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shadow man (n64)

Nintendo 64

Shadow Man

FICHA TÉCNICA

Developer: Acclaim

Publisher: Acclaim

Estilo: Action Adventure > Terror

Datas de Lançamento: 09/03/99 (EUA); 31/07/99 (EUR)

NOTA

7.9

Este jogo é pra…

( ) passar longe (X) dar uma jogadinha de leve (X) dar uma boa jogada (X) jogar freneticamente ( ) chamar a rua toda pra jogar (X) um tipo específico de jogador. Qual? Gamers atrás de uma experiência mais sombria no Nintendo 64; quem busca um adventure tão longo quanto os mais longos do console; quem tem paciência para issues de fluidez na gameplay (protagonistas lentos, etc.). (X) incógnita

Ojogo é de terror e satânico e foi lançado dia 9 de março de 1999. Seu nome é Homem das Sombras. Só de saber disso algumas almas mais frágeis já sairiam correndo… Mas falando em almas, aqui vai uma introdução à envolvente storyline:

Um herói cujo uniforme é uma calça jeans puída (e uma máscara de peito!)

* * *

1855. Jack, O Estripador, o maior serial killer de todos os tempos, está relembrando um por um de seus assassinatos e tentando desvendar seus motivos mais profundos para cometê-los, se existirem, antes de terminar a sua grande obra chamada vida com o homicídio-apoteose: o próprio. Antes do suicídio se consumar, uma entidade interrompe Jack e diz que ele não conhece a sensação de poder como pensa que conhece, nem a de privar o ser humano, efetivamente, da existência, já que há muitas verdades metafísicas que ele ignora. Para ele se tornar um serial killer completo, deveria segui-lo. Legion (Legião) é o nome desse sujeito do além (mas algo nos diz que não é um só sujeito…). Aliciando Jack, ele quer que o estripador o ajude a erguer uma catedral do medo capaz de reunir todas as almas penadas do Outro Mundo, a ser batizada de Asilo, o pré-requisito para fazer os dois planos (o além e o aqui-e-agora) fundirem-se num só. Em troca Jack ganharia o direito de ser o vice-pontífice desse reino do horror e a imortalidade: poderia, agora sim, se matar no mundo dos vivos, somente para ser eternizado como Jack, O Estripador, o morto-vivo! E é o que ele faz…

1999. Michael LeRoi jubilou no curso de literatura por vícios como o álcool, e como não queria voltar pra casa dos pais, no estado natal, cabisbaixo e derrotado, tratou de achar um bico como taxista – a profissão mais legal do mundo, dizem – no mesmo local, para ganhar a vida. Miserável vida. Numa noite de trabalho, um dos passageiros de Michael não era flor que se cheirasse e acabou sendo assassinado num linchamento coletivo, bem na sua frente, logo após descer do veículo. Temendo pela própria vida, Mike dá o fora da cena do crime cantando pneu. Algumas horas depois ele descobre que o passageiro falecido havia deixado uma sacola no banco de trás com muito dinheiro – 20 mil dólares –, que Mike usa para comprar presentes para toda a família antes de passar as férias em sua antiga residência. Os mesmos fulanos que tiraram a vida do passageiro desconhecido descobrem tudo sobre Michael LeRoi e sua vida precária. Os pais e o irmão caçula de Mike são os primeiros a pagar – com a vida – pelos misteriosos 20 mil dólares. Como se a situação do taxista, ex-taxista ou seja lá o que for agora, não pudesse piorar!

Drenando um pouco mais de seu vigor vital para chorar as mágoas num bar de quinta categoria, Mike é abordado por uma mulher muito suspeita, Agnetta, doravante apenas Nettie. Uma sacerdotisa de magia negra, poderosa manipuladora e rainha dos vodus. Ela seduz o bêbado e ambos dormem juntos essa noite. Com seu dom macabro, o propósito desse flerte é revelado: ela costura uma máscara na altura do peito de Mike, que daqui em diante será conhecido apenas como Shadow Man, uma entidade capaz de fazer travessias entre as duas dimensões do universo, o Lado dos Vivos e o Lado dos Mortos (Deadside). Isso porque agora ele não está nem vivo nem morto, propriamente falando…

Ultimamente, a ancestralmente sábia e bela Nettie, que não sabemos há quanto tempo co-habita com os vivos, anda tendo sonhos proféticos acerca da vinda do Apocalipse. São cinco – e não quatro – os arautos do Armageddon. A energia negra que possibilitará a invasão está próxima de ser finalmente reunida, ela o sente. Alguém passou os últimos séculos colecionando almas negras…

O que une o enredo dessas quatro pessoas, Michael, Jack, Legion e Nettie, é que o tempo está correndo e Shadow “Mike” Man, a mando de Nettie, precisa correr atrás das almas negras pendentes antes dos inimigos, ou será o fim dos tempos como a humanidade os conhece! A profecia interpretada por Nettie significa que, além de Jack, Legion tem outros subordinados super-eficazes no seu trabalho: outros dos maiores serial killers da História se juntaram a eles nessa cruzada…

O enredo mistura referências bíblicas e ocultismo brilhantemente.

* * *

Um jogo que começa com a Moonlight Sonata de Beethoven não pode ser ruim! Shadow Man tem uma atmosfera fantasticamente tenebrosa muito devido ao acompanhamento musical. Uma das faixas em especial jamais sairá da cabeça do jogador em suas horas de descanso das agruras da trama: os guinchos dum patinho de borracha, a risada dum bebê, uma broca de dentista e depois vários e intensos gritos de morte são alguns dos efeitos sonoros que acompanham a soturna melodia… Enfim, deu para perceber o quanto a OST é psicologicamente perturbadora e cai como uma luva nos níveis de Shadow Man, considerado o jogo mais adulto e sério de N64, o que não significa que não dê para se divertir nele. Cada inimigo tem seu rosnado distintivo, o que ajuda bastante a antecipar as estratégias de combate, já que os rosnados e grunhidos precedem a visualização física das aberrações. Outro toque elogiável é a diferenciação do barulho dos passos de Mike a depender da superfície que ele pisa. Na poeira ou terra batida, é um som seco e áspero, como o de pequenas e frágeis pedras sendo esmigalhadas pela sola de sapatos frementes. Atravessando canos, alumínio ou metal o som é aquele típico “clank, clank”. Superfícies molhadas farão aquele “squish, squish” análogo ao das passadas do monstro Cell em Dragon Ball Z.

A cutscene de abertura é enorme e introduz as vidas de Jack The Ripper e Nettie aos jogadores, antes dos diálogos seminais entre Shadow Man e a rainha dos vodus. Diálogos falados em sua integridade, por sinal, de cabo a rabo, até o desfecho da estória – fato raríssimo no N64! Tem até raras cópias soltas no mercado de uma versão traduzida para português (nas legendas, apenas) pela Gradiente, a representante oficial da Nintendo no Brasil, à época. A atuação é convincente e um verdadeiro marco no mundo dos games, deixando vergonhas como a dublagem de Resident Evil 2 no chinelo. Claro que os personagens ajudam muito nesse quesito, pois é fácil se identificar com eles. Leve em conta o acento “louisianês” de Nettie e o sotaque irlandês da cobra falante que serve como seu guia espiritual!

Depois do feeling de cinema que é transmitido ao gamer acomodado na poltrona, finalmente a jogabilidade começa. Shadow Man ainda está no mundo dos vivos, nas pantanosas margens de algum rio americano. Essa seqüência inicial é bem linear e suficiente para dar um pequeno gostinho do que está por vir. Shadow Man deve achar o caminho até uma capela, pulando em alguns trecho bem Plataforma, correndo por pontes em colapso no melhor estilo Indiana Jones, atravessando fendas em cipós à la Pitfall, equilibrando-se em saliências e cânions à procura de onde é a saída, ou a entrada… No fim desse primeiro trecho, Shadow Man ganha Teddy, o ursinho de pelúcia, a última lembrança de seu irmão assassinado, que serve como artefato de teletransporte para os checkpoints das próximas zonas que ele vier a explorar, economizando muito tempo de deslocamento. Parada seguinte: os Portões de Medula. Daqui em diante, o sobrenatural será seu único reino, até perto da conclusão do jogo, quando a Terra precisa ser revisitada…

Os personagens são pontiagudos e de face chata, piores do que se vê em jogos contemporâneos de SM tais quais Half-Life ou Super Mario 64. As texturas são embaçadas e mal-definidas como é comum nos jogos da Acclaim, mas o emprego do expansion pak melhora as coisas de forma notória. Algo, no entanto, acontece que não deveria acontecer, justamente graças ao implemento de memória RAM que o uso desse cartão de expansão representa: trechos que eram feios mas rodavam a 60fps se tornam belos e… com lentidão, o que é injustificável, porquanto a gameplay deve estar sempre na dianteira dos gráficos. Shadow Man tem suas virtudes gráficas, todavia: mesmo em áreas espaçosas, a neblina é deliberadamente ausente e toda a interface com que se pode interagir é visível sem que se precise aproximar quase todo o caminho, como ocorre em Banjo-Kazooie, de 1998. O preço para que a Acclaim tivesse conseguido algo que a própria Rareware – nos bons tempos – não obtinha pode ter vindo na forma de loadtimes, talvez os maiores do sistema a rodar em cartucho: partindo de uma macro-zona de jogo para outra, Shadow Man terá de esperar 10 segundos no “limbo”, até ter seus polígonos carregados! Que você não tenha medo de telas totalmente escuras, é o que eu mais desejo…

Controlar Mike não é difícil, mas requer treino. A velocidade do protagonista é determinada pela intensidade com que se pressiona a alavanca de controle, o que não deve ser nenhuma novidade para 3D gamers. Um conceito relativamente único – pelo menos para a época – é poder empunhar duas armas simultâneas, havendo um botão para a mão esquerda e outro para a direita (SOTN saiu na frente nos 2D). O problema é que o herói (?) necessita de pelo menos uma mão livre a fim de pressionar switches ou descer e subir por cordas e se dependurar em beiras de penhascos… Ops!

A pistola que Mike carregava consigo no mundo terrestre será uma arma espiritual chamada shadow gun assim que ele cruzar o portal para o mundo das trevas. Com esses projéteis azuis, Shadow Man poderá aniquilar mesmo inimigos já mortos, trucidando o que resta de suas almas malditas. Obviamente, com o passar do tempo power-ups vão deixando a shadow gun cada vez mais invocada. Porém, uma mordomia é que desde o início sua munição já é infinita. Como indicado no enredo, Shadow Man tem de partir em busca de dark souls durante os níveis. Pode-se dizer que ele ganha em poder a cada uma que acrescenta a seu inventário. Ao atingir determinada quantidade de almas, áreas antes inacessíveis estarão finalmente liberadas. Os numerosos portais do Deadside possuem algarismos talhados no frontispício que indicam o volume de almas negras necessárias para se entrar. Alguns deles levam a reinos completamente novos, outros dão apenas em pequenas alcovas nas paredes em que reside um item (como aquelas câmaras da Death Mountail Trail com gold skulltulas de Ocarina of Time), mas um terceiro tipo de portais funciona ainda como interligador e cortador de caminhos. São 120 almas negras no jogo e há um bônus por conseguir coletar todas, mas isso não é obrigatório. Ao contrário da versão de PC e outros ports, o prêmio é um segundo violator (uma arma muito importante). Não sei a razão de o Book of Shadows ter sido suprimido no Nintendo 64 – trata-se de mera arte conceitual, que não interfere na gameplay.

Além de aperfeiçoar de quando em quando sua shadow gun, outro must da mecânica de combate é o circle strifing, isto é, deslocar-se enquanto prende a mira em algum alvo, como em Mega Man 64 ou The Legend of Zelda tridimensional. Aqui a tecla utilizada é o R. Sem strifing, vencer os chefes é quase impossível. Há duas batalhas, contudo, em que essa tática não funciona nada bem… Shadow Man é durão, mas precisa ficar muito mais resistente ao longo da narrativa, ou vai perecer com extrema facilidade (felizmente não tem “número de vidas”, ele só dá respawn no último checkpoint ad infinitum…). Itens chamados cadeaux (presentes) são imprescindíveis para aumentar sua energia em definitivo. Cada 100 concedem um novo nível na health bar. São 5 health bars ao todo no começo, mas o máximo que se alcança ao final é o dobro (o layout do medidor de HP e seu tamanho crescente são parecidíssimos com o esquema adotado em Jet Force Gemini!).

Shadow Man será agraciado esporadicamente com armas secundárias, tais quais shotgun, machine gun e violator (acima, você viu que coletar as 120 almas resulta num segundo violator, para usar com as duas mãos ao mesmo tempo). Há itens que tanto têm uma função “espiritual” na mecânica do jogo quanto são utilizáveis como material ofensivo. O cassetete, por exemplo, emite raios e também teleporta o personagem na presença de altares especiais; o marteau é como o Megaton de Zelda e aciona tambores, mas serve ainda como produtor de ondas de choque para derrubar foes; o item asson dispara bolas de fogo, mas não só! Como assinalado diversas vezes na análise, o espírito da coisa é bem zeldaniano, exceto que a storyline é muito mais adulta e explicitamente violenta e a jogabilidade é bem mais truncada na movimentação. As cenas mais chocantes envolvem as mortes por destruição de vodus magicamente ligados às vítimas e as vezes em que Mike precisa mergulhar em lagos de sangue ou ácido para progredir na aventura! Há dois finais aguardando o jogador com perspicácia o bastante para encontrá-los…

Tenho algumas reclamações de Shadow Man para fazer constar, nenhuma que quebre o ritmo de jogo, felizmente. Tem um glitch na versão 64 que permite regenerar dark souls no mesmo lugar, possibilitando assim terminar sem esforço com mais de 120 (qualquer nova semelhança com a coleção de gold skulltulas de Zelda NÃO é mera coincidência…). E, apesar do que a caixa de jogo e o manual informam, Shadow Man NÃO tem compatibilidade com o rumble pak. O mais provável é que Shadow Man estava destinado a usar o periférico mas em algum ponto de seu desenvolvimento essa parte teve de ser cancelada devido a prazos para entrega do produto. Acabaram não limpando os vestígios dessa reforma de pequena monta. Mas quem se importa mesmo com o rumble pak? Em 1997 eu achava o máximo aquele treco vibrando durante o Star Fox, mas MEH!…

Shadow Man é um clássico do ocultismo. Não desgrudar dele até descortinar todas as nuances do enredo é praticamente inevitável, a não ser para quem tem medo de jogar à noite com as luzes apagadas e o som alto e para quem não consegue se livrar dos inimigos mais poderosos e não agüenta morrer sucessivas vezes sem jogar o cartucho pela janela. Shadow Man é bem grandinho (e é por isso que marquei um “x” na opção “jogar freneticamente”, já que o game não é excelente, mas um bom game comprido). E, diferentemente de outros itens de última geração do N64, como Zelda: Majora’s Mask e Donkey Kong 64, a dimensão do single player não é inflada por side quests à toa nem minigames aporrinhantes. Esteja avisado de que Shadow Man utiliza mais de metade das páginas de um cartucho de memória na hora de salvar seu desempenho.

Esta é uma rara cria da Acclaim que, tragicamente, pelo que vejo, foi curtir umas temporadas no Deadside, porque pouco se fala nela! Por incrível que pareça, a versão de Nintendo 64 foi mais bem-avaliada pela mídia especializada do que as de Dreamcast e PlayStation, então tem-se um motivo a mais para arriscar essa aquisição cult. Para quem ficou interessado no enredo, recomendo, ainda, baixar as comic books homônimas – que serviram de fonte de inspiração.

Ao longo do game, várias revelações estarrecedoras vão sendo feitas. Michael não é o Shadow Man por acaso…

Rafael de Araújo Aguiar

Lista de agradecimentos

Tropicon, KFHEWUI, Brazilian, LegendaryFrog, Resnufo, Stu_Pidd do gamefaqs.com

mobygames.com

versão 2.5 – escrito em 2013; correções em 2022; update na diagramação em 2023.

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