REVIEW N° 1069 DO NEWGEN
Por Rafael “Cila” Aguiar
Dreamcast & PC


KISS: Psycho Circus:
The Nightmare Child
| F I C H A T É C N I C A |
Developers Third Law Interactive (PC); Tremor Interactive (DC)
Publishers Gathering (PC); Take-Two (DC)
Estilos Ação > First Person Shooter > Arcade > Terror
Datas de Lançamento
DC – 29/10/00 (EUA); 19/01/01 (EUR)
PC – 14/07/00 (EUR); 18/07/00 (EUA); 24/07/00 (EUA-Collector’s Edition)
| NOTA (este escore é uma média dos principais portais de games na web e revistas antigas quando for o caso, e também engloba a opinião dos gamers visitantes, além da crítica especializada) |
5.22 (DC)
7.2 (PC)
| E S T E J O G O É P R A . . . | |
| (X) passar longe | ( ) dar uma jogadinha de leve |
| ( ) dar uma boa jogada | ( ) jogar freneticamente |
| (X) chamar a rua toda pra jogar (só nos PCs!) | (X) um tipo específico de jogador Qual? Esperava que eu dissesse os fãs da banda? Honestamente, fique com os álbuns, se for seu caso. Este jogo é apenas para tarados por FPS old school e/ou jogos “B” de PC (a versão Dreamcast não é recomendada para NINGUÉM) e/ou de HQs alternativas (nem Marvel, nem DC – Comics! –), como por exemplo a outra série célebre do mestre criador da versão KISS em gibi… Refiro-me a Spawn: O Soldado do Inferno! |
| ( ) incógnita | |
| VIDA ÚTIL ESTIMADA (esta quantidade é estritamente baseada na main page do jogo no gamefaqs.com) |
31h

Bem-vindo ao reino do clichê
Wicked Jester (Palhaço Mau), uma banda de roque de 4 (sem piadinhas, nós somos todos adultos), se dirige ao Coventry, espécie de loja falida ou porão cedido por um amigo dum amigo onde realizará um showzinho de sexta à noite. A animação é grande. Mas algo está muito estranho, até para músicos de quinta categoria como esses caras: nenhuma carcaça sequer no amplo estacionamento do local; nenhum porteiro cobrando a entrada; zero seguranças revistando malucos; enfim, nenhum sinal de garçom ou groupie! O local está deserto e esqueceram de convidar até as moscas. Então os membros, nominalmente Pablo Ramirez, Andy Chang, Gabriel Gordo e Patrick Scott, desembarcando da van, são convocados por uma voz das sombras. A eles, que seriam as atrações principais de um evento, é oferecida a bagatela de 4 ingressos grátis… para um misterioso circo, onde serão, ao que tudo indica, mera platéia! Ele não vai ficar muito tempo por aqui, então é pegar ou largar… E a trupe de trouxas aceita no ato. Senhoras e senhores, vai começar o espet…, quer dizer, o pesadelo!

Para ajudar a justificar que o manual de instruções não serve pra nada, itens-panfletos espalhados pelas fases possuem informações sobre… itens coletáveis no meio do caminho. Ok, auto-referência tem sua graça, mas não ficou bom, até porque as páginas do seu livro-pergaminho estão muito distantes uma da outra, são redundantes e evasivas, difíceis de enxergar e obter e, o que é pior, há relatos em fóruns na web de desaparecimento espontâneo do item do inventário, mesmo no slot em que o progresso é devidamente salvo no memory card! Eu, hein!
Baseado nos personagens fictícios e apenas levemente remanescentes dos integrantes da banda americana K.I.S.S., criados da ponta do lápis de Todd McFarlane, um dos olimpianos das comics, KISS: Psycho Circus: The Nightmare Child (grandes títulos, maus negócios…) foi lançado para PC e Dreamcast, num intervalo de não mais que 4 meses. O que veio com o licenciamento de uma poderosa marca para chamar a atenção acabou em tragicomédia e decepção. O gênero é tiro em primeira pessoa, estilo arcade, e a aposta alta reside sobretudo nos números: 24 tipos de bestas infernais para confrontar, 3 classes completamente divergentes entre si de armas para empunhar (sendo que cada classe possui dezenas de sub-opções) e a possibilidade não só de trocar tiros mas se engajar em duelos mano-a-mano com armas brancas e/ou de curto alcance. O conceito de power-up também parece promissor: quanto mais itens coleta o protagonista (um dos 4 da banda Wicked Jester, é lógico), mais forte ele vai ficando. Permanentemente, ao contrário da maioria dos shooters em que passar de fase significa perder praticamente todos os poderes e o arsenal juntos.

Teriam Gene Simmons, Ace Frehley, Peter Criss e Paul Stanley se sentido orgulhosos dessa obra? Em que pese todo o narcisismo imaginável nessas horas, duvido muito…

Como num Final Fight das antigueiras, aparece a barra de life do inimigo na parte direita da tela quando o confronto ferve. Em alguma coisa KISS:Psycho tinha que acertar!
GRÁFICOS & GAMEPLAY
KPCNC (PC) é o primeiro a utilizar a engine Lithtech em sua versão 2.0, embora eu não faça a mínima idéia do que isso queira dizer nos mínimos detalhes (além disso, a Wikipédia destoa do que apurei, alegando que KPCNC usa apenas a v1.5). O que importa é descrever as ambientações que o gamer vai encarar: um posto de gasolina gigante abandonado, as ruas duma cidade, o sistema de esgoto, uma mansão mal-assombrada (ó, que inovador!), uma casa de força (pense num lugar onde Zeus com seus trovões seria considerado “só mais um”) e o estágio preferido de muita gente, a estação subterrânea, a sucursal do inferno mais quente depois de Bangu no verão.

Pois é, meu amigo, FPS têm espelhos!
Por que toda essa marra descrita acima poderia ter dado errado? Para muitos, a resposta está naquele ditado: “Não mostre todos os seus trunfos logo de cara se você não tem muito a oferecer e não conhece que tipo de dificuldades enfrentará a seguir”. Pois bem, das duas dúzias de inimigos bolados para a saga, uns 20 você irá conhecer logo de cara, nos primeiros níveis, e quase todos apinhados na tela, em vários clones, ao mesmo tempo, e agindo da mesma forma (sem inteligência), tornando as fases quase que um espaço da platéia num Rock in Rio (infestadas e insuportáveis). A questão não é que o princípio está errado: até conseguiram o milagre de tantos seres animados na tela não causarem slowdowns, só que o problema é enfrentar sempre as mesmas caras e bocas (e até uns inimigos “sem cabeça”), sem nunca mudar o padrão de ataque, esforçando-se para conter os bocejos, enquanto repete o mesmo modus operandi do início ao fim da mídia (disco). Não há tática: o estilo de jogo é correr-e-atirar; nenhum dos monstrengos exige pensar antes de ser destroçado.

Life potion
E a despeito do design até inventivo – senão esdrúxulo – dos cavaleiros antagonistas, os próprios membros da banda, ou seja, os heróis da porra toda, possuem uma movimentação mambembe aquém do esperado, e poderiam ter recebido maior contagem poligonal. Mas se estamos num FPS, jogo de tiro em primeira pessoa, qual a importância disso e, aliás, qual a possibilidade disso ser detectado, pergunta-se o leitor. Na realidade estamos falando das dispensáveis cutscenes entre as fases (que só deixam o enredo mais confuso para quem não leu o gibi) e de algumas poucas câmaras dotadas de espelhos nas paredes, que permitem ao gamer se assustar com a própria aparência (cada dia uma novidade: mamãe, hoje aprendi que eu sou um cara bem feio!).

Power-up time!
Detalhe sórdido sobre o vilão principal, que é meio “Piccolo Daimao”: o cara mau, que foi derrotado muito tempo atrás por 4 guerreiros lendários (DICA: seus disfarces inspiraram as bandas de Black Metal dos anos 90!…), renasceu de um ovo que havia sido deixado por ele mesmo antes de morrer (ou pelo pai dele? eis a questão). Cabe a esta criatura trevosa restaurar o caos na Terra em plena era moderna de guitarras elétricas pulsantes e videogames invocados!… E é a sua missão… bla, bla, blá, você já sacou que deve parar o imbecil aí!

Esses idiotas sem-cabeça são o inimigo mais típico da aventura
SOM
Então… por que não há quase nada de KISS no jogo? Porque não combina… E porque na época (ano 2000) ainda eram raros os gamers que ligavam o som e deixavam o computador ou o videogame no mudo, tratando de agir sob a própria playlist como estímulo fatal. As músicas do K.I.S.S. são meio “Uh, eu tenho atitude, eu tô feliz, vamos festejar – mas eu sou roqueiro, lembre-se disso!”; baladas não são infreqüentes na discografia dos caras. Então, os desenvolvedores não tiveram escrúpulos em deixar essa sonoridade de lado e partir para eletro-beats que realmente empolgassem o atirador! Não é uma defesa da qualidade da trilha sonora, mas serve de consolo e justificativa. Spoiler irrelevante: não, não tem nenhuma faixa da banda como easter-egg na zeração.

Talvez isso seja o máximo de KISS – a banda – a que você terá direito no game em si
Sobre o voice work, ele é ótimo – no PC. Não sabemos por quê, mas o Dreamcast foi regalado com uma adaptação das mais capengas. Talvez considerá-la uma demo fosse até elogioso: controles mais horrorosos que a maquiagem do baterista, efeitos de luz inexistentes quando comparados com a versão Windows e até uma dublagem aquém da crítica, todos esses decréscimos só por migrar de plataforma. Se fosse uma conversão do DC para os computadores, até entenderíamos (“eles se empenharam para melhorar muito o atributo audiovisual!”), mas não é bem assim…

ARMAS
Vale a pena uma descrição mais pormenorizada das armas à disposição, uma das poucas justificativas decentes para encarar esta orgia (de sangue). O chicote (bullwhip) é bom para “domesticar” os diabos que você irá enfrentar, todavia também permite alavancá-lo a áreas de difícil acesso, como se fosse um gancho de Zelda ou apetrecho de arqueólogo profissional no melhor estilo Indiana Jones! Que tal o Ice Cannon, uma mini-gun que congela os inimigos rapidamente? Os clientes não-satisfeitos com a barganha poderão devolver o produto e trocar por um Magma Cannon, o exato oposto, no sentido da munição e também no do conceito, já que a prática mini-gun dá lugar à destrambelhada porém letal shotgun! O mais engraçado é que a munição não é pólvora ou fogo em estado bruto, mas metal praticamente fundido, ou seja, barras cruelmente quentes ejetadas com o fito de queimar suas vítimas, 4 dessas barras de uma vez só! O rocket gauntlet é um disparador de mísseis elétricos. Ora, tudo com “foguete” no nome em jogos de tiro deve ser usado com prudência, ainda que a jogabilidade seja a mais casual possível. Com este rocket não é diferente, e ele só será útil ou inteligente em campos abertos, que são raros durante a campanha. Só aí seu potencial será completamente revelado (destruir os inimigos sem causar dano ao próprio atirador). De resto, será sempre uma arma engraçada, se sabemos bem o que é um múltiplo homicídio acompanhado de um suicídio…

Mesmo que machine guns, carabinas e lança-mísseis sejam ótimas pedidas, divertidas mesmo são as armas de empunhadura sem munição usadas para decepar e mutilar as criaturas do mal sem pudor. Na realidade, na própria mecânica de jogo estas armas têm mais valor potencial que as outras, sendo mais fácil zerar a aventura com o apoio delas do que com pura pólvora. Digamos que cada pixel usado para construir esses pequenos e cortantes objetos valeu bastante a pena. Cada um dos personagens escolhidos possui seu repertório personalizado, então faz diferença palpável optar entre o baterista, o baixista, o guitarrista ou o vocalista, mesmo que este game nada tenha a ver com um concerto! A melee weapon inicial pode ser, portanto, qualquer uma dessas 4: uma espécie de lança superafiada de duas pontas capaz de estragos múltiplos num hit apenas; luvas com garras cortantes (nunca vi isso antes!); uma manopla (soco inglês) que dá choque nos alvos; e a minha preferida, o machado gigante chamado Punisher, ótimo para fatiar carne de demônio…

Há salas com “máquinas geradoras de monstros”. Se você não destruí-las, eles continuam brotando ilimitadamente. Igualzinho em Gauntlet e Get Medieval.
OBJETIVO?
Além de avançar naturalmente pelas fases, a tarefa primordial do controlador é colecionar os pedaços das armaduras dos Elders (os alter egos dos personagens). No fim das contas, o humano comum que você escolheu no começo da trama se transformará ipsis literis num dos membros da banda K.I.S.S. Dentre esses “pedaços”, temos as melee weapons avançadas, botas, cinturão, peitoral, caneleiras, braçadeiras e máscaras. Não são meros enfeites, já que os atributos do guerreiro (velocidade, resistência, força, etc.) vão sofrendo incrementos à medida que ele vai vestindo os artigos. Soa divertido e inovador, mas a diversão acaba quando, em tese, estaria por começar: assim que você completa a armadura, resta apenas o último chefe como desafio. Mais ou menos a mesma frustração do RPGista que, quando se torna forte e realmente temível tanto na aparência quanto no repertório de técnicas, ataques e magias, se não quiser abandonar de todo o jogo, tem de peregrinar pela terra sem objetivo algum, se contentando com side quests insípidas, massacrando inimigos de HP pequeno e por aí vai. Ou seja, trata-se de um belo desperdício de potencial.

Não é um jogo para palhaçofóbicos!
EPÍLOGO
No final, o estilo casual da jogabilidade torna Doom, o clássico imortal, o mais parecido com este aqui, não que Psycho Circus não mescle outros elementos de petardos do gênero como Duke Nukem, Quake ou Turok, nem que o título seja desprovido de toda e qualquer originalidade. O problema é que não faz sentido jogar um mero rip-off de um bom jogo, feito uma década depois e que sequer iguala a atmosfera ou a gameplay do “Adão dos FPS”. Sendo uma alternativa já um tanto debatível para a plataforma PC, torna-se um investimento inviável em termos de Dreamcast: a incompatibilidade com teclado e mouse (o “joystick” favorito dos viciados no gênero), o descuido completo na transposição gráfica (a imagem piorou na conversão) e o corte inexplicável da ferramenta multiplayer (offline e online!) só ajudam a descartar de vez o produto. Concorrentes no mesmo hardware, como Quake III Arena, obliteram brutalmente KISS:Psycho, um empreendimento fracassado.
CURIOSIDADE 1

A imagem acima é auto-explicativa: trata-se (ou tratava-se) de uma das formas mais populares de aquisição do produto em terras tupiniquins. Por somente R$ 14,90 era possível, à época, adquirir este grande “clássico B do horror B”! Cortesia do exemplar 57 da extinta CD Expert.

Ou você vai adorar o character design… ou vai odiar com força!
CURIOSIDADE 2: A versão americana de PC vinha com um CD bônus, Heavy Metal 2000 – Hyper CD, com material promocional do game Heavy Metal: F.A.K.K. 2. HM:FAKK2 é um Adventure em terceira pessoa (muito melhor que este game avaliado aqui, por sinal). O ponto em comum com KISS:PC:NC é que “Heavy Metal” não tem “nada a ver” com a música: é baseado na HQ de mesmo nome.

CURIOSIDADE 3: Sobre a capa americana, nem todas são como a imagem exibida no início da matéria – nos EUA, a terra das maquinações sensacionalistas, o jogo vinha em 5 possíveis capas ou versões. Uma dedicada a cada membro da banda em especial e um quinto modelo equivalente a uma edição de colecionador com todo mundo junto (segunda foto da matéria).

Imagens de DC neste review só mesmo as da caixa – não encontramos nenhuma imagem in-game na internet… Mentira! É que não valia a pena mostrar cenas como essa sem os efeitos de luz e sombra do PC (moral da história: o que já é feio pode piorar!).
Lista de agradecimentos pela cessão de informações e imagens
GAMEFAQS.COM:
Khaos_
KindredWarr
sloevenh1
MOBYGAMES.COM:
Atomic Punch!
Oyn
Duduzets
ClydeFrog
-Chris
HONESTGAMERS:
Gary Hartley
GAMESPOT:
Erik Wolpaw
Game Informer Magazine
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