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night trap (scd & al.)

CONTEÚDO CONTRA-INDICADO PARA MENORES DE 18 ANOS

Por Rafael de Araújo Aguiar

Sega CD

+ 32X, 3DO & PC.

Night Trap

Night Trap: The Director’s Cut (PC)

F I C H A   T É C N I C A

Developer Digital Pictures

Publishers Digital Pictures (PC/32X), Sega, Virgin Interactive (3DO)

Estilos Thriller Interativo > Paródia (?!) / Puzzle

Datas de Lançamento

SCD

15/10/92 (EUA), 05/93 (EUR), 08/93 (EUA, revisado pela ESRB), 19/11/93 (JP), ??/93 (Brasil), 11/95 (EUA, relançamento)

3DO

25/06/94 (JP), ??/94 (EUA)

32X

12/94 (EUR), 01/95 (EUA)

PC

25/10/95 (EUA)

NOTA

6.1

Este jogo é pra…

(X) passar longe  (X) dar uma jogadinha de leve  (  ) dar uma boa jogada  (  ) jogar freneticamente  (  ) chamar a rua toda pra jogar  (X) um tipo específico de jogador. Qual? Treineiros ao FBI (de preferência na divisão de Arquivos X!).  (X) incógnita

Esqueça que o Mega Drive/Genesis ofereceu desde sempre uma biblioteca gory repleta de violência como em Robocop vs. Terminator e Splatterhouse 2! Os pais – ah, os pais! –, esses perdidos que não sabem a quem alvejar, escolheram outra Trindade Espiritual para crucificar, a tríade responsável por transformar crianças puras e inocentes em mini-demônios, pelo menos segundo eles: Mortal Kombat e sua inédita abundância de sangue num fighting; Doom, o inesquecível precursor dos FPS atuais; e Night Trap, de que talvez você nunca tenha ouvido falar, se não for tão velho assim. Os três juntos promoveram incontáveis passeatas e panelaços dos pais nas ruas de Washington D.C., protestos que pediam a urgente tomada de providências pelos políticos: a censura imediata de jogos eletrônicos inapropriados para os pimpolhos. Talvez tenha sido uma onda de histeria. Talvez o fenômeno dos jogos mais adultos tenha sido superdimensionado e olhado duma perspectiva assaz pessimista. Talvez – não, tenho certeza! – os pais não estivessem com cartazes e batuques nessas manifestações, mas com tochas e tridentes! Acabo de relatar a origem do “rating system”, aquelas letrinhas indicativas da faixa etária mais apropriada para cada jogo que aparecem em todas as caixas. E era necessário esse prólogo para contextualizar “Night Trap, o jogo injustiçado”, por dois motivos: 1) ele recebeu crédito de violento quando nunca fôra; 2) recebeu muito mais atenção e reconhecimento, devido à polêmica de que foi o epicentro, do que merecia – já que o sistema de jogo é um lixo! Se ele hoje é um cult classic à venda até para PlayStation5, a culpa é dos pais idióticos de menores de idade dos anos 90!

Versão PC Tela maior, gráficos melhores e a opção de save state

Pela reação dos pais ao título, parece que ele é a versão poligonal de algum Dia dos Namorados Macabro, certo? Porém, não há nada de sexual ou violento no jogo, a menos que fique tudo no subentendimento… Mas até aí, até Teletubbies pode desencadear uma onda de violência entre as crianças se mal-interpretado! Considerando todo o mal-entendido, não é de surpreender que além de tudo se propagassem lendas urbanas sobre Night Trap: o objetivo do jogador seria stalkear algumas garotas púberes até armadilhas letais para se locupletar da desgraça alheia, fora que elas estariam o tempo todo semi-nuas e seriam molestadas ou estupradas, entre outros absurdos inverossímeis.

A REAL estória por trás desse “curta metragem múltiplo” é que cinco adolescentes desapareceram misteriosamente depois de passar uma noite na casa de Martin, numa festa. Não se tem pistas do que aconteceu, nem descobriram os corpos. Só o que se sabe é que outras 5 delicinhas na flor-da-idade estão indo de carro agora mesmo para outra festinha na própria mansão do Martin, como se nada tivesse acontecido. O que nem a família que mora na casa nem as outras 4 garotas sabem é que uma delas é uma agente infiltrada chamada Kelli (interpretada por Dana Plato, morta aos 34 anos em 1999).

O que torna a família Martin anòmalamente suspeita é que eles têm um sistema de segurança supercompleto em sua propriedade que é a coisa mais maluca já vista por qualquer banco ou penitenciária! O jogador tem acesso visual a 8 cômodos (na realidade, pode ser um corredor ou o pátio de entrada), continuamente filmados, todos eles apinhados de armadilhas (traps, daí o nome do jogo) acionadas por um botão, embora protegidas por um código secreto. Elas variam de estantes de livros e tampas de calabouço retráteis a molas para jogar a vítima longe. O S.C.A.T. (Special Control Attack Team, ou Time Especial de Controle de Ataque, outra sigla que deve ter sido polêmica com os pais), ao qual também pertence a agente Kelli, adquiriu controle remoto das armadilhas. A única dificuldade fica por conta do código (uma cor específica) necessário para cada armadilha em particular e do fato de que qualquer familiar pode modificar o código no transcurso do jogo, tendo de haver a atenta vigilância do jogador a esse respeito.

O segredo é unicamente proteger Kelli e as outras 4 ovelhinhas inocentes do perigo, bancando o operador de armadilhas perfeito. O problema maior é que os “humanos” não estarão sozinhos nessa noite que era para ser divertida e banal: dezenas e dezenas de criaturas no limiar entre zumbis e vampiros-ninja (??!) chamadas Augers vão surgindo do nada e espreitando de cômodo em cômodo (inclusive no telhado) até localizarem as integrantes ideais do seu banquete antropofágico-sexista! Essas criaturas não são tão assustadoras quanto parece pelo texto. Não passam de uns bastardos vestidos de preto dos pés à cabeça, andando curvados, com calças de moletom até a linha da cintura e meias-calças revestindo a cabeça! É verdade que eles têm instinto homicida, mas não conseguem assustar ninguém além de alguns pais-corujas televangelistas dos EUA… Coordenação motora e timing são essenciais para apertar o botão da armadilha no momento exato em que os inimigos estiverem no raio de alcance da mesma. São quase cem dessas criaturas ao longo de meia hora de ação, o suficiente para fazer o jogador transpirar, ainda que seja só um filme interativo!

A narrativa não é das mais equilibradas: em algumas horas, não haverá o que fazer, apenas assistir; talvez pensando bastante nisso os produtores incluíram o cricrilejar de grilos na câmera 1! Em seguida, não obstante, acontecerá tanta coisa ao mesmo tempo na casa que nem os dedos mais frenéticos poderão acompanhar. Não que seja compulsório capturar todo Auger (em algumas telas eles aparecem em duplas, trios, quartetos!), a não ser que se queira atingir o melhor final, que aliás não tem nada de extraordinário. Deixar muitos zumbis escaparem, no entanto, pode resultar num game over súbito, e a única forma de corrigir o erro é tentando de novo desde o começo, quem sabe anotando os acontecimentos com base no relógio ou memorizando-os. Night Trap não conta com a feature de save, já que é tão curto.

O que soa anti-natural no jogo é que a fim de chegar ao ending perfeito o jogador deve deixar a plot de lado. Até mesmo o filme de abertura, em que uns sujeitos engraçadões do S.C.A.T. ensinam os procedimentos básicos, conta como tempo de jogo, o que significa que se não quiser perder zumbis você terá de pulá-lo. Aos 2 segundos, para ser preciso, Augers já estarão invadindo a mansão!

Tenha sido proposital ou não, a performance dos atores, no geral, é uma das mais bisonhas já vistas num filme de “terrir”. O mais esdrúxulo é que ao salvar uma garota ela será mostrada em disparada para longe da mansão, e nunca mais será vista. Será que se salvou MESMO dos Augers? Ficará sempre a dúvida!

Pior do que filmar duma webcam

O pouco de sadismo presente no filme-game, que infelizmente não é direcionado a loiras peitudas, vale o “ingresso na festa”, ao invés de qualquer panelaço de papaizinhos preocupados em Washington. Os momentos em que zumbis-ninja são flagrados na tela têm uma trilha sonora um tanto heterodoxa, consistente de guitarras de volume acima do normal e oboés numa miscelânea operática que climatiza o ambiente de suspense, à medida que as REAIS AMEAÇAS VESTIDAS EM MEIAS-CALÇAS TÃO INTELIGENTES QUANTO BABUÍNOS se aproximam cada vez mais de seus intentos! Isso em si já é sadismo, só que contra o próprio jogador-expectador. De repente o armário mais próximo explode, atirando um indefeso Auger sobre a cama, que depois ejeta o corpo, que atravessa a janela e cai do segundo andar. Nenhuma morte é traumática: as criaturas viram fumaça, literalmente! Se porventura o jogador é de humor mais chapliniano, deve preferir a armadilha da escada de degraus que sem mais alarde vira rampa e deposita seus usuários num buraco – aparentemente – sem fundo no chão da sala de estar! A mais cruel das armadilhas é um cubículo em que descem paredes de vidro para matar os aprisionados sufocados.

Palavras impressas jamais poderiam transmitir a sensação provocada pela cena das garotas se reunindo num dos cômodos para cantar Night Trap (o tema-título), que giram rapidamente e com máxima desenvoltura suas cadeiras envoltas tão-só em pijamas ou biquínis. Uma ou outra, mais empolgada, usa uma raquete de tênis como guitarra ou até mesmo como microfone.

E aquela cena no banheiro, com um Auger de tocaia no box enquanto a patty Lisa se põe mais à vontade numa camisola enquanto mira o espelho e nada percebe atrás de si? Não fique tão absorto ou escandalizado pela “amostra gratuita de carnes”, como diriam os pais carolas, porque a qualquer segundo o monstro pode sair do esconderijo e papá-la! Na realidade, seria bom deixar rolar essa seqüência da primeira vez que a vir, sem acionar nenhuma armadilha, pois o que acontece com a menina nas mãos do Auger foi um dos maiores motivos de tantos problemas judiciais na vida da Digital Pictures! Nem vou citar, já que o clima está tão pesado, o zumbizinho malandro e manhoso que abre uma gaveta do criado-mudo do quarto só para cheirar peças íntimas! Demonizar videogames é fácil depois de tudo que se leu aqui…

Uma amostra dos diálogos minimalistas com que o expectador poderá se defrontar. Com minutos são gastos pela turma apenas com singelas observações de que alguém está atrás da porta:

“Uau, tem alguém atrás da porta!”

“Eita, quem poderá ser?”

“O que tá rolando?”

“Tem alguém na porta!”

“Uhhh, então vamos ver quem é!”

“Uau, tem alguém atrás da porta!”

“Vamo lá!”

Não fiquem tão excitados, é só o agente especial Collins, que mais parece o James Hetfield do Metallica na fase cavanhaque (confira a foto abaixo), acompanhado de mais alguns metidos a Ghostbusters. Mais alguns segundos e ocorre o momento mais antológico da mini-produção: o pai do anfitrião da festa pergunta “Who are you people?!” e Collins responde “We’re S.C.A.T.!”, de arma automática em punho. Se o jogador nada fizer nos próximos segundos, Tony, o pai de Martin, mostrará as garras, ou mais que isso: de seus dedos saem raios no melhor estilo Raiden (não citei MK lá em cima à toa), e ele também aprendeu com Goku o teletransporte!

O que é isso, a contracapa do Load?

Night Trap é ruim. Contudo, dentre os “filmes interativos” (gênero que foi moda por algum tempo mas, confessemos, jamais colou nem foi sinônimo de qualidade mesmo à época, para os true gamers e avaliadores), só perde para The Beast Within: Gabriel Knight 2 (PC, 1995). Ademais, quem tem senso de humor vai gargalhar de cair no chão em algumas cenas, pelo menos da primeira vez que assisti-las. Se sua intenção é caçar um excelente jogo que mais pareça sessão de cinema, talvez sua escolha devesse recair sobre Snatcher (PlayStation/Saturn/Sega CD/Turbografx).

Agradecimentos a Zylo the wolf e Sho.

versão 2 – 2013; 2024.

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