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shadowrun (gen)


REVIEW N° 1072 DO NEWGEN

Por Rafael “Cila” Aguiar

Genesis

Shadowrun

F I C H A    T É C N I C A

Developer Blue Sky Software

Publisher Sega

Estilo RPG de mesa / Action Adventure

Data de Lançamento 1994 (EUA)

NOTA (este escore é uma média dos principais portais de games na web e revistas antigas quando for o caso, e também engloba a opinião dos gamers visitantes, além da crítica especializada)

7.75

E S T E   J O G O   É   P R A . . .
(X) passar longe(   ) dar uma jogadinha de leve
(X) dar uma boa jogada(X) jogar freneticamente
(   ) chamar a rua toda pra jogar(X) um tipo específico de jogador Qual? O karmarunner (ver conclusão do review).  
(X) uma incógnita
OBSERVAÇÕES QUANTO AO TEMPO DE JOGO: (vide abaixo)
Há desde relatos revoltados de jogadores que “passaram pelo jogo como uma brisa”, em de 3 a 6 horas (descontando o processo de leveling-up – mas se esse processo de leveling-up for realmente 90% do tempo de jogo para todo mundo, significa que passaram de 27 a 54 horas, grosso modo, “jogando um não-jogo”); e há até relatos de gamers que possuem o cartucho e um arquivo salvo com mais de 100 horas de progresso, porém sem ter concluído a saga! Portanto, o escore abaixo (Vida Útil) é apenas uma média aritmética que não reflete a experiência individual com a obra, ou quase nunca reflete.
Quem jogar este também poderá gostar de:
Grand Theft Auto (PS)
Shadowrun (SNES)
Shenmue (DC)
TechnoClash (GEN)
VIDA ÚTIL ESTIMADA (esta quantidade é estritamente baseada na main page do jogo no gamefaqs.com)

45h12

Seattle. Berço da Starbucks Coffee. A terra natal do vilão de Austin Powers 2. E, no caso que nos interessa, a sede dos acontecimentos em Shadowrun. 2058…

ENREDO MAIS BATIDO DO QUE CARRO DE JOVEM DE 19 ANOS

Se você aprecia a série Shadowrun e os livros para partidas em mesa, mesmo assim teria de ter tido muitas sessões de exploração até encontrar um sujeitinho chamado Michael, um Runner, NPC que pode passar despercebido pelas vistas mais aguçadas. Ou seja, estamos falando aqui de um Shadowunner que não é de primeira categoria. Na sua última missão, se feriu gravemente e se deparou com uma morte horripilante, num caso misterioso. Normalmente, não seria para teu bico, mas na storyline central de Shadowrun (agora sim o de Genesis) investigar o que aconteceu e vingar a vítima, seu irmão Michael, serão fulcrais. Um vídeo da emboscada foi parar nas suas mãos; na verdade nas telas dos principais jornais pelo mundo, podemos dizer. Por isso, mesmo não morando em Seattle, você se apressa para se misturar com o mundo underground e obter as informações e os poderes necessários para seu plano de vendeta.

Shadowrun é o cúmulo do clichê no enredo, mas consegue ser uma das produções mais originais do período. Alguns conceitos, idéias e até subsistemas de jogo, que nos fazem sentir-nos em diversos jogos de Mega Drive ao mesmo tempo, são elogiadíssimos. O problema pode ter sido a implementação precária de alguns destes, o que exploraremos com a devida minúcia ao longo da reportagem. Apesar de não formar um todo coeso na jogabilidade, podemos dizer que Shadowrun cumpre o básico: é viciante.

Ainda que 90% dos gamers de primeira viagem não vão entender o que significa “Jack out and smell the soykaf”, uma linha de diálogo típica de quando se acorda para mais um dia de running, com o tempo as gírias deste mundo cyber-adolescente-capitalista-anárquico serão lugar-comum nas interações. Sim, a frase acima é só uma maneira um pouco peculiar de dizer “Acorda pra cuspir, e sente o cheiro do café!”.

Seu personagem se chama Joshua. O enredo é fraco, mas há adaptações de pen-and-paper role playing games ainda piores, onde o RPGista monta a ficha e só enfrenta quests genéricas e impessoais, ou onde ele mesmo deve “personalizar” o background do character (o que nunca é feito com complexidade dada a limitação de um storytelling não-previamente roteirizado num videogame). O que há de diálogo ou informação escrita é, no entanto, bem atmosférico e de alto nível. O problema, como veremos, é que o personagem passa tempo demais cuidando de jobs que não têm qualquer relação com o progresso da estória. Às vezes fica-se travado até falar com a pessoa certa e responder à pergunta emitida do jeitinho que o NPC deseja; ainda assim, diria que em jogos open-world mais modernos como Shenmue essa característica é muito mais aborrecedora!

Para ajudar os gamers desorientados, seu inventário inclui uma espécie de palmtop que registra automaticamente todas as pistas já encontradas sobre o caso do seu irmão (o núcleo do enredo)

“REAL LIFE”, O CICLO VICIOSO QUE NÃO PERDOA INICIANTES!

O começo é MEIO enrolado e é difícil ENGATAR, porque o jogador está preso num ciclo vicioso. Digamos que no princípio de tudo Deus disse: “E faça-se tudo ÁRDUO!”. Brincadeirinha… Bem, digamos que Joshua seja um esquimó que se vê, de súbito no deserto do Saara, sem a menor preparação… Acompanhe como podem ser complicados os primeiros passos desse metido-a-hacker (não necessariamente, veja abaixo!) que mudou de cidade só para vingar o irmão com quem, parece, não falava há muito tempo…

Mesmo se por um acaso (muita sorte) você matar alguém logo de cara quando ligar seu Mega Drive e sair na rua com Joshua, sua recompensa por se tornar um assassino são meros 10 nuyen (a moeda corrente aqui), uma verdadeira esmola. Depois de ter cometido o homicídio, é certo que seu HP estará nas últimas; ou Joshua está semi-morto, gotejando de sangue e manco, ou simplesmente desmaiado. Vai depender, na verdade, se seu agressor utilizava arma de fogo, arma branca ou apenas o poder dos punhos nus! E não pense que socos na cara não causam um bom estrago em SR… Qualquer passadinha num pronto-socorro ou pousada vai fazê-lo cair pra trás com os preços cobrados. Dez nuyen não dá nem para começar a pensar em ser atendido… Fora que a cada passo nas ruas você será alvejado por mais e mais caras de gangue; o mais fraco já será um calo e tanto… Como se não bastasse, cada arma que funciona com projéteis precisa de ammo (ao menos os pentes funcionam em qualquer uma, seja um revólver três-oitão, uma machine gun ou uma bazooka, o que não faz sentido algum, mas vamos lá…). Essa munição não se equipa sozinha: você precisa acessar o menu e atribuí-la a sua arma; acontece que não dá para atribuir todas as balas coletadas de uma vez só. Se você tiver 99 balas, terá de pressionar uma das teclas pelo menos 2x para confirmar o “carregamento da arma”. Se estiver sem nada – como no COMEÇO da aventura! – sua única saída será dar murros nos adversários, até achar clips (o nome das balas) e comprar armas nos shops (não se compra ammo nas lojas, tampouco)… Então, mão na massa e hora de trabalhar para conquistar o seu mundinho, zé!…

Como sair desse ciclo aterrorizante em que Joshua parece um bebê indefeso na cidade mais perigosa do Mundo de Satã? Recorrendo à óbvia perseverança e procurando seguir a seguinte linha (e isso não vale só para os primeiros momentos mas, basicamente, para o jogo inteiro): shadowrunners precisam de contatos; Joshua deve procurar agentes que operam nas sombras. No caso de Seattle, há vários clones de um sujeito que oferece serviços sujos, o Mr. Johnson. Cada Senhor Johnson é especializado numa certa linha de missões, mas elas são repassadas randomicamente pelo sistema de jogo. Cada missão é uma “corrida” (daí o nome da sua classe e do jogo) necessária para ganhar nuyen (mais que 10, pode acreditar!) e karma (os pontos de experiência).

Quando tiver acumulado nuyen suficiente para uma estadia num hotel, seu personagem poderá, finalmente, melhorar a própria ficha, pois o sono é o gatilho da atribuição de pontos aos atributos básicos, como força, resistência e inteligência. Há, ainda, como em qualquer pen-and-paper, os atributos específicos, tais quais habilidades com armas de fogo (não existe uma genérica: cada arma possui seu próprio medidor de perícia), poder de negociação, etc., etc. A experiência do jogador pode ser drasticamente outra conforme ele empregue os pontos assim e não assado.

A sensação de monotonia e repetição começa a bater no instante em que você percebe que precisa de muitas missões para fazer qualquer coisa, comprar qualquer tereco-teco. E muitas das missões possuem layout parecido: entregar um pacote, escoltar um zé-ruela mafioso de um lugar pro outro, roubar um pacote de uma firma e trazer para o seu contratante, etc. No comecinho Joshua tem acesso a uma área claustrofóbica de Seattle, mas conforme zera as missões de alguns Mr. Johnsons, vai abrindo novos bairros para explorar. Nas “novas” áreas, continua valendo a fórmula antiga: procurar outros Mr. Johnsons, cumprir mais missões, até que… finalmente a melhor parte do jogo se torna uma possibilidade: navegar no ciberespaço (mais abaixo)!

Mas não pense que você estará preparado para hackear antes de aumentar seus stats o quanto puder com o velho procedimento do transportar-pacotinhos-escoltar-civis!

Nem todos os contatos se chamam Johnson (ah bom!): ao longo do jogo, é preciso entabular diálogo com cerca de 27 a 30 personagens-chave para o progresso da estória. Essas pessoas, desde que já encontradas previamente, podem ser contatadas a qualquer momento pelos orelhões e terminais de computador espalhados por Seattle. Dentre eles estão inclusos vendedores de armas, professores de magia (!) e até mercenários que se alugam para compor seu time (ver tópico específico).

As runs valem proporcionalmente cada vez menos enquanto você não fizer runs no ciberworld ou Matrix (mas ainda não vamos falar disso aqui). É impressão minha ou esse Joshua é um cara que, como eu, conforme vai envelhecendo, prefere cada vez mais se isolar dos outros e só compartilhar memes na internet? Para molhar um pouco o bico, mas sem entrar em detalhes, Joshua passa a preferir o mundo virtual por conta dos “downloads facultativos” que ele pode fazer por lá. Significa que além do dinheiro formalmente combinado como recompensa por cumprir os objetivos da missão, ele ainda leva um “por fora”. Até chegar neste ponto da aventura, não obstante, como já ficou cristalino, você vai ralar: comprar um dispositivo chamado deck ($) > obter mais programas dentro da realidade virtual (enriquecer o HD do deck) ($$) > fazer upgrades no seu deck (turbinar a máquina, como se fosse um PC gamer de última geração tarado pelas placas 3D mais modernas do mercado ($$$) > caçar programas mais complexos que agora o seu deck poderá rodar ($$$$!) > crackear sistemas cada vez melhores nas runs, o que o leva a achar mais preciosidades nos confins da Matrix e torrar todo o lucro com mais peças e programas ($$$$$). . . Sem falar nos “efeitos colaterais” da porra toda: continuar bem-armado para os constantes assaltos de gangues do mundo real ($$$), o que vai levá-lo a monólogos hamletianos como: “Onde gastar meu dinheiro no próximo passo, em coisas do mundo real ou na minha máquina? E se na minha máquina, em que componente?”. E acredite, eu não fui colocando cifrões ao acaso, mas deliberadamente criei um “ranking da dificuldade”, em que sobreviver nas ruas continua sendo complicado mas se torna substancialmente mais leve conforme você já está na metade da saga. O negócio é que até seu computadorzinho (o deck) se tornar o melhor de Seattle e praticamente voar baixo, seus gastos serão imensuráveis…

SISTEMA DE BATALHA: STREETS OF RAGE?!

Assim como o “xará nada semelhante” de Super NES, o SR de Genesis NÃO POSSUI batalhas em turno, sendo essa uma das principais características em comum entre os dois títulos e que levou muitos gamers da geração 16 bits a achar que este era só um remake daquele. A licença manteve-se fiel em termos de gênero, mesmo do outro lado, isto é, trabalhando para a concorrência: ainda se trata de um RPG de mesa misturado com ação. Ao invés de ser uma concessão em que o Role-Playing perde o pedigree, já deixei bem claro no review do outro Shadowrun que deixar os combates em tempo real, pelo contrário, é uma característica purista e conservadora, que aumenta a fidedignidade ao jogo em papel e inclusive mantém a sensação de periculosidade e importância imediata de cada decisão efetuada pelo controlador.

No mundo real, as coisas funcionam de forma bem convencional, como num beat ‘em up clássico dos anos 90, salvo talvez pela perspectiva top-down inusitada. Após equipar uma arma ou feitiço, basta apertar B para travar a mira num oponente, e daí em diante socar o A até não poder mais a fim de disparar, seja pólvora ou magia ou qualquer outra coisa. Se apertar B de novo, poderá revezar entre os vários inimigos, já que batalhas coletivas são a praxe.

DICA: a melhor armadura do jogo só pode ser obtida com a máfia Yakuza!

Há como deixar seu personagem mais ofensivo ou mais defensivo (3ª foto da matéria), mas quanto mais agressivo ele for, mais pecará na defesa e vice-versa. Essa artimanhazinha, para ser sincero, não ajuda MUITO: o negócio é evoluir logo sua ficha para ser forte de qualquer jeito. Ao longo do game, você passará a contratar outros shadowrunners interessados em andar com você por Seattle (sobre esse sistema de recrutamento, ver mais detalhes abaixo). Nas batalhas, eles serão controlados pela CPU. O botão C reveza entre os aliados, no entanto: com a função ativada, Joshua passará temporariamente para o controle da CPU. Eis uma faceta que muitos supernintendistas pediam fervorosamente no SEU SR, e que só os adeptos da Sega ganharam! “Por que eu deixaria Joshua, o protagonista, ser manipulado pela negligente inteligência artificial?” A principal razão é justo o que provavelmente o levou a elaborar a pergunta: a CPU é muito ruim de briga, e para manter seus parceiros vivos serão necessárias algumas intervenções rápidas. Quando um personagem morre é um saco, então o custo-benefício de deixar isso acontecer não vale a pena…

Dica das boas: não se meta entre seus NPCs e os NPCs rivais, porque há fogo amigo em SR e ninguém quer virar espetinho ou “fazer gol contra” – cuidado com a trajetória dos seus tiros! Se um aliado seu estiver levando tiro na inocência, movimente seu boneco ou troque com ele (tecla C) até resolver o conflito. Algumas vezes há lag na resposta ao A (tiro), sobretudo na hora de sacar uma arma nova.

Karma é a versão shadowruniana para experience points, se bem que é possível ganhar karma points (não muitos) assassinando pedestres aleatórios (o jeito GTA de ser!)

O (ANTI-)SISTEMA DOS ATRIBUTOS

Incluir evolução segmentada (por atributos) para Joshua e seus parceiros foi uma boa idéia, mas algumas habilidades mal-planejadas quase soterram o sistema. “Reputação” por exemplo, como reflexo da notoriedade adquirida pelo seu personagem no mundo do crime, devia ser algo mais dinâmico e oscilante do que é. Ao invés disso, é um número fixo que só cresce, desde que você compre os pontos, é claro. Falhar em missões, matar Lone Stars (os policiais de Seattle) ou avançar no enredo não fazem a menor diferença para sua reputação, o que não é nada realista. Até o despretensioso e catártico GTA 2 já era capaz de apresentar um sistema de reputação bem mais elaborado, havendo o handicap do personagem quanto ao número de policiais atrás dele e seu medidor de carisma perante as 3 gangues rivais do jogo.

Mais: investir em “Throwing” (Arremesso) é um desperdício, porque granadas são a pior arma para usar. Também não faz sentido incluir pistolas, se desde o início do jogo já é mais racional ir atrás de shotguns e SMGs. Depois de conseguir juntar companheiros, aumentar os atributos secundários também se torna irrelevante, já que no que você não for bom, um dos seus parceiros acaba sendo. Isso se chama trabalho de equipe.

No fim, grosso modo, gun skill e biotech skill são os dois únicos atributos específicos que fazem alguma diferença. Skills sociais são as mais banais de todas, menos Reputação, e ainda assim só até ter 5 pontos – depois, pare de comprar mais reputação. Só vou explicar o que pode acontecer com reputação abaixo de 5 bolinhas: algumas portas simplesmente não abrirão, certos edifícios também estarão temporariamente inabilitados.

Nem tudo são bravatas neste tópico: algumas portas (há diferentes tipos de porta, então nem toda abre só com carisma, hehe!) podem soar alarmes se você tentar arrombá-las com um atributo Electronics Skill ridículo. Se você já era capacitado para sabotar a trava de segurança, vai conseguir abrir a porta em silêncio. Gostei desse toque.

NPCs ALIADOS: O SISTEMA DE RECRUTAMENTO

É impossível morrer em Shadowrun. Nenhuma discussão filosófica aqui. Apenas ressaltando o fato de que Joshua é sempre levado ao hospital mais próximo, se cair em combate, é “consertado” e paga 10% de seu patrimônio líquido atual em “despesas médicas”. Justo. Mas pode ser ainda que Joshua seja eliminado estando em grupo. Nesse caso, o controle passa para outro personagem. O ruim é que dependendo do personagem que você perde numa briga, terá de voltar ao local onde primeiro o achou, e ele se mostrará rude com você, lembrando que a última missão foi um desastre. Agora recrutá-lo novamente sairá mais caro… Realista! Não há conseqüências mais graves ou que repercutam na storyline…

Bem que podia haver o desenvolvimento de enredos individuais, mas a história fica sempre na cola de Joshua, e sequer há side quests a não ser as próprias runs. Alguns dos melhores NPCs, como Winston Marrs, o “troll samurai”, seriam muito beneficiados por um maior aprofundamento nessa área. Fico imaginando o quão endeusado Shadowrun não seria hoje se já àquela época brincasse um pouco com a possibilidade de tensões raciais entre criaturas de diferentes espécies convivendo numa Seattle pós-moderna. Além disso, tem a dicotomia magia-tecnologia, que interpenetra toda a narrativa, mas só tem reflexos em Joshua. O principal da personalidade de Joshua será construído pelo próprio jogador, por meio dos “eventos de resposta”, que também explicaremos em outro tópico. Se bem que a gíria mais empregada por ele, “chummer” (brother, irmão, chapa) pode dar nos nervos dos mais suscetíveis!

É teórica e praticamente possível completar SR sendo fiel a apenas uma organização, a menos que seu objetivo seja destravar o personagem “secreto”, que não é nada fora de série, para falar a verdade. Spoiler: não é um personagem jogável a não ser em combates, já que estamos falando de um NPC “de luxo”, e não de outro PC do quilate de Joshua.

O PROBLEMA-MOR: 3 CLASSES, 2 CLASSES, 1 CLASSE, 0 CLASSES?…

Nos tópicos acima já explicamos dois conceitos-chave para compreender Shadowrun: os atributos do personagem e, en passant, o sistema de classes, lugares-comuns em RPGs. Faltava, contudo, detalhar pra valer a questão da “vocação” ou “aptidão natural” do seu guerreiro. Deixei isso só para este momento por uma boa razão.

A questão é que a espinha dorsal da gameplay de Shadowrun é afetada pelo sistema de classes assimétrico escolhido pelos desenvolvedores. Escolhe-se a classe antes de iniciar um jogo: mago, hacker (decker) ou samurai urbano. O que se descobre com pouco tempo de jogo, porém, é que não existe diferença real entre hackers e samurais. Ok, alguns dirão que “você não terá chance” caso não escolha ser hacker; outros dirão exatamente o contrário: seja samurai, ou vai apanhar até morrer no comecinho. Mas eu conheço quem tenha terminado o jogo com ambas as vocações…

Começar como hacker implica boas cyber skills mas um deck horroroso, empregos que de início pagam pior e personagem mais fraco fisicamente. Isso é bem desanimador e leva muitos a escolherem o samurai, mas tudo o que eu citei pode ser consertado. E, de qualquer jeito, também não é fácil para o samurai sobreviver. A palavrinha “mágica” perseverança é e sempre será o segredo em SR…

O token ou totem de Joshua é um jacaré

Que você precisa começar irrevogavelmente como um samurai-de-rua é uma das visões entre os aprofundados no jogo. Outra é que ainda pode ser válido começar como decker. E, realmente, iniciar como hacker é como se fosse escolher um “hard mode” no menu inicial. Só que depois de algumas horas de jogo não fará a menor diferença. Até aí, o sistema de classes soa estranho e redundante, mas beleza, tudo bem, dá pra levar…

O maior problema MESMO é que quase ninguém aceita a versão de que Shadowrun é jogável sendo-se mage (até porque a Matrix, ou “a melhor parte” do jogo, como expressaremos de forma adequada no próximo subtítulo, fica totalmente excluída da gameplay fazendo-se essa escolha): magos precisam de um bom medidor de “humanidade” (empatia) para fazer cast spells (usar seu dom). No caso, este é um dos poucos elementos da ficha do personagem que não é, no mínimo, estável, ou sempre crescente. A empatia diminui com implantes cibernéticos, o mote da narrativa, a graça do negócio! Em contrapartida, quanto pior sua empatia, melhor sua compatibilidade com o reino virtual dos computadores, ou seja, todo hacker é “pouco empático”! Continuando com a sina dos magos, sem empatia, até que é possível usar feitiços, mas eles são uma piada. Magia, ainda por cima, drena MP (magic points), e ficar sem MP durante um combate é letal. Quem possui implantes cibernéticos costuma ter bons ataques, equipamentos e habilidades até para o mundo real (slashers, armadura subdérmica, reflexos de combate…). Ou seja: mesmo se você ficar sem munição como hacker (ou samurai, desde que já tenha comprado seu deck e “virado hacker” na prática), sempre rola um plano B! Não há mesmo qualquer atenuante para o fato de a classe maga não poder, ao mesmo tempo, penetrar na Matrix E lutar com dignidade em Seattle; e se o nome do jogo é Shadowrun e o protagonista é um hacker, esperávamos que… Bom, deixa pra lá…

Resumo do tópico: sistema de classes com balanceamento zero! Teria sido melhor ignorar completamente o sistema de classes no jogo…

MATRIX OU O “CICLO VIRTUOSO”

Deixei esse aspeto para o final (ou o meio!) porque talvez a resenha tenha sido até aqui injusta (demasiadamente crítica) com um game de potencial e de densidade, como é Shadowrun, então é bom injetar um pouco de ânimo nas veias e também nos circuitos neuronais dos leitores e aficionados, sem deixar de ser integralmente verdadeiro. A principal habilidade de Joshua, desde que o burrico do controlador não opte por ser mago, é controlar uma entidade com vida própria dentro da Matrix, um lugar que não existe geograficamente, mas apenas como resultado da programação de códigos e da comunicação de dois ou mais terminais de computadores entre si. Esta entidade é chamada em SR de Persona. A Matrix é um grande labirinto de corredores e bifurcações. A cada um desses nós da rede, ou interseção de corredores, a Persona de Joshua irá se deparar com um software anti-hacker chamado ICE. As batalhas na Matrix não lembram em nada as do mundo de carne e osso (ou as do filme homônimo).

Se estiver infiltrando uma companhia, você pode usar a Matrix para desativar câmeras, destrancar portas e desligar alarmes. Se for seu dia de sorte, também vai achar spoilers sobre a narrativa e muito dinheiro…

Apenas um dos programas usados por Joshua é ofensivo de forma literal. Se você sempre atacasse o ICE dessa forma, até que seriam viagens bem repetitivas essas pelo ciberespaço… Mas não é assim. A primeira alternativa é usar um sistema de tentativa de descoberta da senha que opera o ICE. Assim, você poderia defletir os ataques do ICE. Ou então que tal um programa de “invisibilidade” para passar pelo próximo ICE sem ser notado? Os ICEs também respondem de forma variada, deixando cada encontro relativamente misterioso. Alguns quebram seu deck, expulsando-o da Matrix e exigindo que você faça um reparo num shop para poder voltar; alguns ferem o próprio hacker, potencialmente incapacitando Joshua; um ICE extremamente diabólico, encontrado 2x no jogo inteiro, chamado de Black, pode até mesmo devorar seus programas, resultando numa perda instantânea de milhares de nuyen! Se bem que não importa, contanto que você já esteja tão turbinado que tenha arranjado um jeito de se defender dessa terrível ameaça (no fim, dá para “finalizar seu deck”, tornando-o definitivo, explorando apenas alguns segmentos da Matrix, que é gigante, e onde sempre voltarão a brotar novos itens a cada missão de invasão).

Sobre seu deck, igual seu computador ou smartphone, ele pode ter um disco rígido menor ou maior, armazenar mais ou menos aplicativos, resistir mais a impactos, aquecer rápido ou possuir um excelente sistema de refrigeração… Depende de quem o monta, o RPGista!

TODO RPG TEM UMA PORRADA DE MENUS E PAUSAR FAZ PARTE DO JOGO

Menus e inventário, como quase todos os outros aspectos, requerem um período de adaptação e ajuste. SR é diferente mesmo do RPG padrão, com uma interface algo incomum. Start cancela ações enquanto A e B servem para confirmar decisões nos menus. Desviar da norma não pune o usuário nem é algo que não possa ser revertido, apenas o faz perder tempo. Uma dica é avaliar nos menus o poder de fogo das armas após comprá-las, e também dos projéteis assim que obtidos (balas de diferentes tamanhos podem ser usados na mesma arma, gerando diferentes níveis de estrago). Para os standards de 1994, a interface é razoável, algo cômoda. O mais chato de tudo é equipar cada novo clip/bullet.

SISTEMA DE RANDOM EVENTS OU EVENT SCREEN

A, B ou C, a escolha é sua…

Eventos randômicos são uma importante parte da gameplay. O narrador poderá contar, sub-repticiamente, que um sujeito desconhecido o esteve perseguindo e vigiando nos últimos passos. Ou então aparece um botão no meio de suas explorações em Seattle que diz “Aperte-me”, ou qualquer coisa aparentemente banal do gênero. É dada ao jogador uma lista de possíveis ações ou reações a tomar diante do cenário (quase sempre tripartite, para uso das teclas frontais do joystick, como na imagem). O resultado de sua escolha, que é basicamente aleatória, não havendo um gabarito ou uma conduta “certa” ou “errada” para os diversos casos, daí a nomenclatura, pode resultar no seu personagem sendo mutilado por um bando de cretinos de gangue ou em enriquecimento ilícito (o que é bem-vindo em SR!). Algo se movendo na moita? Pode ser desde uma criança perdida a qualquer outra coisa inofensiva; não quer dizer que você sempre deva conferir o que é que está se mexendo ali; porque no próximo random event pode se ferrar bonito! É para isso que existem saves num game como esse: resetar sua partida se a sessão acabar em tragédia faz parte do negócio.

GRÁFICOS

Como visto acima, a gameplay se subdivide essencialmente em duas vertentes: uma perspectiva de cima observando-se as cabeças das pessoas; e uma perspectiva por trás da Persona enquanto no ciberespaço. É importante ter uma noção em pequena escala das suas andanças por Seattle, porque se só pudesse saber que tipo de emboscada armaram pra você à próxima esquina depois de dobrá-la, poderia já ser tarde demais… Isso não quer dizer que a visão do “modo Matrix” seja menos feliz: o corpo do “Surfista Prateado” nunca tampa a ação e é possível se locomover e agir sem se sentir limitado pelo ângulo da câmera.

O primeiro estilo de jogo lembra bastante Grand Theft Auto nas suas duas primeiras encarnações de PlayStation. Infelizmente, assim como nas aventuras seminais deste hoje badalado open-world game, maioria dos prédios é apenas “de enfeite” e não pode ser explorada por dentro, ou eles não passam de construções vazias e abandonadas, agregando à atmosfera distópica da narrativa. Os poucos edifícios realmente interativos são todos ocupados por uma das grandes corporações que dão as cartas no mundo de SR. Ou seja, bases que podem ser hackeadas, já que você é quem é (espero que não seja um mago!). Não obstante, existe uma exceção: as “zonas neutras”, com bares cheios de NPCs para recrutar ou jogar conversa fora. Devido à pobreza de recursos do período, são poucos os avatares e modelos de personagens disponíveis, mas a escassez que há é bem-feita. Destaque para as event screens (tópico acima), que ganharam artes bem legais.

Quem for mais velho poderá associar os gráficos de Shadowrun não só a GTA, mas também a TechnoClash, no mesmo console. Com efeito, este título é parecido não só nos sprites como na animação e nos mapas de forma geral. Até o aspecto das batalhas em tempo real com times de 3 (pelo lado do jogador) coincidem entre os dois games comparados. TechnoClash, que é mais velho que Shadowrun, poderia ter sido copiado descaradamente? Meu palpite é não, pois as semelhanças param por aí: enquanto TC tem uma paleta de cores invejável, SR é lúgubre, insípido, cinzento (ainda que de propósito).

ATRIBUTO SOM MEDÍOCRE – pistolas, shotguns, sub-machine guns: tiros inverossímeis com o mesmo som.

CONCLUSÃO: E AÍ, O “SISTEMA OPERACIONAL” É BOM?

Explorar as complexas permutações de Shadowrun não é para todas as almas; mas será extremamente recompensador para um filão especial. Nada de “aventura ocasional para zerar em uma semana”, nem com utilização de códigos!

O excesso de “runs” requeridas para avançar no enredo pode tirar muitos jogadores do sério. Aos completistas, que adoram chegar ao final da saga com os melhores equipamentos, avisamos que o melhor deck, a melhor arma e a melhor armadura só poderão ser encontrados por quem achar a organização certa. Ou seja, não adianta ficar numa corporação só zerando todos os trabalhos que encontrar com o Seu “Jonso”. Podemos dividir a gameplay de SR dessa forma: 80% do tempo são gastos elevando karma e skills. 10% acumulando nuyen. E outros 10% desvendando o enredo. Ou seja, 90% são “runs” (“ruins”, diriam os mais maldosos). Será que Karmarun não seria um título mais justo, Blue Sky Soft?

Jogos assim têm (tinham?) um potencial imensurável. Há, de forma APARENTE, um montante substancial de customização do(s) personagem(ns) e uma aventura que parece perpetuamente em aberto. Porém, no final de contas, mesmo que a ordem das ações embaralhe, o SUPOSTO caos em que cada gamer resolve seguir em frente se mostra idêntico, quando tomado em conjunto, ao percurso de 99% dos gamers que detonaram Shadowrun, o que é tragicômico.

AND THE WINNER IS…

Você já estudou com alguém na escola que tinha o mesmo nome que o seu? Já notou que há sempre, mesmo que veladas, comparações de desempenho entre homônimos e xarás? Não nos escapa, portanto, a questão: Qual Shadowrun deve ser priorizado, já que ambos se baseiam no mesmo universo e são games relativamente longos, enquanto que a vida é tão curta? O de SNES ou o de Mega Drive?

“Mas me diga, como calhou de você chegar até aqui?

Antes de responder, lembre-se, você está lidando com um dragão.”

“A – Ah, eu só estava andando pela vizinhança…

B – Ora, precisamos de uma escama emplumada para vingar a morte do meu irmão.”

Humpty Dumpty responde do alto de sua muralha: DEPENDE. O jogo mais precursor, conceitualmente, dos GTA 2D foi este aqui. Não-linear e cujo objetivo central é obter dinheiro com a prática do crime. Se existissem veículos em Shadowrun, teríamos sem dúvida o primeiro GTA anos antes do próprio GTA da Rockstar Games, tamanha a similitude! Contudo, SR é mais repetitivo. Grand Theft Auto possibilita a catarse violenta em estado bruto quando você não está com um pingo de vontade de cumprir missões caretas. Navegar na Matrix pode conter algo de aleatório, e é possível obter pontos matando pedestres, mas faltou desenvolvimento para que esses fatores ganhassem maior peso e soassem mais leves no cômputo final (com o perdão do trocadilho por antítese!), deixando o jogo mais espontâneo.

A versão de Super NES é a mais conhecida: seu mapa de jogo é mais amplo, a storyline é mais centrada e os NPCs para interagir são mais profusos. Não estou dizendo que a versão do 16 bits da Nintendo não chega a ser monótona e muito “esquemática”, como essa daqui. Basta tirar a prova no meu review dedicado.

Entre as duas, por conseguinte, prefira a “terceira”: a versão caneta e papel!

Sobre esse embate meio Guerra Fria, meio Sonic vs Mario (ah, que saudades!….), vou mesmo deixar a conclusão com o leitor. Parodiando as eternas paródias da famosa frase do químico Lavoisier, nem tudo se cria, nem tudo se perde, e alguma coisa se copia, mas com certeza muito daquilo que se cria, ao invés de se plagiar, fica mal-feito e teria sido melhor uma “excelente cópia” do que uma obra original “apenas razoável” para a opinião pública! Igualmente, seria melhor que alguns dos materiais mais “geniais” (genialidade que só o criador consegue apreender…) da História fossem mesmo perdidos, ao invés de ficar acumulando matéria e sugando energia por aí… Fica a profunda e criptografada reflexão!

A BÍBLIA DAS RESENHAS

Ambos os Shadowrun quase-contemporâneos competiram até para saber qual das duas análises ficaria maior no rafazardly! Bom, neste caso o vencedor foi o Genesis/Mega Drive, com 5.781 palavras, contra as “módicas” 5.197 do seu rival direto!

O QUE VOCÊ NEM PRECISAVA FICAR SABENDO MAS VAI SABER DE QUALQUER MANEIRA

CURIOSIDADE 1: A data que aparece na animação introdutória (31 de janeiro) é o aniversário do produtor e designer do game Tony Van.

CURIOSIDADE 2: Outra referência quase imperceptível contida na estória do jogo é a Alan Turing, um dos pioneiros da ciência da computação na época da Segunda Guerra; seu nome aparece numa das missões de extração (você escolta Alan para fugir da corporação, da qual ele está se desligando voluntariamente, sem ser morto). Alan Turing é realmente endeusado pela galera que reconhece sua influência para a criação do conceito de ciberespaço e a cultura cyberpunk: a novela de Neal Stephenson Cryptonomicon também ficcionaliza em cima da vida do cara!

CURIOSIDADE 3: Alguns dos barzinhos de SR têm como tema musical uma batida eletrônica “falada”: o vocal repete a palavra “Schattenlauf”. O significado em alemão é: Shadowrun.

CURIOSIDADE 4: Lei do menor esforço? No mercado dos games, ela nem sempre funciona! Ao invés de pedir uma versão-clone da de SNES, a Sega resolveu inovar e sublicenciar o título produzido pela Data East. Por diversos fatores que não conhecemos em sua exatidão, temos aqui uma versão 100% inédita que lembra a primogênita em pouquíssimos aspectos. E, contrariamente à cultura popular que se disseminou por aí, ESTA NÃO É A SEQÜÊNCIA DO ORIGINAL (“Shadowrun II”)!

Lista de agradecimentos pela cessão de informações e imagens

MOBYGAMES:

Adam Luoranen

Timo Takalo

GAMEFAQS:

Tundro Walker

Weezing

pizzacat83

mercendalis

z129000

I Am Da Game

SamandMax

tanarus

RPGFAN:

Dancin’ Homer

RPGGAMER:

Mike Moehnke

SEGA-16.COM:

Diogo Ribeiro

Revista Videogames (Alemanha) de 06/1994

versão 2 – 2017; 2025.

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