recomendado para maiores de 18 anos
Dreamcast

D2
D no Shokutaku 2 (JP)
F I C H A T É C N I C A
Developer WARP
Publishers WARP / Sega
Estilos Role Playing Game / Survival Horror / First-Person Shooter
Datas de Lançamento 23/12/99 (JP); 22/08/00 (EUA)
NOTA
7.2
Este jogo é pra…
(X) passar longe (X) dar uma jogadinha de leve (X) dar uma boa jogada ( ) jogar freneticamente ( ) chamar a rua toda pra jogar (X) um tipo específico de jogador. Qual? Espectadores pacientes; gente cansada de Parasite Eve 2, Resident Evil 3 e outros survival horrors menos bem-sucedidos; todo dono de um Dreamcast que não se incomode de jogar metade do tempo enquanto na outra apenas “assiste um filme”. (X) incógnita
Vida útil estimada: 21h30
D2 (mas mantenha o respeito?) é a ansiada seqüência de um jogo que só pelas polêmicas em torno de si já mereceria menção: D é de uma época em que violência e games não eram casados, muito menos aceitos ou sequer debatidos… Kenji Eno (1970-2013), a mente perturbada e genial por trás do projeto, inseriu muitos takes “gore” nas animações, e seria impensável e inadmissível que qualquer órgão devotado a análises prévias de adequação aprovasse o jogo sem o corte de tais cenas. Eis que o homem em questão, Kenji, enviou uma cópia “branda” do jogo D, que foi liberado para distribuição em grande escala sem o menor impeditivo. Astucioso, o homem-chefe da WARP usou o disco completo a partir daí para ser reproduzido nas prensas, sem avisar as autoridades. Quando se deram conta das imagens de sangue e corpos mutilados, ou o jogo era insignificante demais para exigir tanto serviço ou já era tarde para fazer alguma coisa, e ficou por isso mesmo. Excepcional como game designer, talvez nenhum de nós quisesse ter Kenji Eno – um homem disposto a tudo para alcançar seus objetivos – como um amigo pessoal! Tudo em nome da arte e da inovação! Anos depois, Kenji Eno atacaria novamente com a série que o deixou famoso: a volta de Laura, o retorno das cenas chocantes, e dessa vez com maior poder gráfico e, oxalá, de persuasão…

Outra polêmica envolvendo Kenji Eno foi sua atribulada relação com a Sony Entertainment. Digamos que depois de um breve affair ambos chegaram ao indesejado status de ódio e desprezo mútuo equivalente ao dos “ex-namorados”. Tudo começou quando D estava saindo para PlayStation1, e a WARP e a Acclaim (a distribuidora do jogo) pediram o lançamento de 100 mil cópias no mercado à Sony. A Sony não ficou comovida e priorizou outros lançamentos, defendendo que só poderia lançar 40 mil cópias de D. Mas, no fim, nem essa meta foi cumprida, e 28000 CDs chegaram a lojas do mundo inteiro. Até aí, tudo normal, essas coisas realmente acontecem. Quem não conhecia bem a personalidade instável de Kenji é que se deu mal na história, pois ele resolveu se vingar da Sony justamente num evento da empresa. Diante de vários jornalistas, o CEO da WARP declarou que a companhia se dedicaria agora ao Saturn, da concorrente Sega. É óbvio que os executivos da Sony não ficaram nada felizes com a patacoada ou “fogo amigo”!
* * *
Partindo para falar do jogo em si, exatamente como o sublime Silent Hill da Konami, muitas pessoas lá fora vão odiar D2 de imediato só porque não se enquadram na proposta. Alguns gamers acham que têm o monopólio da razão quando o assunto é “esquemas para um bom Horror Adventure”. Mas é toda essa controvérsia em cima de sua qualidade que transforma D2, como seu antecessor, em um clássico. Em que outra obra de Dreamcast você enfrenta uma velha louca alada com máscara de metal que toca Mozart no violino? Ou caça coelhos e veados para poder sobreviver? Ok, Metal Gear Solid 3 possui um refinadíssimo sistema de sobrevivência na selva (e não está no DC); mas D2 veio antes, e ainda ficou faltando a velha louca tocando violino, que nenhum game tem, eu acho… E essa é só uma fração das experiências dentro dos múltiplos GDs de jogo. Imagine um híbrido de filmes de John Carpenter e Stanley Kubrick, mais uma rasteirada de Hideo Kojima, só que com muitos outros temperos no caldeirão…

E aos apreciadores de “D1”, D2 não é uma seqüência convencional. Algumas incursões musicais e toques aqui e ali na gameplay vão remeter ao clássico de 1995, mas a aventura, que se espalha por 4 discos de DC, está muito menos parada. Alguns dos macabros acontecimentos da trama fazem as partes mais grotescas de Resident Evil: Code Veronica se assemelharem a um piquenique de menininhas… Por outro lado, se você espera uma jogatina tão frenética quanto a da matança de zumbis da Capcom, desista. D2 segue seu próprio ritmo “esquizofrênico”, e vem em 4 discos não porque as áreas jogáveis sejam espantosamente largas e longevas, mas porque são pelo menos 3 horas de cinematics em CG para acompanhar com atenção.

Esqueça o hospital-castelo esquisito/surreal de D1 ou a estação espacial/nave de Enemy Zero (E0 é o “D1.5”), já que em D2 a ambientação é muito mais ampla e a céu aberto, se bem que no meio de uma wasteland de cor branca: as montanhas nevadas do Canadá. Laura Parton, a mesma heroína dos jogos citados acima (mas sempre de sobrenome trocado), é passageira dum avião comercial que sobrevoa os gélidos planaltos setentrionais com destinação, a princípio, ignorada pelo gamer. Subitamente, desperta uma ameaça terrorista e os civis se tornam reféns da sorte. Paralelamente, sem qualquer relação com o grupo armado que tenta tomar controle da aeronave, uma misteriosa figura afim dum xamã, num canto, começa a entoar uma invocação, e segundos depois… um pedaço de meteorito se choca contra o avião! Agora não há mais nada que se possa fazer, e o veículo está em queda livre… Um duplo incidente aéreo: uma estranhíssima coincidência, para começar um jogo de suspense…

Você pode fotografar quase tudo no jogo e salvar as imagens, desde que tenha espaço no seu VMU.
Laura é encontrada inconsciente na neve por Kimberly, a moreninha boqueteira (conforme veremos mais adiante), outra passageira sobrevivente. Ela calha de achar um chalé abandonado, onde pode abrigar a ferida Laura. Esta, por sua vez, vai readquirindo a consciência aos poucos, e se dá conta das malditas circunstâncias: perdida no meio do nada, sem comunicação com o mundo exterior e, o pior de tudo, à mercê de uma nova doença que vem se espalhando graças a um vírus mutante, na melhor modinha Resident Evil. Mas em vez de se transformarem em zumbis, os hospedeiros (num primeiro momento, quase todos que estavam no avião) viram uma espécie de planta alienígena. De posse de um fuzil e uma metralhadora automática (que POR ACASO estava largada no tal chalé), Laura vai meter a cara nessa estória malcheirosa, até porque não tem muitas opções… O primeiro paradeiro são os escombros da queda…

A mecânica de jogo deveria ser chamada de “mecânicas de jogo”, uma vez que apresenta 4 estilos diferenciados de gameplay conforme o momento. No modo exploração habitual, em campo aberto, Laura é vista da terceira pessoa; nos demais 3 modos, está-se sempre numa visão em primeira pessoa, seja combatendo os monstros mutados, caçando comida ou procurando itens em aposentos fechados. Parece um exagero desnecessário, mas todas as modalidades de controle são simples de pegar. Laura não é Lara Croft nem a mulherzinha do Exterminador do Futuro 3, então ela vai precisar de certo tempo para se deslocar na neve. Como os altiplanos canadenses são imensos, prepare-se para muitas caminhadas, backtracking e batalhas no caminho. O cenário fica um pouco mais confortável quando Laura adquire acesso ao snowmobile. Mas isso é no GD n. 2, então você terá de se virar a pé até lá…

Exceto pelos boss encounters, combates são aleatórios como nos RPGs mais standard, adicionando mais um sabor de gênero ao eclético D2. Os monstros são qualquer coisa de indescritível. Acima, eu disse que se trata de plantas aliens, mas foi uma simplificação extrema! Me limito a dizer que o design de algumas criaturas lembra supercobras ou polvos e demais seres marinhos que se adaptaram de repente ao solo! Não estranhe observar cabeças e braços humanóides misturados nessa salada genética! Se as random battles são importadas dos Role-Playings, a ação durante as mesmas lembra muito mais House of The Dead, um FPS! Quando houver mais de um monstro na tela ao mesmo tempo, X e B alternam a mira. A versão americana parece ter sofrido um incremento na dificuldade, com monstros mais resistentes aparecendo mais cedo na estória. Não obstante, Laura só estará vulnerável mesmo enquanto recarrega a arma, e de resto qualquer jogador menos afeiçoado a jogos de tiro poderá tirar de letra. Assim como nos RPGs, ela ganha pontos de experiência e melhora seus atributos quando mata muitas crias do vírus canadense. Ademais, basta estar com o hobby da caça em dia para manter no inventário um bom estoque de carnes, que são health recovers. Com efeito, o desafio não podia ser algo alarmante, visto que o objetivo central de Eno sempre foi ressaltar a storyline.

Em dado confronto contra um chefe Laura fica surda e depois cega. E mesmo assim você continuará no controle da personagem, então é como se o próprio controlador estivesse cego e surdo. Vale lembrar que não é a primeira vez que a WARP tenta algo parecido: Real Sound: Kaze no Regret, de Sega Saturno, é um dos games mais estranhos da história; nunca há nada na tela (além da escuridão completa), no jogo inteiro você é guiado por vozes e demais sons! Se essas limitações pareceram um pouco pesadas, Kenji também soube inserir humor em D2. As engenhocas que Laura carrega são um retrato disso: temos um incrível forno portátil que assa qualquer tipo de carne, um toca-fita old-school que também sintoniza AM/FM e um PEQUENO CASE em que cabem TODAS AS ARMAS do jogo, desafiando a Física!

Uma melodia intensamente maravilhosa e depressiva, de Arto Lindsay, “Counting the Roses”, toca em três pontos-chave da narrativa! Para quem não conhece, Arto é brasileiro (nascido nos EUA) e não se enquadra em nenhum estilo de música específico, mas compõe jazz, eletrônica e bossa nova, entre outros!
Logo atrás de Shenmue, este é o jogo visualmente mais realista de Dreamcast. Mais até que Code Veronica, em que a Capcom se empenhou bastante. Há 20 personagens além de Laura no jogo, alguns deles sem condições mesmo de conversar, mas cada um com seu peso na progressão da plot. Os efeitos sonoros são de primeira classe idem, salvo por um irritante e repetitivo “splat” que parece tomado de empréstimo de algum episódio de Scooby-Doo! E enquanto que o voice acting é adequado, o lip-synching (sincronia lábios-fala) continua tão horrível quanto em D, de quatro anos antes! Quanto tempo levaria para, se não valia a pena retrabalhar os gráficos, inventar mais linhas de diálogo para que não víssemos Kimberly mexer a boca por uns 5 segundos sem emitir palavra alguma?

Só faltou, de um modo geral, falar um pouquinho mais da riqueza psicológica dos NPCs com quem Laura interagirá. O exemplo mais aterrador é o do pianista. Barricado em uma pequena sala de uma imensa propriedade – uma chácara –, este intrigante homem toca ininterruptamente o mesmo pedaço de música vezes sem conta. Em seu perfeccionismo doentio, cada nota que não sai perfeita desencadeia sua cólera implacável. Quando investiga melhor, Laura descobre que esse comportamento pode ser imputado à mãe do artista, que quando ele era menino o obrigava a praticar o instrumento enquanto todos os seus amigos brincavam lá fora. Esse gênero de cena desconcertante se multiplica até o fim da saga. Um certo velho contaminado pelo vírus ataca Laura enquanto repete de forma comovente o quanto ama sua filhinha, e não resta outra opção senão matá-lo. E o que dizer da mãe que enlouquece e fica convencida de que VOCÊ assassinou seu filho único? Um dos chefes de jogo mais memoráveis é aquele que suplica, no final: “Me mate!”. Se D2 não é isento de falhas, graças a seu universo sombrio e tortuoso, pelo menos conquista de cara todos os chegados às artes cênicas!

O sistema de combate não ganha nenhum prêmio, mas serve para estourar uns bons miolos. Os puzzles são tão difíceis, às vezes, que visitas ao GameFAQs podem se tornar obrigatórias, no caso dos menos imaginativos. Um conselho, entretanto: lembre-se de salvar sempre (eis um ponto de diferenciação entre D e D2: no original, não era possível salvar seu progresso, já que a aventura devia ser jogada rapidamente). O saving não exige checkpoint e é instantâneo, o que é ótimo considerando que a qualquer momento um monstro mais forte numa batalha aleatória pode vir a matá-lo. Nada de “ammo issues”. Sua arma principal, a SMG, é, ao que parece, abastecida por John Woo em pessoa (o que significa que nunca vai acabar a munição)! E, enfim, nunca é demais lembrar que você não vai encontrar nada parecido com D2 nem no PlayStation2 nem no Xbox ou GameCube. Então, Dreamcast owners devem considerar uma aquisição compulsória!
* * *

Um vídeo sobre mazelas sociais embutido no jogo a troco de nada…
CURIOSIDADE 1: Pouca gente sabe, mas D2 foi, inclusive, o primeiro jogo anunciado oficialmente para o Dural (o futuro Dreamcast). Antes mesmo de Shenmue ou Sonic Adventure, games “da casa”, a WARP teve essa honra. As primeiras imagens rodando no hardware da Sega, então poderoso e soberano 128-bit, foram de D2, e à época (1998) elas rodaram o mundo via revistas especializadas.

CURIOSIDADE 2: Mas menos gente ainda sabe que este foi um looongo percurso: a primeira versão de D2 foi criada para rodar no Panasonic M2 (o pretenso sucessor do 3DO, onde estreara D). O periférico foi cancelado no meio do processo – literalmente, já que o desenvolvimento de D2 estava nos 50%. Só então ele foi retrabalhado do zero para o Dreamcast (vimos acima por que a Sony não era mais uma opção). Os 50% já prontos foram demolidos, inclusive em questões de enredo: a estória teria como protagonista o filho de Laura, mas nela acabou figurando a própria Laura, no final.
CURIOSIDADE 3: A despeito da classificação “Mature” da ESRB (que só tem jurisdição nos Estados Unidos), D2 não escapou da censura para além da classificação indicativa: cortes tiveram de ser promovidos, nomeadamente na seqüência introdutória. Na cutscene em que um dos terroristas muta numa “planta tentacular”, não vemos “detalhes sórdidos” que existem na edição japonesa: quando o monstro enreda Kimberly, um dos seus tentáculos é erguido até a altura da face da mulher. Numa cena diretamente retirada de Urotsukidoji (mangá erótico dos anos 80 e anime dos 90 que, por incrível que pareça, tem uma excelente storyline), o membro do monstro “estupra a boca” da moça (e sim, ela “engole”, o que vem a ser um ponto-chave na narrativa!). Acontece que, para os americanos, a câmera dá um giro panorâmico antes da parte obscena, perdendo o foco nos personagens. Nada de pornografia hardcore pra vocês, babe! Arigato gozaimasu!
Rafael de Araújo Aguiar é sociólogo não-praticante e um tanto apaixonado pela forma velha de se programar jogos
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