

FICHA TÉCNICA
Developer: Konami
Publisher: Konami
Estilo: Ação > Plataforma 2D / Adventure
Data de Lançamento: 05/87
NOTA
8.6
I
Na era em que o Nintendo Entertainment System exercia o monopólio, a softhouse Konami era conhecida por produzir algumas gemas da diversão calcadas num extraordinário e extraterreno nível de dificuldade. Afortunadamente, alguns exemplares possuíam um contrabalanço interno para as dores de cabeça dos jogadores, na forma de dicas e truques que facilitassem suas vidas. Gradius e Contra se encontram nessa categoria. Há, entretanto, a categoria dos jogos para cujos inimigos e obstáculos não há solução imediatista: apenas calos nos dedos, suor e muitas, muitas lágrimas. Castlevania é o melhor exemplo dessa leva. O que os produtores fizeram foi puro sadismo: ao invés de inserir códigos para dotar o explorador de mais artimanhas para combater o mal, arquitetaram o contrário, ou seja, um hard mode habilitado quando se zerava o game principal pela primeira vez!



II
Com todos os contras (e não estamos voltando a citar o clássico de tiro da mesma empresa!) que essa faceta da dificuldade exacerbada pode suscitar, Castlevania é e sempre será um marco, uma referência, o pai de um estilo. Sua atmosfera inigualavelmente sombria reside até hoje no coração de todo gamer que ainda se interessa pelos mundos bidimensionais, em que entre o início e a chegada só há um caminho – a linha reta –, em que para enfrentar as ameaças só existe um jeito – encarar de frente, com os dentes cerrados. Com os olhos de hoje, Castlevania é um jogo curto, condensado em seis fases sem muita frescura: quase tão-somente ação em seu estado mais bruto e não-adulterado. O design de cada fase, assim como as cores-ambiente, são praticamente únicos, o que deixa cada setor do castelo de Drácula distinto dos demais. Se tem uma coisa que se repete muito, essa coisa não são os fundos de tela, mas as chibatadas do herói Simão Belmondo (explicações a seguir!), simplório mesmo só no nome e na representação gráfica!



III
O que seria de um adventure sem um protagonista carismático? Temos muitos prismas dos quais dissecar a vida de Simon Belmont ou Simon Belmondo (que veio com este sobrenome na localização para o mercado ocidental – não sabemos se por um erro grotesco ou mera piada, pois é assim que aparece nos créditos finais!), o membro mais ilustre da storyline do clã Belmont, os Caça-Vampiros por excelência. Uma corrente coloca Simon como o melhor representante entre todos os Belmonts, aquele que mais impõe respeito. Os Baldwins, Cruzes e Graves de hoje em dia – estrelas dos novos Castlevanias, cujos enredos se desenrolam nos séculos XX ou XXI –, que supostamente têm o sangue Belmont correndo nas veias, não passam de arremedos do ancestral da estirpe, com looks efeminados, traços delicados e narcisistas que são um tributo à praga da estética anime (nada contra os animes, apenas à invasão do traço em outras searas!). Use o scroll do seu mouse e confira novamente a capa desse jogo de NES: mesmo de costas Simon Belmont mete medo. É um arquétipo sobrevivente do machão em plena sociedade de consumo, um irmão do He-Man perdido na Transilvânia, se preferir. Fica até a impressão de que a qualquer momento nosso intrépido herói pode abortar sua missão invasiva no castelo romeno para atender a um chamado do Mestre do Universo!

IV
Pois bem: outra corrente não pega tão leve. Aliás, pega bem pesado. Nessa segunda fonte de opinião que consultei estão aqueles que, mesmo que respeitem a série Castlevania como um todo, não nutrem um pingo de admiração pelo protagonista decano do NES e nem pela encarnação em 8 bits da arma mais aureolada de um personagem da Konami, o Vampire Killer (mais conhecido por nós brasileiros como chicote, que aliás está nascendo, como a lenda que é, justamente diante de nossos olhos, nesse aclamado game!). Segundo esses xiitas, Simon tem dificuldades anormais para atingir qualquer alvo em movimento. Reflexos aceitáveis mesmo o “mister viril” só iria adquirir nos tempos mais desenvolvidos e civilizados de Super Nintendo! Completa seu discurso desmoralizante, essa corrente alternativa e maldosa, insinuando que, dada a tendência de Simon de recuar e dar mortais para trás a cada cinco passos ou 10 segundos (o que os inimigos em Castlevania costumam provocar, por bem ou por mal, ao jogador), tendência quase tão freqüente quanto o flexionar de joelhos de uma pessoa comum caminhando no parque, enfim, dada a incompetência do protagonista, era absolutamente natural e previsível que este jogo fosse tão complicado. Tanto que sem as armas secundárias seria impossível vencer o arqui-rival Conde. Mas esse é um assunto para logo mais!

V
Eu prefiro não tomar partido nessa discussão polarizada e bobinha. Simon é um protagonista que não prima pela agilidade, os segundos têm razão. Contudo, essa característica não depõe necessariamente contra o sistema de jogo de Castlevania, com a condição de que quem queira retirar satisfação do produto vai ter de se adaptar à referida lentidão e ao ritmo mastigado da jogabilidade. A física do personagem é singular. Muitos não dão o braço a torcer, mas há indícios de que isso resultou de uma escolha dos próprios desenvolvedores, e não de falhas na programação. Pode ser porque Simon Belmont deveria usar uma pesada armadura para enfrentar a horda do Conde Drácula, então seu jeitão sisudo e demorado no caminhar refletiria tal realismo (o de um cara equipado para o que der e vier dentro de território inimigo – ficou faltando só uma mochila com marmita inclusa, mas ele deve fazer espetinho de morcego nos jardins do castelo, hehehe!). A verdade é que não podemos saber ao certo, porque Belmont é todo de uma cor só no Nintendinho, de um tom mostarda, e por isso não é discernível que peças de roupa ele está usando. Além do mais, nosso herói se mantém frio nas horas mais calamitosas: não tem um rosto, não demonstra alegria, raiva, tristeza ou pavor durante nenhuma ação. Quem sabe o verdadeiro rosto deveria ser o seu!

VI
Esse estilo de jogo menos fluido, predominante nos primeiros Castlevanias, é o absoluto oposto da leveza de Alucard em Symphony of The Night. Há sempre uma demora de alguns décimos de segundo para o boneco responder, do outro lado, ao comando executado no joystick, principalmente quanto a chicotadas e pulos. Os pulos são um capítulo à parte: sempre os mesmos, isto é, com o alcance invariável. Não há muito segredo aqui. Cair de uma grande altura é um belo demonstrativo do “peso” do protagonista e da rigidez da mecânica. Simon cai como chumbo! E mudanças na direção do corpo em trajetória descendente não são aceitas. Se sua intenção era atingir uma plataforma razoavelmente próxima – ainda que não-alinhada nem contígua, horizontalmente, com a sua plataforma atual, situada a primeira num plano vertical inferior –, mas tinha receio de ultrapassá-la e ir além caso apertasse o botão de pulo, tendo preferido apenas seguir andando até cair, segurando o direcional; e se a linha vertical adjacente ao extremo de sua plataforma atual fosse parte de um abismo (ou nela houvesse um inimigo), a ação fracassaria, pois Belmont não se distanciaria um milímetro sequer da trajetória de queda inicial, caindo na mesma linha vertical que ocupava, quer não haja nenhuma plataforma (apenas o espaço vazio) quer haja um adversário ou obstáculo que o empurre para um espaço vazio. Seja como for, as conseqüências podem variar de um susto ou um dano leve à morte impiedosa. De fato, desempenhar esses cálculos (de onde parto; para onde vou; aonde meu salto provavelmente me levará) é um belo exercício para a mente das crianças, mas penso que só mesmo o cérebro de um adulto está preparado para se dar bem na maioria desses lances de perspicácia, oportunismo e probabilidade!

VII
Dessa vez sendo mais direto e menos elíptico, reza a lenda que há dois tipos de adversários em Castlevania: 1) os lentos e inofensivos – zumbis e cavaleiros armados, encontrados somente nos primeiros estágios, que se dirigem ao herói com o mesmo ímpeto de um paciente geriátrico em seu andador; 2) os frustrantes, porque mais ágeis que o próprio personagem principal – leia-se: todo o resto! Basta mencionar as palavras mágicas “cabeça de Medusa” para o gamer sentir regurgitações estomacais: essas patéticas coisas ziguezagueantes e sem-corpo são capazes de enlouquecer qualquer um ao empurrá-lo num abismo, não importa se Belmont está ou não com a barra de life cheia. O que dizer dos homens-pulgas (eu sempre pensei que fossem macaquinhos)? O chicote de S.B. raramente é páreo para os saltos frenéticos dessas criaturinhas, que também aproveitam qualquer janela para tacar o herói plataformas abaixo – talvez sem volta. Ah, claro, sem mencionar os malditos esqueletos que pensam que estão no circo e que devem receber um trocado do rico Conde por cada osso que arremessam! Supondo que esses ossos fossem retirados do próprio corpo, não restaria nem a espinha dorsal depois de alguns segundos… Belmont tem de desviar de todos os projéteis e contra-atacar em tempo hábil, e devido à lentidão do boneco isso é o mais improvável. De fato, alguns padrões de movimentação dos inimigos, embora manjados após certo período, se tornam problemáticos se houver dois ou três na tela ao mesmo tempo e o jogador tenta combatê-los enquanto, ainda por cima, pula de plataforma precária em plataforma precária! Essa situação vai ficando cada vez mais alarmante, uma vez que nos últimos níveis o dano já se tornou o quádruplo dos aventados na primeira fase. Carne – o único regenerador de HP – é raríssima, embora o excêntrico dono do castelo tenha o hábito de esconder algumas bandejas com frango assado no interior das paredes carcomidas e adornadas com teias de aranha de sua habitação… Pensando bem, para quem só bebe sangue, até que faz sentido! Um pequeno consolo para toda essa ordem de reveses é que o jogador dispõe de infinitos continues para se aventurar nas dependências do castelo, recomeçando da mesma fase em que morreu, quantas vezes for necessário. Uma hora a memória do jogador será capaz de predizer os movimentos de cada besta dos infernos, e seus dedos de se antecipar a seus movimentos, ainda que o chicote ofereça certo lag. Não podemos subestimar, também, a neutralidade da sorte: ora prejudicial, ela pode dar as caras favoravelmente nos momentos mais críticos!
VIII
A forma heterodoxa (à época) encontrada pelos produtores de Castlevania para fornecer aos jogadores, no meio da ação, as armas e demais itens necessários em sua jornada (mas que hoje se enraizou em tradição) é quebrando-se candelabros nas paredes ou passando por cima das valiosas carcaças dos adversários sobrenaturais. O chicote, que no seu primeiro formato não parece maior do que um graveto, se converte na Morning Star (nome que também ficou para a história, sabem os fãs), uma arma muito mais letal e invocada, e finalmente num terceiro chicote ainda mais longo e poderoso, conforme o jogador encontra os upgrades certos no decorrer das fases. As interessantes e vitais sub-weapons incluem a adaga, o machado, o relógio-congelador, o crucifixo-bumerangue e a água benta (fire bomb), na provável ordem crescente de utilidade (digo provável porque essa classificação não é consensual). A adaga e o machado auferem pouco dano e quase não encontram receptividade contra os tortuosos oponentes. O relógio é capaz de parar o tempo, sem embargo por escassos 3 segundos. Já o bumerangue é capaz de senhores estragos, pois percorre a tela inteira, e com velocidade; e a água benta pode ser o maior trunfo do jogador contra os chefes mais intimidadores. Quem diria que a boa e velha religião trataria de salvar um Belmont no aperto dos apertos…
Este jogo é pra…
(X) passar longe
( ) dar uma jogadinha de leve
( ) dar uma boa jogada
(X) jogar freneticamente
( ) chamar a rua toda pra jogar
(X) um tipo específico de jogador. Qual? Quem tem um interesse histórico por saber de onde brotaram quase todos os side-scrollers que vieram depois. É também a (uma das) genealogia(s) dos jogos FODÕES, quase impossíveis de finalizar sem entrar em possessão demoníaca e enfiar o controle por debaixo da camisa ou usar Game Genie
( ) incógnita

IX
O layout das teclas é muito simples: A pula, B isolado usa o chicote, mas B e para baixo no direcional ao mesmo tempo acionam a sub-weapon que estiver com Belmont no momento (infelizmente ele não pode acumulá-las). A vantagem de ser esse o comando que ativa a arma secundária é que ele é muito fácil (mais fácil até do que se a função fosse designada à tecla Select); a desvantagem é que o comando é, justamente, tão fácil que a segunda arma pode ser ativada sem querer, principalmente em saltos ou descendo lances de escada. E o jogador não quererá desperdiçar projéteis, desde que as armas secundárias são energizadas por corações, que existem em estoque limitado em Castlevania. Corações são coletados via candelabros e inimigos mortos, como dito, servindo como MP (magic points – atenção: nada a ver com o life meter ou HP, hit points!). Todos esses aspectos da mecânica de jogo tornam a gameplay mais complexa do que a de qualquer side-scrolling do período, sagrando Castlevania como o precursor de algo GRANDE – o 1º adventure da História? Cada sub-weapon possui um custo diferente em termos de corações, que varia de 1 a 5. Há ainda outros tipos de itens: os multipliers (números II e III cravados em balões/cápsulas, que permitem arremessos duplos ou triplos de algumas das armas da caixa secundária de item); e as sacolas de dindim – que Conde mais esnobe e pródigo! Fundamentalmente, a grana serve para ampliar sua pontuação total, o que ajuda a ganhar vidas e inflar seu ego.

X
Quando eu era BEM menino, não conseguia passar da terceira fase… Depois, pré-adolescente, visitando um primo para quem meus pais haviam dado meu videogame, voltei a jogar e consegui chegar ao quarto nível pela primeira vez, apenas para fracassar diante dos novos inimigos de forma ainda mais retumbante! Devo dizer que só cheguei aos estertores do castelo – e ainda assim não concluí Castlevania, admito que em parte por não ter forçado a barra o bastante – na “era emulador”, já na faculdade!… A chamada “learning curve”, portanto, pode ser curta para o que há de básico nos controles. Entretanto, baseado no meu caso pessoal (talvez eu tenha algum tipo de retardo motor!), é de décadas para se tornar um mestre!! Brincadeiras à parte, eu nunca fiquei muitas horas insistindo, apenas largava o cartucho e voltava a ele, curioso e nostálgico, tempos mais tarde… O que quebra as pernas, em relação a esta batalha contra o malfadado Conde, é que após a segunda fase a dificuldade aumenta vertiginosamente, sem direito a save feature (estamos em 1987!) nem passwords. Um consolo à altura do desafio é que, no caso do último e sexto chefe, o Drácula, Belmont renascerá, caso falhe, no mesmo lugar, sem ter de reenfrentar os terríveis obstáculos prévios da sexta fase, ao contrário do que ocorria nas anteriores. Os jogadores teimosos não desligarão o console até conseguirem dar a última estacada no coração do vilão (ou borrifada de água benta, ou chicotada, como queira!). Depois de derrotar o Conde, em que pese o final decepcionar um pouco, é possível atuar num modo ainda mais difícil, com inimigos que ferem 2x mais. Os caras demoram esse tempo todo, depois de tantas mortes que o jogador experimentou a fim de aprender a se livrar dos inimigos, para dizer que você NÃO estava jogando no “nível mais elevado” até agora – É BRINCADEIRA?!

XI
Os oponentes especiais encontrados no fim de cada fase rendem muito assunto, sempre que se fala em Castlevania. O primeiro chefe é um morcego anabolizado – felizmente o jogo lhe dá um machado pouco antes da batalha, o que permite atacar o mamífero alado de baixo e evitar muitos males (vide legenda da foto abaixo para entender o porquê). Há outro guardião de fase bem conhecido, um Frankenstein com um capanga hiperativo às costas, Igor (muitas referências cinéfilas na obra da Konami, afinal!). Mas perto da Dona Morte todos esses parecem distrações bobas e meros brinquedos de Dia das Bruxas: se ela não acabar com a raça do Belmont arremessando seus penduricalhos de certa distância, vai prejudicá-lo de um jeito ou de outro se teleportando para bem próximo com sua foice em riste, pronta para partir-lhe o crânio!

XII
Aos que gostam de comparações, Ninja Gaiden é tido como um adventure mais completo e lapidado que Castlevania para o NES. Mas temos motivos para atribuir sua perfeição à própria influência do precursor Castlevania. Ryu, o protagonista de vestes roxas daquele título, pode mudar a direção dos pulos em pleno ar. Porém, tirando essa vantagem (?), parece que toda a fórmula de sucesso da Tecmo foi inspirada em Castlevania: o item secundário, a munição do item secundário, a disposição dos inimigos (sempre de tocaia à beira dos precipícios) e até os chefes que sucumbem a estratégias específicas (embora difíceis de descobrir)… Mesmo o talento do grupo de técnicos de som que trabalharam em Ninja Gaiden, uns sujeitos excepcionais, fica à sombra do sucesso da Konami, que praticamente redefiniu o conceito de “música nos jogos”, fazendo uma simbiose entre jogabilidade e pano-de-fundo-para-os-ouvidos impensável para o ano de 1987. Todavia, sobre esse departamento ainda falaremos uns bons parágrafos à frente (e é merecido que assim o seja)!

XIII
Castlevania apresenta uma das imagens mais convincentes do periférico nintendista, mesmo sendo um dos primeiros jogos licenciados a uma third party a rodarem no sistema. Exceto pelos zumbis, que eu sempre pensei que fossem freiras antes de ler a respeito, a representação dos inimigos faz parte da mística que ajudou a impulsionar a série. O ambiente gótico é revolucionário e provavelmente inédito à época: pilhas de ossos espalhadas pela parte não-interativa do cenário, paredes rachadas e descascadas e cortinas roídas pelo tempo acentuam o drama vivido pelo caçador belmontiano. Algumas animações são bizarras, como a da movimentação de Robocop do Simon, sobretudo ao subir e descer escadas. Há quem ironize dizendo que Castlevania foi vanguarda também nas desgraças modernas: há pop-ups e slowdowns ocasionais. Os inimigos não aparecem exatamente dos extremos esquerdo e direito da tela, como se poderia esperar num side-scrolling, mas “pipocam” quase na frente do jogador, a cerca de no mínimo um oitavo do limite da tela, diminuindo o tempo de reação. A característica pode ser realçada pelos cultuadores da marca como um charme que distingue Castlevania da concorrência, mas não deixa de ser desapontador quando o herói principal é pego no meio de um salto que não pode mais cancelar, reconhecendo tarde demais uma ameaça que se aproximava rapidamente!

XIV
Os temas musicais são artigos de museu na atualidade. E no melhor dos sentidos: são exemplos a ser seguidos, e não meras peças fetichizadas, envidraçadas para contemplação e deleite passivos por parte do ouvinte. Com efeito, a intenção da trilha sonora é fazer o jogador participar, se fundir com o espírito da trama. É uma pena quando as faixas começam a se repetir, já na segunda metade da saga. Talvez não houvesse espaço de armazenamento suficiente para tantas peças musicais num cartucho tecnologicamente tão simplório, especialmente quando em contraste com as ambições dos projetistas pioneiros. Há uma inegável levada oitentista, com predominância de ritmos bem funkados e com realce no tom grave do baixo. Às vezes as limitações de hardware conspiram para produzir verdadeiras obras-primas. O mais curioso é que cada tema parece se encaixar com perfeição ao contexto do explorador. Não poderíamos fazer escolhas melhores do que as músicas selecionadas para adornar as 3 primeiras fases. O tema frenético do terceiro estágio parece encarnar a cor azul-claro do céu que se abre para as chicotadas de Belmont em meio a macaquinhos (ops, homens-pulga!) e esqueletos saltitantes ávidos por tirar uma lasquinha do herói. A segunda fase, de teor mais introspectivo, possui cavaleiros à Dom Quixote se locomovendo calmamente, embalados por uma faixa mais sherlockiana.

“Nunca fui de ficar assustado com filmes de terror ou videogames, mas quando você testemunha aquela enorme cabeça de medusa com seus olhos brilhantes e serpentes como peruca, ou os fantasmas voadores que lembram sapos, não é possível não sentir pelo menos um pouco de medo ou suspense.”
Outra vez Retro, novamente em tom emocionado!
XV
Os efeitos sonoros são supremos, sem medo de exagerar, e se tornaram “o” parâmetro para tudo que se conhece em termos de “games clássicos”. Por mais que os ruídos da garrafa de água benta quebrando e da substância queimando no solo não sejam verossímeis, trata-se de um fonema distintivo que logo captura os co-partícipes. Os urros de Belmont/Belmondo sendo atingido ajudam a aclimatar ainda mais a disputa, embora irritem quem não pára de ouvi-los, ou seja, quem não consegue sair do ciclo de vitimização, sofrimento e dor! Um efeito especial (algumas notas num teclado, aparentemente) anuncia a entrada de Simon Belmont no castelo de Drácula, e o curto jingle volta a tocar quando o protagonista está para concluir a escalada da torre onde o Conde está sitiado, como que demonstrando a interconexão deliberada do início com o fim da jornada dantesca. O som do crucifixo atravessando os corpos dos subitamente indefesos inimigos gera um prazer maligno que poderia levar os de caráter mais maleável a flertar com as Trevas! Até o som da pontuação sendo contabilizada no final de cada fase ou o mero indicador do pause (nessa época era necessário, uma vez que nada na tela indicava que o jogo estava pausado, a não ser os fatos dos inimigos não se mexerem e o cronômetro não sair do lugar!) – este último, marca registrada de muitos jogos da Konami – suscitam orgasmos! Uma apresentação tão impecável e luxuriosa no departamento sonoro de Castlevania merece que demos os créditos da área: um dos técnicos de som tem o curioso nome de James Banana, mas a trilha não é nada covarde! Os outros envolvidos na chefia, no pólo oriental, são Kinuyo Iamashita e Satoe Terashima.
“Pôde ser ouvido um distante lamento de cogumelos felizes e nuvens sorridentes no horizonte: pela primeira vez o mundo dos games não se limitava aos floreios infantis de Mario Bros. A coisa ganhava contornos decididamente sérios.”
bruplex, O Poeta!

Rafael de Araújo Aguiar é sociólogo
Agradecimentos a Greg Mueller, FFMrebirth (pelo melhor detonado que vi), hangedman (pelas críticas construtivas e outras apenas demolidoras), Captain Steel (pelo senso nostálgico que até parece superar o meu!), CMoriarty (pela análise equilibrada), discoinferno84 (sempre engraçado), Psycho Penguim (pela lembrança de pequenos detalhes que fazem a diferença), Zylo the wolf, dtm666 (outro a reclamar das infames escadas), Retro (o mais parecido comigo entre todos os reviewers consultados), Halron2 e bruplex.
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