REVIEW N° 1015 DO NEWGEN
PlayStation

Soccer ‘97
F I C H A T É C N I C A
Developer Silicon Dreams
Publishers Eidos
Estilo Futebol > Arcade
Datas de Lançamento 03/97 (EUR)
NOTA
5
Este jogo é pra…
(X) passar longe (X) dar uma jogadinha de leve (X) dar uma boa jogada (X) jogar freneticamente (X) chamar a rua toda pra jogar (X) um tipo específico de jogador. Qual? Loucos por futebol, e não falo do programa da ESPN. (X) incógnita
Vida útil estimada: 20h
Esta é a continuação de Olympic Soccer: Atlanta 96, como já se percebe pela CG de abertura. Desta vez o enfoque está na Liga Inglesa ao invés de num torneio quadrienal de Seleções. Peculiarmente o bastante (e veremos como este game é um tanto peculiar!), o jogo não foi lançado sequer na Grã-Bretanha, indo direto para as prateleiras norte-americanas, e somente elas! A liga-base para o título é a temporada 1997-1998, mas, como o lançamento se deu cerca de 5 meses antes da referida temporada começar e uns 3 meses antes do término da season pregressa (1996-1997), só puderam “chutar” quais seriam os rebaixados, e acabaram trocando alguns dos clubes: Bolton Wanderers e Crystal Palace, que ascenderam à primeira divisão da Premier no mundo real, encontram-se ausentes, suplantados, no reino virtual, por Middlesbrough e Sunderland. Os demais times disponíveis são, em suma, e em ordem alfabética (note que são mais de 20, pois há um generoso acréscimo de agremiações de divisões inferiores nos outros modos de jogo que não sejam os pontos corridos, como copas e amistosos): Arsenal, Aston Villa, Birmingham City, Blackburn Rovers, Chelsea a.A. (antes de Abramovich), Coventry City, Derby County, Everton, Huddersfield Town, Ipswich Town, Leeds United, Leicester City, Liverpool, Manchester City antes da riqueza, Manchester United, Newcastle United, Nottingham Forest (um dos times mais velhos e tradicionais do planeta), Queens Park Rangers (o ex-clube do frangueiro Júlio César), Sheffield United, Sheffield Wednesday (nunca tinha ouvido falar!), Southampton, Stoke City, Tottenham Hotspur, Tranmere Rovers, West Bromwich Albion, West Ham United (sem Tevez, infelizmente), Wimbledon (Pete Sampras deve jogar no ataque…) e o Wolves. Uma lista de respeito.

Pode apostar que S’97 não vai faturar nenhum prêmio (até porque isso seria há duas décadas, mas, enfim, nem mesmo no período…) por gráficos de tirar o fôlego, precisão milimétrica nos controles ou física realista. De fato, não vai ganhar reconhecimento ou chancela nenhuns, a não ser talvez por esta resenha-lembrança. Para ser curto e grosso, Soccer 97 é feio, bugado, ruim… Tão ruim que chega a ser brilhante!
Mas vamos falar de coisa boa, vamos falar de GOOOOOOOOL DA ALEMANHA em Belo Horizonte!!… Ops, vamos falar só de gols mesmo, no sentido genérico, mas é que foram TANTOS naquela fatídica tarde que quase troco um pelo outro… Posicione um 9 que não seja o Fred na área e “acarinhe” a bola o mais forte que puder (o que já é uma operação pouco simples, em S97) e assista o goleiro dar uma de Neuer/Navas/Ochoa – realizar defesas consideradas impossíveis – todas as vezes! O portero assoma à frente da meta, diminuindo o tamanho do gol, com elasticidade, envergadura e agilidade super-humanas. Não dá para vencer o propalado “último homem”, aquele que tem a prerrogativa de usar as mãos, no universo surreal de Soccer mil-novecentos-e-noventa-e-sete, usando meios convencionais…

Mentira! “Backheel” e “Cross” estão alocados na mesma tecla, não acredite nesta tela!
…o que nos traz aos métodos heterodoxos de ludibriar a zaga e o derradeiro guardião dos adversários: a tática n. 1 é arriscar da distante linha da intermediária, ou seja, dar aquela lapada do meio da rua! Enquanto a bola percorre sua trajetória, segure para trás no direcional (do ponto de referência da redonda) – o digital ferrado mesmo, pois S97 não oferece compatibilidade com o Dual Shock –; o que, o gamer irá reparar, aumenta consideravelmente a altura do melão chutado. A esfera perfeita ganhará tanta altitude que passeará pelo Palácio do Governo de Evo Morales antes de cair devido à gravidade e surpreender o goleiro rival, encobrindo-o lindamente. O mais impressionante é que durante o percurso a bola vai adquirir um Movimento Uniformemente Variado (MUV) que, para quem faltou às aulas do Ensino Médio, implica que ao chegar ao gol ela estará “n” vezes mais rápida do que quando apenas atravessava a meia-lua, por exemplo! Se é que o guarda-redes vai conseguir triscar na bolinha antes dela amaciar o fundo das redes, será apenas para dar um rebote frontal ou um corner kick de presente. Facim, facim! Mas jogando assim, isto é, mais sujo que eu no Battle do Mario Kart, até o H-7 (Hulk camisa 7) vira artilheiro de Copas, amigão!

Outras maneiras de marcar tentos incluem explorar as pouco conhecidas capacidades de stealth desse curioso ser humano que vem a ser o jogador de futebol. Se Solid Snake conseguia ludibriar espiões treinados se escondendo debaixo duma caixa de papelão, imagine só do que gentlemen encerrados entre as 4 linhas não são capazes! A sliding tackle, jogada fundamental do futebol, pelo menos nos games, é o aspecto mais absurdo da jogabilidade de Soccer. Tanto o autor da rasteira/carrinho quanto a bola se tornam transparentes e intangíveis enquanto, como diz Diego Tardelli, conserva-se de “bunda ralada no chão”. E, convenhamos, mandar tackles não é nada difícil em Soccer ‘97: se houver uma bola solta/neutra na área (o que costuma acontecer após o rebote do goleiro), aperte X e todos os seus zagueiros/atacantes (de qual área estamos falando mesmo?) vão dar tackles sincronizadamente em direção à pelota, seja para afastar o perigo ou marcar o escore. “Usar tackles com prudência” valeria para qualquer jogo de futebol normal e poria um freio à intensidade dramática e ao vício de “apelar” para fazer gols fácil, mas em Soccer 1997 não há tais limitações. A verdade é que na física desta produção da Silicon a bola gruda na ponta da chuteira de quem dá o carrinho; durante o carrinho ele, o atleta, se torna invencível, lépido, ligeiro, o deus da raça, e, ainda por cima, o carrinho “dura” uns bons metros! O outrora tão poderoso goleiro nada poderá fazer para remediar o mal…

Os disparos são sempre muito angulados, então outra dica é explorar a incrível faceta de que quase todos os chutes visando os lados perfazem letais ângulos de 90 graus, e a bola se torna, assim, muito mais indefensável do que, vamos dizer, uma petelecada reta e honesta. Lembre-se de usar bastante o direcional mesmo após já ter “se livrado” da redonda, para dar efeito na rechonchudinha…
Uma vez ou outra é possível mover o placar sem esses expedientes canalhas, mas qual seria a graça, se você pode fuzilar o goleiro desde o meio-campo? Quem nunca sonhou em fazer o gol que Pelé não fez? Quem nunca sonhou em promover a violência com carrinhos consecutivos impunes?

É isso mesmo o que você acaba de ler: carrinhos impunes! Faltas são raríssimas, e marcadas sem critério. Rasgar por trás e destroçar as pernas do adversário nada significa. Aqui é Libertadores, por… espera, não é não – mas é como se fosse! Né, Lugano?! Você não precisa nem agir sob pretexto de “tomar a bola” do outro; dê carrinhos gratuitos fora do lance de jogo e veja, no máximo, um cartão amarelo chegando por acidente. Mas o mais provável é que o cartão venha quando você tenta jogar limpo e direito, que ironia! Então, se você está levando a pior na corrida, apenas abuse dos carrinhos, não só porque eles são uma forma de chegar mais rápido como porque não há nada a perder, disciplinarmente falando, ao aniquilar sem dó o competidor mais próximo!
A narração é um show à parte. Credencial neste jogo só quem tem é Alan Green, uma lenda do rádio na Inglaterra. Não há a menor possibilidade de considerar-se as linhas deste homem monótonas ou clichês como de praxe no gênero. Ele é como o Silvio Luiz, só que in English! Suas piadas soam ainda mais engraçadas quando o comentário não diz respeito diretamente ao que acaba de ser mostrado na tela, para escancarar o humor do título, que vai da gameplay à apresentação audiovisual. “Impedido! Ah, sim, você tá!”, vai espetar o narrador, sempre cético em relação à arbitragem, como todo bom sujeito. Chutes tortos serão contemplados com um “Essa passou mais perto da bandeirinha de escanteio que do gol!”. Mas essas piadas intencionais e meio óbvias nada são diante do nonsense ubérrimo e magnífico estilo “Você nunca ouve falar muito de [Fulano], mas posso garantir que ele é subestimado!”. Acontece que essa frase pode ser dita para qualquer um (os jogadores são licenciados, e Alan chama cada um), e o efeito cômico de ouvi-la envolvendo Teddy Sheringham ou Eric Cantona é indescritível! Por alguma razão, Cantona, aliás, não veste a #7, mas a 10, e aquela ficou para Roy Keane. Green também gosta de enrolar os ouvintes, dizendo que hoje vai criar coragem para marcar o dentista e pedindo o chá-das-5 quando o juiz apita o intervalo. Tão cara de pau é o showman à frente do espetáculo dos gramados em Soccer que os reservas serão anunciados como “em aquecimento”, mesmo quando não existe o menor sinal de movimento no banco de suplentes!

As estranhezas prosseguem. Ambos L1 e R1 apresentam multifunções a depender da área do gramado em exploração e da situação e vetor de posicionamento do jogador. L1 é o botão de Sprint, mas não recomendamos utilizá-lo uma vez que estiver com a posse de bola, pois o atleta tende a adiantar seu instrumento de trabalho tantos centímetros em relação aos próprios pés que, se não sofrer um bote certeiro do oponente, decerto que vai se autodriblar e esquecer a bola, num típico lance de Deivid… R1 apresenta outra bifurcação interessante: ora passe de calcanhar refinado, ora chute cruzado! Acontece que se o atleta estiver de cara para o gol e na diagonal, chutará ao invés de tocar com a parte de trás do pé para algum outro companheiro. Estranhamente, L2 e R2, que podiam ganhar funções complementares para não sobrecarregar as teclas já em uso, foram esquecidos pelos desenvolvedores.

O forte do jogo são os numerosos elencos licenciados
Mesmo para 1997 os gráficos eram tão primitivos que assustavam as crianças, com suas caras quadradas despidas de expressão. A trilha de tendências eletrônicas hardcore é tão “inapropriada” que chega a ser genial e inovadora, apesar dos pesares. Detalhes “artísticos” como esse até ocultam um pouco as falhas técnicas mais notáveis e detratoras do conceito, visto que não podemos designar um jogador específico para substituição (em que pese podermos pedir substituições!!). Outro aspecto que chama a atenção é o “loading” para voltar da tela de pause, de pelo menos uns 7 segundos. Soccer ’97 parece o rascunho de uma obra-prima de futebol virtual; mas isso não é de todo uma crítica – ao invés de um simulador chato e falhado, temos um legítimo Arcade 16-bit-ish, o título de PSX que mais lembra o imortal Sensible Soccer. Vamos lembrar que o público-alvo desses futebóis divertidaços e fantasiosos da aurora dos anos 90 era o dos sociopatas que gostam de jogar esportes coletivos fingindo se tratar de modalidade individual, pegando um jogador só e tentando fintar os 11 adversários arrogantemente até morrer com bola e tudo na rede, fanáticos estes que não hesitam, ainda, em quebrar os “amigos” nos carrinhos impiedosos, como se a canela dos antagonistas fosse palito-de-dente. Importante é competir? É, vai nessa! Até sociopatas precisavam de amigos, quando o assunto era tardes inteiras diante de seu Super Nintendo!
Um reviewer uma vez sugeriu que jogos (talvez involuntariamente) divertidos de tão ruins que são deveriam receber ou um 1 ou um 10, a depender do humor de quem avaliasse, ou com o auxílio da mesma moeda que o árbitro utiliza para decidir para que lado A e B atacarão em cada etapa. Não sou tão volúvel à sorte neste caso: S97 chegou, por vias tortas, a superar os FIFAs, Pro Evos e Actuas dos 32 bits, que só um ou outro escasso louco ainda joga com assiduidade. Mas Soccer, pelo menos jogado no multiplayer, é um dos discos que mais rodam no meu surrado console! Claro, eu não poderia dar um 9 para tal jogo, então deixo aqui meu 5 e uma recomendação de coração: joguem também!
Rafael de Araújo Aguiar
Lista de agradecimentos
HONESTGAMERS:
Gary Hartley
GAMEFAQS
Lee Lemon
MOBYGAMES:
piltdown_man
versão 2 – 2014; 2025.