NES & PC

Shadowgate
F I C H A T É C N I C A
Developer ICOM Simulations
Publisher Kemco
Estilos RPG / Adventure / Puzzle / Exploração > First-Person
Datas de Lançamento 31/03/89 (JP); 12/89 (EUA); 30/05/91 (EUR)
NOTA
7.3
Este jogo é pra…
( ) passar longe (X) dar uma jogadinha de leve (X) dar uma boa jogada ( ) jogar freneticamente ( ) chamar a rua toda pra jogar (X) um tipo específico de jogador. Qual? Exploradores destemidos de catacumbas. (X) incógnita
Shadowgate é um conto de fadas com todos os seus devidos ingredientes… de terror! Lá está o bravo herói, descendente de uma linhagem de magos legendários, que é o único apto a resolver os conflitos do mundo e banir (por um tempo somente, porque o que é mau volta) as forças demoníacas do plano da existência. Warlock Lord planeja convocar de volta a aberração mais temível que jamais pisou nesta terra dos homens: o Behemoth! Se o lorde lograr suas diabolices (vide spoiler abaixo!), nada poderá sobrepujar-se à escuridão sempiterna. Não, isso não pode acontecer, então Lakmir, o último grande mago vivo, dá as diretrizes para que você “faça uma visitinha” a Warlock, na sua morada, o Castle Transilv… ops, Shadowgate! Depois de uma fatigante jornada por montanhas, florestas e rios, só o imenso castelo ocupa sua visão. Você abre a porta e entra no mundo de Shadowgate… um mundo a que as mentes mais pervertidas do inferno deram formas, onde esperança e justiça são palavras desconhecidas e a morte espreita a cada esquina (literalmente!).

Shadowgate – o jogo, não o castelo – é um Adventure em FP. A tela é dividida em vários quadrados: seu campo de visão, um display dos itens possuídos, caixas de diálogo e uma listagem dos comandos possíveis em cada situação. Move-se o cursor a um dos verbos que representa a ação a tomar e aponta-se o objeto na tela em que quer que ela seja efetivada. Não se pode perambular por aí livremente, com total domínio sobre o corpo e a postura do seu personagem. Na verdade só se pode mexer no que a memória do cartucho permite, mas isso já é muita e muita coisa. Sua missão é amealhar chaves, itens e armas para subir mais andares do castelo, até encontrar Warlock. Não dá para vingar nesses objetivos sem enfrentar bestas e resolver muitos quebra-cabeças pelo caminho. A mecânica é passo-a-passo, sem pressa nem afobação. A cada novo evento narrado ou exibido, o jogo espera pela tomada de decisão do RPGista. Todavia, depois de assinalado um comando, ele é sem volta, e sofrem-se as conseqüências e o peso dos atos. Duelos normalmente exigem um item ou uma arma específicos para serem ganhos. Não há nenhum oponente, por mais asqueroso e gigantesco, que não possa ser vencido com algum estratagema. Sentar, esperar, ler, apontar e clicar não satisfarão todo mundo, mas eu acho o sistema bem funcional, sobretudo para o período (anos 80).

Não importa o quanto descrevamos a gameplay, não obstante, não tocaremos senão muito superficialmente e em resvalos no ponto forte de Shadowgate: a atmosfera. O jogo é assustador e sabe remexer nos nervos de qualquer um, até dos vacinados para contos macabros, mas nem essas palavras bastam, porque sempre tem algo além, flutuando, etéreo. Shadowgate é tão… espiritual…

Tem sempre algo extraordinário sobre castelos, não acha? – especialmente para nós filhos da América que nunca vimos nem entramos num pessoalmente! Muita coisa de épico pode acontecer em mansões, cidades-fantasmas, densas florestas e pântanos que nem deixam passar a luz do sol pelas copas das árvores mais altas… Mas um castelo é a forma mais pura do terror. Um castelo é… um castelo – e vice-versa, como diria o filósofo. As várias portas e infindáveis corredores (como que talhados não para gente, mas para gigantes) que se imbricam em labirintos que desafiam qualquer evolução da arquitetura e da engenharia, todos os “ecossistemas” abrigáveis numa só propriedade de alguns kilômetros quadrados… Bibliotecas menos visitadas mas contendo mais volumes do que as de grandes centros universitários, salas de banquete com louça de cristal e jardins encantadores que coexistem sem constrangimento algum com câmaras de tortura úmidas e fétidas no extremo subsolo! É, o castelo é um mundo em si, que representa a ambigüidade do homem diante da natureza e todos os estratos sociais ao mesmo tempo.

Um verdadeiro livro de RPG!
Mas o cenário majestoso é só um lado da moeda dourada. O que ajuda a sustentar o climão de Shadowgate são todas as idéias brilhantes e a criatividade a jorrar de uma fonte inesgotável dos caras da ICOM, mais do que tudo quando inventaram os monstros que habitam entre as paredes da anciã fortaleza. Um sem-par de figuras mitológicas tem espaço dentro do castelo. E das mitologias mais antitéticas e díspares, diga-se de passagem. Shadowgate é um cadinho cultural. Um coquetel de folclores. Hipogrifos, esfinges, Cérbero (o cão porteiro do inferno), lobisomens, trolls, esqueletos e gárgulas, só para ficar com a primeira página do cardápio. O mais encantador é que os developers aprenderam uma maneira artística de inserir elementos ecléticos como esses numa mistura que não soou clichê nem forçada demais.

Como aqueles livrinhos de aventura, quase que RPGísticos, que o mandam para diferentes parágrafos conforme suas decisões, o menor erro ou movimento mal-calculado e você conhecerá a auto-destruição. Embora pareça reprovável num script como esse, Shadowgate até que dá chances justas, considerando que você pode salvar a qualquer hora e em qualquer lugar. Mas, falando em morrer, um dos atrativos principais do jogo é o leque de mortes existentes. Não são poucas que exploram os limiares do trágico e flertam com os maiores sofrimentos facultados a um indivíduo, numa antecipação do que seria sucesso de bilheteria nos anos 2000: Premonição, Jogos Mortais, e essa coisa toda… Mas ao invés de alugar o sentido da visão num espetáculo barato e vil, Shadowgate exercita a imaginação, a chave para considerá-lo tão traumatizante: a tática adotada é a de não mostrar nenhuma violência explícita, limitando-se a descrever as mortes em longos textos, repletos de detalhes cruéis. Sem dúvida comigo isso funciona ainda melhor para marcar cenas horrorosas e lancinantes! Nada de deep plot revelations aqui, mas se me permitem algumas ilustrações de “jeitos de morrer”, aqui vão: caindo de grande altura e fraturando as duas pernas, queimando numa poça ácida, afogando-se em lava ou óleo, tendo sua cabeça destroçada pelas garras de uma besta, etc.!

Opa, tem carne nova no pedaço!
Outra parte do verdadeiro poder de hipnose exercido pelo jogo decorre da música. Todas as faixas MIDI são supremas, até porque são pouquinhas, mas escolhidas (compostas) a dedo. O acompanhamento para a cena da fonte, à noite, no jardim, é muito mais inocente, calmante e reflexivo do que o tema do passeio pelas câmaras mais enterradas, em que cada acorde parece deixar o jogador com menos ar. Pairar no salão de dança suntuoso e aristocrático de Warlock nos faz pensar quanta luxúria e orgia já não aconteceu entre os convidados do anfitrião debaixo dos lustres espalhafatosos do recinto… Definitivamente uma das melhores entradas sonoras do Nintendo System.

Ah, é tão duro, mas necessário, voltar à realidade!… Não quero passar a impressão de que o jogo não tem falhas. Ele tem, e algumas são severas a ponto de fazer jogadores desistirem de Shadowgate. Primeiro de tudo, a aventura leva MUITO tempo para ser concluída. Não tanto assim na percepção do explorador da história, mas é que usar os comandos e ficar navegando pelo extenso menu de itens ocupará mais da metade da rotina. Os puzzles são assertivos e não há resoluções meia-boca possíveis. Com o vasto número de itens que se pode obter, pode levar eras para sacar como estraçalhar um mistério, mesmo que depois a resposta pareça boba ou irrelevante, já que só tem um jeito de fazê-lo. E, como referenciado acima, o risco de morrer é MUITO ALTO! Mais alto do que num videogame normal. Isso tudo não espantará quem tem paciência e lida com os obstáculos como os desenvolvedores fizeram com os códigos de programação: criativamente.

Que medo!!
O que mais me desgasta, entretanto, deixei para um novo parágrafo, e é o fato de que o jogo é cronometrado. Não no sentido comum, de que haja um relógio prestes a zerar, como em Prince of Persia, por exemplo. O castelo é escuro e não seria Warlock o responsável por providenciar sua iluminação, certo? O protagonista precisa de tochas para enxergar, e o fogo vai consumindo a madeira até não sobrar mais nada. Sem luz, você automaticamente MORRE. Ficar preso por excesso de tempo num enigma significa desperdiçar tochas valiosas e ter de recomeçar do último save por falta de tochas. Ou, se os save points forem mal-escolhidos, compromete-se toda a aventura e o melhor seria recomeçar do zero (você padece em soft-locks). Então, o que eu disse sobre turnos e decisões ilimitadamente pensadas não era tão genuíno assim, he-he… O fato é que não precisavam dessa imposição, já que mesmo sem as tochas Shadowgate já é árduo o bastante.

Shadowgate é o tipo de jogo que me deixa envolvido dos pés à cabeça, mas é lógico, também, que eu francamente o idealizo. As horas em que estou afastado dele me fazem ser poético sobre a experiência de jogo – mais poético do que verdadeiro, saberia Fernando Pessoa! A maioria do público de hoje deve achar Shadowgate ultrapassado, cadavérico, empolado, lento… Fazer o quê! Aos amantes do estilo, porém, recomendo não só esta gema rara como outros dois da mesma categoria, dos mesmos criadores e também para NES: Deja Vu e Uninvited. Bem-vindo ao sórdido mundo antes do T-Virus que realmente penalizava o jogador por seus fracassos nas escolhas de role-play!
Rafael de Araújo Aguiar é sociólogo e um tanto apaixonado pela forma velha de se programar jogos
Lista de agradecimentos
Ofisil, threetimes, Celtic Forest, kyriyama2, KasketDarkfyre terrisus do gamefaqs.com
mobygames.com
versão 2 – 2013; 2025.