porque não sei japonês, e o domínio lingüístico é um requisito obrigatório aqui. Ao contrário de RPGs que podem ser desfrutados no trial-and-error (ir testando opções de menu até acertar e progredir), nesta graphic novel não dá para obter nenhum bom resultado em termos pragmáticos e muito menos extrair qualquer diversão sem superar esta barreira babélica.

Hitomi visita uma médium para aprender mais sobre você (a voz!)
ENREDO & GAMEPLAY:
DUAS FACES DA MESMA MOEDA
Uma colegial de 16 anos, Hitomi Hayama, sobrevive a um acidente automobilístico envolto em mistério e é internada no hospital. Ao despertar, dá-se conta de que há uma “outra mente” dividindo sua própria consciência consigo mesma. Essa outra consciência se manifesta por uma voz que só Hitomi escuta; ela pode se comunicar com a menina através do pensamento. Essa entidade é agora o próprio corpo de Hitomi, falando mais adequadamente. Como um psicótico estranhamente autoconsciente de sua situação de split personality (personalidade dividida), Hitomi e o jogador, ou a voz na cabeça de Hitomi, protagonizarão um dos enredos mais esquisitos e ao mesmo tempo promissores da indústria dos games. Nada no hospital em que a acidentada acorda parece normal: afora este fenômeno a acometer a vida da garota que interessaria o próprio Fox Mulder, tudo ao redor parece girar em loucura: inicia-se um surto de tentativas de suicídio entre os pacientes do local, comete-se um assassinato e há uma tentativa de ataque terrorista no prédio, estabelecendo desde cedo a atmosfera de survival horror do título. Hitomi quebra a quarta parede, i.e., faz perguntas diretas ao controlador, e não pode ser diretamente manuseada pelo joystick: quando muito, o que temos a chance de fazer é convencê-la a agir conforme queiramos, ou observar como conseguimos interferir na “jogabilidade” (atuação!) da própria atriz/personagem fictícia.
Os personagens da “novela”, além de Hitomi, interpretada por Megumi Matsushita, incluem: Mariko Takagi, Toshiki Kaneda e Masato Kitagawa, 3 colegas de classe da personagem principal; seus professores Ryouji Higuchi e Hitoshi Yamagata; Kaoru Murai, a enfermeira de Hitomi; Teruo Myouen, jornalista que se interessa por estranhos eventos que transcorrem na escola de Hitomi; Natsuko Mukai, sua psicóloga (ou a psicóloga da ‘hospedeira’!), que mais parece uma cartomante; e Nanako Hiura, um estudante enigmático de outra escola do Japão.

Essa cena não é “real”, mas um sonho ou alucinação de Hitomi, onde, obviamente, a outra mente também está presente
Na mesma veia do filme de terror japonês hoje clássico The Ring (O Chamado no Brasil; mas lembre-se que essa é a dublagem do remake hollywoodiano deste audiovisual oriental) e de games mais ou menos contemporâneos como Zero/Fatal Frame e Silent Hill, AM emprega uma estética mais lo-fi, sutil e de suspense contínuo, distinta do terror vulgar, o que, como bem sabemos, sofistica a experiência e a torna verdadeiramente assustadora como “filmecos de susto” deveriam almejar ser, para início de conversa. Isso sim é um thriller psicológico para gente grande! O problema é que Another Mind é tão peculiar e eclético que não é simples de tachar como survival horror; preferimos chamá-lo, portanto, de Adventure ou graphic/visual novel, dada a apresentação gráfica, a forma de navegar pelos menus e estabelecer as ações in-game, sem falar no conceito inovador, que não faz parte do cânone do SH ocidental. É necessário filosofar a fim de perceber quão perturbador seria acordar no lugar de Hitomi, com uma voz ‘terceirizada’ em nossa própria cabeça! Como chamar este fenômeno? Semi-possessão?! E é por essas e outras que Resident Evil sequer se encontra, no cabeçalho da resenha, entre as recomendações similares.

O jogo inclui um tutorial sobre como escrever frases para interagir com a protagonista
Another Mind não tem muita firula: só mostra o indispensável em termos de texto, imagem e som. Não é seu objetivo embasbacar o jogador através de desempenho de hardware. Como eu disse, a estória é tudo que conta quando a pergunta é se vale a pena jogar AM. Constrói-se as próprias frases que servem para se comunicar com a hospedeira, ou pelo menos tanto quanto a engine permitia naquela época, podendo-se brincar relativamente à vontade com a sintaxe. Experimentos mais elaborados de queda da quarta parede só seriam vistos a partir do Dreamcast, com reconhecimento de voz e desenvolvimento de inteligência artificial num jogo aberto e sem objetivos concretos, que simula, entretanto, a criação e o desenvolvimento de um homem-peixe (!), o Seaman.
Se não se é livre para digitar qualquer coisa nem se tem um teclado à disposição, ao menos há sempre uma míriade de opções de como iniciar uma conversa, em 3 eixos. Basicamente você tem uma liberdade triplicada em relação ao que seria de se esperar num game com menus de múltipla escolha e alternância de respostas: escolhe-se sujeito, predicado e o verbo conector que inicia esse mesmo predicado – a comunicação pode ser da mais estrambótica à mais transparente e objetiva, o que não significa que só com qualidade nas mensagens será possível cativar Hitomi e obter a melhor finalização.

Por falar em finais, como de praxe no gênero há mais de um para se descobrir. Maioria efetivamente não passa de game overs. Em termos de good endings, porém, são 3 as possibilidades, o que aliás muita gente ignora (se é que muita gente conhece esse jogo!). O melhor dentre eles só poderá ser obtido a partir de um segundo file no memory card, após ter conseguido um dos outros 2 finais na primeira jornada. Conforme for a relação da voz ou “outra mente de Hitomi” com a adolescente, suas ações divergirão bastante, o que garante que Another Mind pode ser rejogado bem mais do que apenas duas ou três vezes até que se explorem todos os desdobramentos programados na storyline.
Nem tudo faz parte da quest principal, e você poderá ser o guru de Hitomi nas horas mais triviais, como durante uma prova de biologia, p.ex.. Claro que há situações-limite também, como fugir de um assassino. Se você for do tipo troll e der apenas maus conselhos, ela perderá a fé na segunda voz da consciência (você) e fingirá que não a ouve ou seguirá sempre o contrário do que ela diz. Além dos menus e interfaces criadas pelo jogo (mais em GRÁFICOS), o controlador navegará sem pressa pela agenda da garota (o que em 1998, por mais jurássico que pareça, era o equivalente aos contatos de um smartphone!), um calendário com compromissos, um mapa do Japão e, claro, o indispensável diário com confidências pubescentes.

Esses diálogos in-game não possuem voice work. O avatar muda conforme o humor do personagem no momento.
Poder-se-ia até forçar a barra e classificar Another Mind, apesar do que eu já disse acima sobre o assunto, como um horror game, SE a parte de suspense e drama não fosse perfeitamente contrabalançada por momentos de alívio cômico, que tornam o game ainda mais eclético e incategorizável. Quando Hitomi deseja entrar nas fontes termais com Mariko, sua best, ela hesita na hora de tirar a roupa, cogitando que “aquele que habita em si” poderia observá-la nua, sendo os olhos que tudo vêem. Isso a deixa constrangida, mas ela soluciona a questão simplesmente fechando os olhos para entrar na água. No final das contas, os olhos que tudo vêem não seriam os de um deus, mas os da própria Hitomi. O deus-jogador vê apenas uma tela preta como se fosse uma consciência cegueta! Mesmo que não faça qualquer sentido (como se o enredo já não fosse um tanto ilógico!), o aspecto original desse contexto é, novamente, a queda da quarta parede e a insinuação de que o jogador, a outra mente, é só um pervertido, indigno de confiança, justamente privado desse pequeno prazer voyeurista! Se esse tipo de interação e reprodução de psicologismos da cultura japonesa não interessam ao leitor, ainda que versado no idioma, dificilmente Another Mind seria uma boa pedida. Muitos conhecidos meus dizem que os japoneses tem um parafuso a menos ou um senso de humor completamente descabido. Sem partir em defesa deste povo, digo apenas que é tudo uma questão de sacar e simpatizar com costumes estrangeiros.

GRÁFICOS
Aqueles desejosos de Adventures fofinhos ou estilosos (Ever17, que além disso puxa para o lado erótico, sendo outro Japan only) ou visualmente estonteantes (à la Dreamfall: The Longest Journey, que é americano e nunca viu a luz do dia na Terra do Sol Nascente) terão de caçar outras opções. De fato, minha recomendação pessoal é Kana Little Sister, que é uma visual novel 100% em anime. O que chegaria mais próximo da apresentação de Another seria um filme de baixo orçamento exibido num desses festivais indies…

Não há muito o que falar de essencial senão que há uma mistura de menus completamente em japonês, fotos (imagens estáticas, duh) e vídeos, i.e., cenas de um filme elaborado pela Square. As filmagens são vistas com menos freqüência que as fotos. Do lado positivo, a apresentação visual ocupa praticamente a tela inteira, ao contrário dos FMVs fajutos da era Sega CD, com tarjas pretas horizontais enormes que acabavam por ocupar metade da área de visualização. Não há nada aqui que indique de imediato a idade do jogo (a não ser talvez a baixa definição gráfica), uma vez que não estamos falando de sprites ou polígonos, mas de filmagens live action, o que sem dúvida diferencia Another Mind de outros games da mesma geração. Obviamente, isso já espantará um amplo espectro de gamers que consideram “filmes interativos” (embora AM seja, na minha opinião, algo mais que isso) como a negação do próprio conceito de jogo de videogame. Para citar apenas um detalhe curioso como amostra da preocupação minimalista dos programadores da Square no quesito, há certos efeitos que intensificam a atmosfera e o realismo da experiência: em certa cena, Hitomi tem uma dor de cabeça tão forte que desmaia; mas antes da protagonista colapsar, primeiro, quando ela começa a se sentir mal, a imagem fica desfocada, depois os objetos duplicam, simulando o efeito de visão dupla de uma consciência apagando, e enfim os objetos escurecem gradualmente até a seqüência encerrar numa tela preta.
SOM
A trilha sonora, composta por Junya Nakano (a mesma artista por trás de Dewprism, Final Fantasy X e X-2, Front Mission: Gun Hazard, Musashi, Mystic Warriors e Tobal nº 1), é tão meritória que chegou a ser lançada num disco separado em 21/11/98, 9 dias após o próprio jogo aterrissar no mercado, batizado simplesmente de Another Mind Original Soundtrack. São 24 faixas contabilizando 1h14min38. Um dado interessante, que passa despercebido dadas a qualidade, a diversidade e a imersão das composições, é que sua autora utilizou apenas sintetizadores, sem instrumentos reais, para criar as canções. Interessante observar, outrossim, que as telas estáticas não foram dubladas pelos atores do filme, mas em 1998 o jogo foi considerado pioneiro por já conter muitos diálogos falados, já que na época este era um recurso subexplorado e há minutos de diálogos o suficiente para elaborar com verossimilhança e densidade o caráter de cada personagem relevante da trama.
Da animada Big Power à calma e serena Finale, tem música para todo tipo de ouvinte. Essa playlist que encontrei só tem 1/3 das músicas, mas é melhor do que nada!
07 Reconciliation, minha faixa favorita!
SOBEM OS CRÉDITOS
Como deixado bem claro mais de uma vez durante a matéria, diferentemente de franquias de graphic novels que ganharam localização e cult following no Ocidente, tal qual Sakura Taisen e Tokimeki Memorial, Another Mind, além de ser um episódio “anômalo” (no bom sentido) na carreira da Square (um “longa-metragem” sem “continuação”), não está disponível a não ser via importação, e a interface só é explorável por usuários avançados da língua japonesa. Ou seja, mais nipônico que com o CD de Another Mind seu PlayStation não fica!
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Lista de agradecimentos pela cessão de imagens e informações:
GameFAQs.com/
Rmattich
TeraPatrick2008
mobygames.com/
MAT
RPGFan.com/
Chris Winkler
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