Neo Geo Pocket Colors

SNK VS Capcom:
Match of The Millennium
F I C H A T É C N I C A
Developer Dimps Corporation
Publisher SNK
Estilos Luta + Minigames
Datas de Lançamento 30/11/99
NOTA
9.4
Este jogo é pra…
( ) passar longe ( ) dar uma jogadinha de leve ( ) dar uma boa jogada (X) jogar freneticamente (X) chamar a rua toda pra jogar (X) um tipo específico de jogador. Qual? Fãs das duas empresas? ( ) incógnita
Tudo começou quando a Capcom, já dona do maior sucesso no gênero luta de todos os tempos (inaugurando, em verdade, o estilo), Street Fighter II, decidiu romper barreiras e colocar a galera de dois universos paralelos para brigar em X-Men VS Street Fighter. O resultado foi uma pancadaria hiperativa no formato duplas extremamente bem-recepcionada por público e crítica. Os gigantes da empresa não podiam deixar a oportunidade de seqüências rentáveis escapar e logo vieram com uma ampliação, Marvel Super Heroes VS Street Fighter. Logo perceberam que a fórmula ainda tinha muito pano pra manga, e lançaram então um terceiro arrasa-quarteirões, Marvel VS Capcom, com um sistema cada vez mais sólido, mais modos de jogo, animações mais detalhadas e, claro, vários personagens inéditos, como Strider, Venom e Jubileu. Entre as novidades na mecânica dos combates, se destacou a inclusão de um terceiro guerreiro por equipe, alargando os limites da franquia e as possibilidades na gameplay. Depois de espancar seus joysticks horas a fio e aprender todos os combos com todos os selecionáveis, o ávido e infatigável consumidor ainda queria mais. Mas para onde as expansões poderiam correr, a essa altura do campeonato? Um pacto foi forjado com a outra grande empresa do ramo fighting, a SNK, e uma nova história se iniciou…

Há jogos que transcendem o palco para o qual foram delineados, a ponto de se tornarem os primeiros nomes que vêm à cabeça quando nos perguntam sobre os títulos existentes num console. Algumas obras da indústria dos games são, de fato, tão divertidas e oferecem tamanha profundidade e química, com um fabuloso “elemento X” difícil de descrever com exatidão, que se tornam clássicos perenes, redefinindo os padrões de resenhar-se jogos. Sem dúvida, A Batalha do Milênio adquiriu esse status, em que pese ser de um console portátil longe de encabeçar o mercado handheld mesmo nos seus melhores momentos. Sorte para quem confiou as sobras de seu bolso ao Neo Geo Pocket Colors! Se você está cansado de detonar os mesmos jogos de luta de NGPC, talvez seja hora de experimentar este aqui, um festival da luta e da excitação virtualmente inesgotável enquanto as pilhas ainda funcionarem!

Completamente a cargo da SNK (contrariando as suspeitas iniciais, devido ao título), com o devido licenciamento das trademarks capconianas, a companhia veterana e calejada que nunca teve a merecida audiência no mercado ocidental, esse jogo é um testamento de beleza tecnológica no crepúsculo do milênio (daí a inspiração para o subtítulo) e a prova singular de que é possível reter a mágica dos fightings mesmo num videogame portátil e limitado. Talvez os portadores de Game Boy Advance sintam a afirmação anterior como uma indireta, mas quanto a isso nada posso fazer! Com efeito, SNK VS Capcom: Match of The Millennium consegue ser melhor que o próprio Capcom VS SNK – o jogo-espelho – para o turbinado Sega Dreamcast, lançado pela mesma época. Talvez porque, mais do que ninguém, a SNK conhecia a fundo o hardware no qual estava mexendo…

Mas chega de prólogos…
Muito similarmente a um RPG ou Adventure, SvC atira o usuário num mundo imersivo que não se atém ao gênero luta, o que contribui para a caracterização de “vício obsessivo” da fita, de acordo com todos os seus donos. A storyline para justificar a mistura dos dois contextos tão díspares entre si é simples contudo agradável: M. Bison e Howard Geese, uma dupla de vilões de impor respeito, se unem para conquistar o mundo se utilizando tanto dos poderes de Orochi Iori e Evil Ryu, poderosos “zumbis” sob seu controle, quanto de uma idéia engenhosa: recrutar os melhores lutadores para um torneio de artes-marciais sem precedentes históricos e escravizar seus vencedores.

SvC possui os melhores gráficos do ramo no NGPC. Isso é dizer muito, já que todos os jogos previamente lançados pela SNK utilizam com sabedoria as potencialidades do aparelho. Os personagens até piscam os olhos e suingam o corpo sem cessar. E há mais animações no background do que nunca. A clássica fase do templo, lar de Ryu em Street II, foi recriada com maestria, lado a lado com a arena de Chun Li em Street Fighter Zero, em frente à Muralha da China. Os cabelos de Iori, Haohmaru e Ken balançam ao vento e todos os ataques baseados em chamas estão sensacionais graças aos efeitos especiais e chips empregados. As fotos desta matéria não fazem jus ao que realmente se vê – é necessário contemplar os frames em movimento a fim de compreender os elogios. O gamer não poderá conter a surpresa ao se deparar com belas seqüências introdutórias para certas lutas especiais que podem ocorrer no jogo, como Kyo VS Ryu, que afinal são os garotos-propagandas de ambas as empresas.

A luta do século!
Sendo um entusiasta das lutas 2D você com certeza já desbaratou toda a trilha sonora antes mesmo de ouvir falar desse jogo. Todas as faixas são importadas de versões antigas dos jogos da SNK e da Capcom. Claro que a reprodução não é um copy-paste literal, já que as BGMs precisavam ser retrabalhadas para caberem nas limitações técnicas do NG Pocket. Mas os remixes não desfiguram as melodias, e é fácil associar cada tema/arena de imediato ao seu protagonista. Além disso, músicas já utilizadas no próprio NGPC receberam alguns toques extras, como por exemplo o tema de Leona, que agora tem pequenos efeitos sobrepostos em relação à versão KOF R-2. Nada que o ouvinte casual possa notar sem esforço.

Em jogabilidade, SvC representa o ápice do periférico. Os comandos são precisos e sem delay. Mesmo trocando personagens no meio da luta, a interrupção na ação é mínima. Para quem reclama do baixo desafio dos fightings de NGPC em geral, SvC é um prato cheio, com nada menos do que seis níveis de dificuldade no menu de opções. Nenhum dos hardcore players reclamões vai sair de uma sessão de jogo no mais elevado dos níveis, Gamer, descontente. Só não sei se por causa dos gráficos incríveis ou qualquer coisa assim, mas a velocidade não é máxima, perdendo para KOF R-1, que roda em preto-e-branco, por exemplo, mas por uma estreita margem.

Como em KOF R-2, pode-se entrar nos combates individualmente ou em times, que no caso dos títulos da SNK costumam ser de trios. Contudo, não pára por aí. Aqui há ainda tag battles, respeitando a tradição dos crossovers da Capcom. A diferença das tag para as team battles é que na tag battle os dois personagens do time podem se revezar livremente, ao passo que a troca de lutador em trios só ocorre mediante o esvaziamento da barra do titular. Não bastasse essa flexibilidade já invejável, são três modos de disputar refregas: Average (como em SF Alpha, com dois níveis de super meter), Counter (baseado no Extra mode dos King of Fighters, que exige carregamento manual da barra de super e privilegia esquivas) e Rush (uma bela mistura das três barras de SF Zero 3, elementos do Advanced mode de KOF – mas sem rolamentos – e chain combos de Darkstalkers). As customizações de KOF R-2 estão de volta: pode-se escrever sua própria mensagem de vitória para cada personagem, editar os times pré-configurados, incluindo o nome do time, etc. Customização em peso, aliás, é um dos segredos de SvC e um componente essencial de sua beleza imensurável: será que você já tinha imaginado Zangief podendo emendar um combo atrás do outro? Ou Morrigan carregando seu medidor de ataques especiais com as teclas A+B? Aqui tudo isso é possível.

Talvez na periferia é que o cartucho brilhe de verdade. No Olympic Mode, uma infinidade de submodos se apresenta ao jogador para quebrar a rotina. Tem os clássicos survival (enfrentar 100 guerreiros com a mesma barra de life!), time attack e first blast (duelos de morte súbita). Mas ainda mais singulares são os eventos individuais, em que o jogador escolhe se quer se aventurar pelos minigames da SNK ou os da Capcom. Target 9 é um first-person shooter em que se detona alienígenas na pele de Marco, da série Metal Slug. Blade Arts é protagonizado por Jubei (Samurai Shodown), que deve partir vários tocos de madeira com sua katana. Os que nutrem predileção pela Capcom talvez decidam se arriscar no Ghost Trick, assumindo a pele de Arthur do inacreditavelmente difícil Ghosts N’ Goblins – pula-se de plataforma em plataforma coletando tesouros enquanto se desvia de gárgulas sanguinários. Finalmente, Cat Walk (não confundir com cakewalk), com a sensual Felicia, é um sample de Dance Dance Revolution, sem tapete de dança, no seu portátil: aperte o direcional e as teclas em sincronia com o ritmo da música!

As premiações por sair-se vitorioso nos joguinhos acima não são só medalhas de ouro como nas Olimpíadas de verdade, mas dinheiro para comprar special moves para os personagens nos outros modos. Minigames de natureza simplista mas que são uma loucura de jogar, e tudo isso sem que nenhum fã tivesse pedido para Match of The Millennium incluir extras em relação às luxuosas fighting mechanics! Ainda dá para conversar com o seu técnico (Rimururu ou Karen) a fim de obter conselhos e dar risada de suas tiradas. Finalizando, é possível fazer upload/download de dados de/para games como KOF’99 e SNK VS Capcom de Dreamcast e SNK VS Capcom: Card Fighter’s Clash do próprio NG Pocket.

Deixei a coluna central, sobre a qual se ergue o monólito chamado “sustentabilidade do jogo” por último: são 18 personagens (fora os 8 escondidos), uma quantidade generosa como em nenhum outro título de Neo Geo Pocket Colors. Cada lado começa com 9 lutadores e não há clones para “encher lingüiça”, como em muitos fightings (a não ser que se conte Ryu/Ken/Akuma como variações de um mesmo modelo; além disso, o próprio Evil Ryu, personagem secreto, joga de forma completamente distinta de sua contraparte “benigna”). A SNK vem com: Kyo, Terry, Iori, Ryo, Mai, Athena, Leona, Haohmaru e Nakoruru. E a Capcom, no outro corner: Ryu, Ken, Sakura, Chun Li, Guile, Zangief, Dan, Felicia e Morrigan. O mais espantoso é que todos os golpes dos lutadores, presentes nos jogos de até então, foram transplantados com êxito para o cartuchinho!
O processo de destravamento dos lutadores adicionais consiste em zerar o story mode inúmeras vezes. Funciona assim – ao terminar uma campanha, 9 quadrados são mostrados, equivalendo em sua totalidade a um retrato. Cada vez que se finaliza o jogo, habilita-se um certo número desses quadrados, revelando-se a imagem que há por trás, pelo menos 1, desde que se satisfaça condições pré-determinadas. Fatores que afetam os quadrados que são revelados: a dificuldade do jogo, o número de continues usado, o modo de combate escolhido (o tag mode leva 3x mais tempo para zerar que o single), etc. O problema é não saber ao certo o quê a CPU quer que você faça para ter todos os carinhas e acabar “abrindo” os mesmos quadrados várias vezes, enquanto Akuma, por exemplo, continua oculto, uma vez que ele é um dos mais complicados de abrir. Aqui vai a lista dos outros sete secretos: Yuri, Akari, B.B. Hood, M. Bison, Geese, Evil Ryu e Orochi Iori.

Briga boa é aquela de foice entre 2 jogadores humanos, diriam os especialistas, e esse evento sai caro aqui, necessitando-se de dois NGPCs, 2 cartuchos SvC e um cabo link, mas mesmo de 1 esse título opera como um sonho, graças ao direcional do NGPC, projetado para jogos de luta em especial. A presença de apenas 2 botões pouco altera na gama de possibilidades – basta dar leves toques em A e B quando se quiser efetuar golpes rápidos e fracos ou pressionar com mais força para golpes lentos e poderosos. A sensibilidade funciona muito melhor que em Super Street Fighter II Revival para GBA.
Haverá algum dia outro fighting tão bom para um handheld? Duvido muito. Match of The Millennium está marcado pela genialidade de uma empresa agonizante (a SNK faliria pouco tempo depois). É único, milagroso!
Rafael de Araújo Aguiar é sociólogo e um tanto apaixonado pela forma velha de se programar jogos
Lista de agradecimentos
Chrono Cross, Kane, kr0z, RHibiki, Silpheed2x, Tenshi no Shi, The-Fider do gamefaqs.com
mobygames.com
versão 2 – 2013; 2025.