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shadowrun (snes)

REVIEW N° 1071 DO NEWGEN

Por Rafael “Cila” Aguiar

Super NES

Shadowrun

F I C H A   T É C N I C A

Developer Beam Software

Publishers Data East /  Laser Beam (EUR)

Estilo RPG de mesa / Action Adventure

Datas de Lançamento 05/93 (EUA), 25/03/94 (JP), 28/07/94 (EUR)

NOTA (este escore é uma média dos principais portais de games na web e revistas antigas quando for o caso, e também engloba a opinião dos gamers visitantes, além da crítica especializada)

7.54

E S T E   J O G O   É   P R A . . .
(X) passar longe(X) dar uma jogadinha de leve
(   ) dar uma boa jogada(   ) jogar freneticamente
(   ) chamar a rua toda pra jogar(X) um tipo específico de jogador Qual?
O cyberpunk que já jogou Role Playing Games tradicionais. Leitores ávidos de ficção científica. Entusiastas do gênero cinéfilo ou literário pós-apocalíptico ou distópico estilo Blade Runner. Quem curte a idéia de “viajar na Matrix”, seja lá o que isso for…
(X) uma incógnita
Observações, quando necessárias:
O tempo de jogo é considerado alto para quem encara até o fim. Como o jogo exige muitas batalhas aleatórias para ganho de karma points (experiência em Shadowrun), boa parte dessas horas não inclui desenvolvimento da backstory. Ainda assim, a carga de leitura é elevada; e mesmo para fãs de RPG de mesa não podemos recomendar mais de uma jogada completa (abrir outro arquivo e recomeçar), ainda que se tenha levado muito menos tempo que 27h (vide abaixo) para concluir a saga.
Quem jogar este também poderá gostar de:
Fallout (PC)
Shadowrun (GEN)
Secret of Mana (SNES)
Brain Lord (SNES)
Dragon View (SNES)
VIDA ÚTIL ESTIMADA (esta quantidade é estritamente baseada na main page do jogo no gamefaqs.com)

27h30

Está provado que TAMBÉM é possível jogar RPG em alemão!

Aprimeira coisa que o leitor precisa saber é: este é um game completamente distinto do Shadowrun de Mega Drive (que muitos crêem, erradamente, ser o Shadowrun II – título não-existente na licença), e mais distinto ainda do Shadowrun de 2007 para PC/X360, que é um FPS.¹ Pois bem: trata-se da ansiada conversão do thriller futurista Never Deal with a Dragon (um livro publicado em 1990), de Robert Charrette, para o Super Nintendo Entertainment System. Mas essa informação não é a mais relevante: o que interessa saber é que Shadowrun (SNES) é uma encarnação eletrônica do Jogo de Interpretação de Papéis, o nosso amado RPG de mesa e tradicional. Ao sabermos disso, ficamos todos curiosos: como se comporta uma interação inicialmente grupal e regada a papel, caneta, dados de mil lados, narrativas fabulosas, risadas, blefes, descrições hiper-pormenorizadas, teatralizações, esporros e suspenses quando muda para o terreno virtual, mediada por uma TV, uma fita, um console, um joystick e (o mais triste de tudo) operada por uma só pessoa? Esta diversão celibatária de 1993 divide opiniões mais do que o Mar Vermelho se sentiu dividido por Moisés, então senta na sua poltrona com encosto que lá vem resenha longa…

¹ E também não é o Shadowrun de 1996 para Sega CD!

Os japoneses ainda vão se vingar dos norte-americanos!

Hoje o lance do detetive numa era de megalópole que retroagiu em alguns aspectos urbanos e se tornou um conglomerado neo-tribal, espécie de reedição romanceada do Velho Oeste, já não ganha tantos pontos, e causa até bocejos na platéia. Mas não podemos reclamar do enredo se o compararmos com a massa de jogos para Super Nintendo. O game oferece sobretudo a oportunidade de coletar informações e se sentir um habitante de um vasto mundo virtual ao colocar o personagem principal em contato com figuras como barmen com caras de mafiosos, strippers mais interessadas em vasculhar seu bolso que mostrar as tetas e todo tipo de gangster que queira barganhar ao máximo cada informação de relevo. Enfim, bem-vindo ao submundo, onde tudo parece mais sórdido e bacana (contraditório? nem um pouco!) que em nossa vida cotidiana de mocinhos ensolarados. Até aqui, nenhuma novidade berrante.

Um atrativo extra é a possibilidade de “surfar na internet em pessoa”, que comentaremos em detalhes no tópico SISTEMA DE JOGO. O recurso, chamado de Web 3.0, é a visão dos primórdios da década de 90 de como seriam as interações por computador num futuro a médio prazo. Hoje sabemos que tudo era uma grande besteira, mas o conceito de realidade virtual, ainda que tão démodé, jamais deixará de exercer alguma influência em nossa cultura e mexer com nosso imaginário. A Web 3.0 também pode ser considerada a primeira versão mencionável da rede de simulacro banalizada pela trilogia Matrix. [agora, desafortunadamente, tetralogia] A Web 3.0 é a própria Matrix, nos feios gráficos 16 bits! Apresenta uma jogabilidade diametralmente oposta à do mundo real (de Shadowrun!) e funciona como minigame de caça ao tesouro e escapismo (side quests). É, ainda, o melhor cartão de visitas para apresentar Jake Armitage, o protagonista do jogo: um hacker que pretende reconstruir seu passado e fazer algum estrago às megacorporações que controlam a cidade. Neuromancer, de William Gibson, é outra obra ficcional que vem subitamente à tona quando pensamos que o ciberespaço dos caras é absolutamente sensorial e pode provocar sérios danos ao cérebro do usuário incauto! Melhor caminhar num espaço quadriculado azul (que parece um vestiário gigante) do que tentar quebrar senhas e “upar” sub-rotinas como um hacker do nosso chato mundo-verdade, não é mesmo?

Os únicos gráficos decentes, mesmo para a época, são alguns avatares exclusivos e o chefão final, Drake, visualizado de perfil

BACKGROUND

Shadowrun transcorre em 2050 na cidade de Seattle, costa oeste dos EUA. Megacorporações são as donas das propriedades nesta pós-democracia, numa extensão e profundidade tais que deixariam George Orwell assustado. Cabe a mercenários, conhecidos como shadowrunners, contrabandear mercadorias e, sobretudo, informações, representando a contracorrente desta era politirânica. Elementos fantásticos e que se diriam ultrapassados já no século XX voltaram à baila: magos reaprenderam a arte da magia, samurais ciberneticamente melhorados oferecem seus serviços, e (mutação genética?) criaturas como orcs, trolls, metamorfos, vampiros e elfos também existem “lá fora” (ou nos subterrâneos). Parece que os letreiros luminosos das largas avenidas centrais, por mais simpáticos que sejam, não dão as boas-vindas para o número suficiente de indivíduos e raças, e cada um tem de batalhar como pode pelo seu cotidiano pão (sangue ou carne)!

“Você faria bem em ouvir a voz da experiência! Não escute esses technomancers (tecnomantes, versão hi-tec dos nigromantes?)…Você sempre vai precisar de alguma magia consigo!”, ao contrário da versão MEGA

Seu personagem controlável é Jake Armitage, um decker, especialidade de shadowrunner que vamos resumir como hacker. Sua testa está repleta de implantes que possibilitam a viagem mental (ou ectoplasmática) ao reino da Web 3.0 ou The Matrix (sim, esse termo é encontrado no jogo). Seu cérebro é um HD valiosíssimo; mas deve-se ter cuidado para que ele não seja formatado a fórceps! Algo deu errado no último serviço sujo de Jake, tanto que ele amanhece idilicamente numa gaveta do IML sem se lembrar de nada (nem o próprio nome). Depois de dar um susto daqueles nos médicos e enfermeiros, hora de cambalear por aí tentando descobrir seu próprio passado e, mais fundamental ainda, por que meia-cidade quer vê-lo morto! O personagem desmemoriado ou com amnésia, que precisa reconstruir o próprio passado com auxílio do futuro já virou um roteiro-clichê, mas não negamos que seja um dos fatores de impacto que tornam este “B classic” da Data East jogável até os dias atuais!

Além do mais, isso não é tudo. Avançando nas investigações, Jake se deparará com muitos outros aspectos interessantíssimos no mundo de Shadowrun. Além de conhecer as raças descritas acima, será possível, por exemplo, subcontratar mercenários para lhe dar uma forcinha nas missões e desvendar o cartel de companhias que dominam esta Seattle do “futuro ruim”. Um “guia espiritual” (realmente não sei como chamá-lo) vai dizer a Jake que ele é mais do que apenas uma pecinha na engrenagem das brigas de clãs desta cidade…

Direto da gaveta do IML para a sua casa

SISTEMA DE JOGO

Funcionalmente falando, o estilo do jogo no cabeçalho poderia ter sido cravado como “point-and-click Adventure”. E para um Super NES, isso é um problemaço! Você deve arrastar um ícone de mão/mira (dependendo do seu “modo de controle”) com o precário e lento direcional. Vai se desenrolar em seguida uma frenética caçada por pixels de pequenos objetos, já que alta definição não é o forte do jogo (e aliás a expressão provavelmente ainda nem existia). Você também movimenta Jake como em qualquer jogo “normal” para plataforma doméstica, com as setas direcionais, sem necessitar clicar no ponto da tela para onde quer que ele vá. Ou seja: só aí já temos que lidar com a impossibilidade de se mover e investigar coisas ao mesmo tempo. Mas as complicações só rolam ladeira abaixo…

E aí, já enjoou dos gráficos?

Numa péssima jogada de marketing dos caras da Data East e da própria Nintendo, o mouse de SNES, usado só, praticamente, em Mario Paint, não é compatível com Shadowrun. É impossível saber se algo poderá ser útil ou é passível de interação antes de depositar a seta sobre a coisa. O único “atalho” proporcionado pela interface rústica é o de a mira se fixar sobre o oponente no modo de batalha (isso desde que você tenha inserido a mira nele, manualmente, antes do primeiro ataque).

O mercenário percorre vários distritos da futurista e ao mesmo tempo nostálgica Seattle de uma perspectiva isométrica (meio 2D, meio 3D), futucando por prédios e casas. Em que pese NPCs o orientem geograficamente de vez em quando, quase nenhuma área está “identificável” na imagem. Pense em lojas sem letreiros; ou, de todo modo, letreiros em uma língua que você não pode ler. Você não vai saber se o que tem dentro de um edifício são médicos e pacientes ou advogados e clientes, por exemplo, até dar uma boa olhada por dentro. Como consequência, o RPGista clicará sobre cada porta que puder encontrar, e vai acabar adicionando ao inventário qualquer cacareco com que trombe. Não pense que se trata de uma exploração monótona e tranqüila: mercenários rivais vão “pipocar” das áreas de bosque, do asfalto ou mirar covardemente em Jake pelas janelas, sendo, embora não invisíveis de antemão, espécies de “randam encounters”. Seu jeito de evitar combates indesejados seria fugindo da tela, mas “tchau baddy” significa “tchau pontos de experiência”. Manjado demais? Você esperava mais o quê de um RPG?

Não espere uma Matrix tão desenvolvida e bela quanto a do filme dos irmãos Who!

Em modo de combate, apertar o A vai ativar a mira de arma que funciona como cursor. Nestes momentos, Shadowrun é um franco game de ação, até de tiro: cada nova pressionada no A é uma rajada da arma atualmente empunhada por Jake. Quanto aos disparos inimigos, desviar é possível, mas inviável, porque requer o cancelamento do cursor em forma de mira para fazer Jake andar com o direcional (lembra?). Então qualquer batalha acaba sendo resolvida, na prática, num tiroteio mortífero em que os alvos estão sempre imóveis na arena e ganha aquele que for mais resistente. Não deixa de ser cômico ver vários sujeitos explodindo um a cara do outro de pé, frente a frente e quase se tocando, sem ligar para as próprias vidas! E tudo porque jogar um point-and-click em videogame nos anos 90 é uma das maiores tormentas já concebidas pela indústria do entretenimento. Matanças acumulam pontos de karma que aperfeiçoam as estatísticas de Jake, mas o dinheiro eventualmente deixado pelos finados possui a descortesia de não ser automaticamente computado em seu inventário. Você deve sacar seu ícone “de exploração” (quando não se está lutando), a mãozinha, com o R, e é necessário que Jake esteja nas imediações do “dinheiro” (Nuyen, uma moeda estranhamente oriental para uma cidade americana!). Clicar em cima dos “cantos” dos maços de notas também não vai finalizar o serviço: o dinheiro precisa estar “focalizado” pela mira para ser apanhado. Pior do que ser fotógrafo de casamento depois de 5 taças de vinho, acredite. Ter de dar uma de sniper – de quem se exige precisão milimétrica – até para recolher o suado soldo de suas sanguinárias batalhas – em que você sequer usa um escudo para se proteger dos projéteis! – é extremamente cansativo. Como se não bastasse, conforme já dito, uma porção significativa dos caras maus atira direto de parapeitos dos arranha-céus de Seattle, e não deixam nenhum dinheiro após serem atingidos.

Coletar dinheiro não é, entretanto, a pior parte da jogabilidade de Shadowrun. Conversar, apanhar itens e sacá-los, comprar mercadorias e até abrir portas podem se tornar dores de cabeça constantes. Assim como é preciso ser preciso (desculpe) para mirar no dinheiro e “captura-lo”, todos os objetos com que se interage devem estar bem-enquadrados. Pior ainda quando o zoom não é intenso e o objeto em questão é bem diminuto. O corpo de Jake também ofusca os objetos, então é bom posicioná-lo, antes, de modo que não impossibilite sua tarefa. Não há tutoriais in-game sobre nada disso, e nem sobre no que se resumem as habilidades aumentáveis do herói principal. O manual de instruções é o único canal oficial com algumas ligeiras informações. Aliás, o official booklet é uma mão na roda na hora de saber que armadura e armas equipar e quando, já que Jake demora para acumular grana e os vendedores mal-encarados das lojas não entram em detalhes sobre aquilo que você está comprando. Só dá para saber que fez um péssimo ou um ótimo investimento mesmo depois da compra (não aceitamos devoluções)! Sobre as portas, às vezes o jogador tenta numa delas que estiver trancada todo tipo de item. Mas descobre tarde demais que nenhum dos 50 apetrechos listados no seu inventário podia fazer nada a respeito, e que o que faltava é dar uma explorada mais cuidadosa na cidade.

Quais peças de armadura Jake pode realmente vestir, a quantidade de spells e HP que possui no momento e até o tempo pelo qual um mercenário contratado vai permanecer na equipe são dados “invisíveis” e governados pelos pontos da ficha de personagem, ou seja, não se sabe sua dimensão exata, mas é possível prevê-las razoavelmente bem conforme se aumentam os atributos principais com os karma points obtidos ao longo da jornada. Três mercenários podem lutar, concorrencialmente, ao lado de Jake enquanto durarem seus serviços. Mas sua utilidade é questionável: estatísticas imutáveis (e, portanto, defasadas com o tempo), a necessidade de usar o cursor para acessar o inventário de cada um, a idiotia dos magos (se você não comandar “use magia” no meio da batalha, a um mago, ele não a usará, por mais que seja sua única especialidade e razão de ser!), a impossibilidade de assumir o controle temporário de um dos NPCs do seu time, etc., tudo isso junto torna essa prática facultativa a fim de zerar a aventura. Outra desvantagem notável: se Jake morrer, é game over instantâneo, não tem essa de seguir a luta com os sobreviventes e depois (no turno seguinte, ou só vencido o combate) usar ou comprar um revive ou refresh para gastar com o protagonista, como se faria com Chrono em Chrono Trigger!

Morrer seria mais aceitável não fosse a escassez de checkpoints: são só 3. Às vezes, por pura sorte, os inimigos acertam critical hits em Jake e você perde todo seu progresso recente (pense num RPG de mesa em que o Mestre joga um D20 e tira 20!). Mentiríamos se disséssemos que esse é um problema onipresente na narrativa: sua importância diminui quando Jake já tem armaduras tão fortes que causam “miss” para um grande percentual dos ataques adversários. Mas até chegar a este nível de defesa, muita paciência é requisitada!

Dar braçadas rumo à tela de the end poderia durar em tese umas 10 ou 12 horas, mas sem um FAQ o marujo de primeira viagem vai sem dúvida travar em pontos fulcrais e perder muito de seu tempo

Ser um decker ou shadowrunner não é só sair derrubando quem não vai com a sua cara. A outra metade do processo de investigação “no mundo real” vem do sistema de conversação de Shadowrun. Interagir (com a famosa “mãozinha”) com um NPC válido transporta-o direto para uma tela de diálogo. Você poderá lançar mão (desculpe…) do comando “Talk”, o jeito mais simples de bater um papo, como disponível em quase todos os Adventure e RPG games, ou usar a ferramenta elaborada e de certa forma exclusiva de Shadowrun, o comando “Ask”. O Ask só vai estar disponível depois das primeiras conversações com Talk do jogo. Nele estão compilados, em um submenu, todos os termos em negrito citados pelos falantes pregressos. São as chamadas palavras-chaves, que auxiliam e muito a entender o enredo e avançar. Adquirir uma palavra pode decidir de seu progresso na aventura, então é como se cada palavra-chave funcionasse como um legítimo item material. A lista fica bem grandinha com o tempo. Não há pistas muito explícitas de quem tem informações quentes para dar, e qual palavra do menu Ask usar com quem. Prepare-se, pois, para passar algum tempo nessas interações com NPCs atrás de soluções que por ora você não divisa! O lado ruim dessa interface tão original é que não existe uma ferramenta para gerenciar toda a informação que se amontoa, o que deixa as interações de menu cada vez mais macarrônicas, pari passu a maior “sabedoria” do seu personagem e do próprio RPGista (será?). Um exemplo prático esclarece o que eu quero dizer: conversando com um médico, se acontecer de ele mencionar a palavra “healing”, em realce no texto, o termo “healing” (cura) poderá ser utilizado como tópico de conversação, a partir dali, com quem quer que seja, médico, leigo ou traficante. Só que NPCs “dummies”, como 80% dos que encontramos pelas ruas das cidades de qualquer RolePlay que se preze, dirão apenas abobrinha acerca do assunto. Então teria sido melhor que os menus fossem mais enxutos, organizados por tema ou que nem todos os “novos assuntos” fossem acrescentados ao “vocabulário do personagem”, como se Jake fosse um bebê aprendendo a falar! Para quem ainda não “visualizou” o conceito de aprendizagem de palavras em SR, colocamos uma screen abaixo que torna a absorção desse sistema ainda mais didática:

Eis o tipo de CUZÃO com quem se deve interagir para conseguir as famigeradas PALAVRAS EM RELEVO, a ser acrescentadas em seu repertório de fala (menus) mais tarde…

A “terça parte” da gameplay, de acordo com alguns a mais instigante de todas, se dá no ciberespaço. Assim que você localizar um cyberdeck, sua ferramenta hacker mais importante, qualquer computador quadradão num escritório funcionará como uma porta para o “outro mundo” de Shadowrun, a Matrix. Ela não existe em carne e osso, são apenas dados de programação, daí a denominação. Seu objetivo neste mundo paralelo é coletar mais informações ou destrancar espaços restritos do “mundo real”, como portas que não abrem nem com explosivos ou depois de um curso de formação de chaveiros por correspondência (essa foi brincadeira, hehe! Matrix 2, alguém ?). Alguns resumiriam essa modalidade de jogo simplesmente como um Campo Minado dentro de Shadowrun. Jake se locomove por quadrados azuis onde diferentes eventos acontecem, ou simplesmente “podem acontecer”. Estratégia, cálculo e sorte se tornam sua “bússola” para navegar na Matrix. A visão, primeiramente, muda do ângulo isométrico para um perfeito top-down, podendo-se ver apenas a cabeça do protagonista. Isso para mostrar que você não está no mesmo mundo e passar uma impressão ainda mais minimalista (8 bits?). As reações animosas a Jake são chamadas de anti-vírus ou contra-programas; a defesa imunológica deste lugar a invasores como Armitage. Eles não podem ser vistos com antecedência, mas fica-se sabendo quantos “programas maliciosos” existem na “circunvizinhança”, ou seja, nas casas em que você pode tomar a decisão de pisar na ação seguinte. Por isso a comparação com o Campo Minado. Se a chance de pisar numa mina é 1 em 8, por que não arriscar? Uma em 2 já é discutível, já que você precisa pensar no que perde ao ser “retirado do minigame” num passo em falso. A diferença é que o sistema de jogo do cyberspace é mais complexo que um rotundo Minesweeper de Windows (não, eu nunca vou revisar este freeware!!!): se você tem razoável certeza de que o quadrado em que vai pisar é “maligno”, pode iniciar atacando-o. Se você não teve um pressentimento enganoso, a armadilha será desabilitada. Mas se era uma impressão falsa e a casa estava vazia, você perde uma quantidade de energia, sua barra de life neste mundo virtual. O nível de dificuldade do campo minado de Shadowrun não é absurda – e aliás nem deveria. A quantidade de informações e spoilers obteníveis também não é abundante. O evento mais corriqueiro dessas peregrinações é ter dinheiro depositado na sua conta. Ainda assim, é o aspecto mais inusitado de Shadowrun e muitos dos que lerem essa resenha talvez busquem experimentá-lo justamente para conferir em pessoa como é “o joguinho da Matrix”. E a escassez de possibilidades dentro deste submundo serve como um saudável lembrete: o mundo real está lá fora, Jake Armitage tem um corpo e não vai conseguir nada de concreto “vivendo” só nos códigos. Que ironia, tendo em vista que até a Seattle de J.A. não passa de entretenimento cibernético para NÓS!

Vai tudo bem em Shadowrun: um bando de samurai dentro de um escritório com computadores

Nunca é demais insistir: pontos de experiência não aparecem textualmente. A forma de compreender que você evoluiu é um aviso, após tantas kills, de que Jake Armitage possui novos karma points. Karma pode ser gasto apenas nas camas, quando você paga uma estadia ao dono do quarto (outras funções do sono: recuperar todo o HP e salvar o jogo; ou seja, só há 3 dormitórios no jogo inteiro, além do necrotério onde você começa, isto é, as confortáveis “gavetinhas do sono eterno”!). O que pode ser melhorado em Jake? “Atributos simples” e “habilidades”. São 3 atributos simples e 5 skills, o que garante não se tratar de um sistema complicado além do necessário. Assume-se que após 2 horas de “treino” em áreas cheias de monstros que se localizam perto de “camas de karma” (espécies de arenas no sentido romano da palavra) seu personagem já terá uma ficha capacitada para zerar a aventura. Mas não é questão unicamente de “montar sua ficha”, como vimos, e é imprescindível saber ou ter uma boa intuição sobre que lugares visitar na seqüência, que itens procurar e usar e com que sujeitos abrir o bico (e além disso qual assunto abordar, coisa rara para um jogo tão antigo!).

O surpreendente neste Jogo de Interpretação de Papéis quase-de-mesa no seu SNES é que as batalhas são simultâneas! Ou não seria tão surpresa assim? Se considerarmos que num RPG com mestre, amigos, livrão, folhas de papel a rodo, lápis, estojo de dados e muita imaginação, sobretudo se bem jogado, e com o devido negrito no último componente, os combates sempre inserem os jogadores em perigos reais e iminentes de perder a vida, não é nada estranho que tentassem replicar esse feeling na rendição eletrônica. Para compensar o desastroso fator da gameplay que impede a concomitante utilização do cursor de mira e a locomoção do personagem, tem-se a habilidade de disparar sua arma e convocar feitiços ao mesmo tempo. Se pensarmos que você pode contratar até 3 mercenários e que o inimigo raramente ataca sozinho, a batalha campal está armada; e, sim, tirando as batalhas em que o gamer só se engaja para ganhar XP, elas podem ser bastante divertidas. E mesmo com tanta ação rolando na tela, não podemos dizer que o jogo seja um Action RPG; afinal batalhas em turno – como em Final Fantasy – também não são uma reedição assim tão fiel de RPGs tradicionais (de suporte físico): bons mestres penalizam jogadores por suas falas inconvenientes ou extemporâneas e pela lentidão ou leniência na ação, justamente o que este sistema volta a propor.

Cada adversário deixa de 10 a 250 Nuyen em espécie após ser derrotado, ou então algum item – isso quando realmente deixa alguma coisa. Afora esse método de ganhar dinheiro (matar, matar e matar um pouco mais), só ficou faltando descrever a “hackeada em contas de banco” – leia o parágrafo sobre a Matrix para uma leve alusão.

GRÁFICOS

O conceito é, sem dúvida, ambicioso para o período. Mesmo que criatividade não tenha preço nem exija, em tese, recursos tecnológicos que lhe dêem suporte, replicar um Role Playing Game a essa altura parecia exigir todo o hardware do SNES. E é fácil de comprovar que essa afirmação faz, sim, sentido. As idéias, por melhores que sejam, não entram em prática sem um convincente arcabouço de imagens capazes de as representar, substituto natural que é a tela da TV da imaginação na dinâmica do Story-telling (não à toa se diz que a televisão imbecilizou o homem americano). Tudo que é dito para a imagem também vale para o som, então vou me poupar de comentar o segundo aspecto:

O problema do visual do game não está na equipe que o desenvolveu, mas em ser precoce e não se beneficiar duma tecnologia avançada o bastante. O SNES fez o que pôde. As pessoas e objetos são renderizados numa escala irrisória, o que pode interferir na gameplay para os de vista menos acurada. Mas se não exigirmos muito do processador da máquina, podemos ignorar o emprego freqüente e repetitivo das mesmas estruturas e avatares, o que não prejudica a ação do RPGista em si, mas apenas eleva o nível de tédio. Todos os orcs têm a mesma cara; qualquer empresário parece um clone do primeiro com quem você tratou na estória, e assim por diante. Sem falar nos slowdowns quando a tela dispõe de 7 ou mais NPCs em combate.

O segredo é “manter a karrma” (diz o Chico Bento) – ao dormir, você recupera HP, dá save e ainda aloca karma points (XP) nos atributos que precisa elevar!!!

CONCLUSÃO

Story-telling cyberpunk não fica muito melhor do que isso. Shadowrun é o mais completo possível: diversidade mediana de atributos, desenvolvimento paulatino do personagem, uma realidade virtual inteira para explorar (a Matrix, criada com fins pacíficos pela corporação DayGlo, acaba sendo atacada e subvertida, no enredo do jogo) e aquela ambientação noir e de wasteland típica de um híbrido entre Mad Max, Blade Runner e Hokuto no Ken.

Uma reclamação sobre o enredo, se me permitem (agora que já me leram tanto), que é o ponto forte do título? A narrativa gira exclusivamente em torno de Jake, o que é um desperdício. Sua equipe pode, a rigor, ser composta o tempo todo por 4 mercenários, mas nenhum tem um enredo que sai do lugar para dinamizar as coisas a não ser Armitage. Nem mesmo as estatísticas desses warriors secundários são melhoráveis, como já tecido. No fim, é só uma aventura-solo de um autêntico “parasita da computação”. Se um mercenário contratado morre, ele pode ser reencontrado no mesmo lugar de quando houve a primeira interação entre jogador e NPC; e ele “não se lembrará” de nada, será mais um personagem secundário normal da Seattle de Shadowrun. Sobre a única narrativa disponível, portanto, avaliamos que é interessante o bastante para atraí-lo até o desfecho, mas nada mais. Nada épico além da conta; nada que faça de Shadowrun um “injustiçado pela História”. Isso faz com que SR se encaixe numa categoria um pouco paradoxal: recomendado estritamente para o nicho de cyberpunk RPG gamers; se bem que considerando que universos cyberpunk muito mais elaborados foram produzidos nas últimas gerações de consoles, o sujeito teria que ser um pouco nostálgico (anti-cyberpunk!) para apreciar este despretensioso cartucho de SNES. Bom para jogar nos intervalos entre RPGs enormes de dezenas ou centenas de horas como os de hoje em dia!

Parece que essa foto já saiu 3x na matéria, mas garanto que é a primeira aparição!

CURIOSIDADE 1: Como vários games “underground” que venho revisando ultimamente (ao contrário da opinião do nosso assíduo leitor Mauro “@Jetrotal”), Shadowrun também figura no livro 1000 Videogames que você deveria jogar antes de morrer, que até onde eu sei não possui tradução para o português (adaptei o título), do autor e gamemaníaco inveterado Tony Mott, do site mobygames.com. Taí uma boa idéia: quem sabe eu arranjo tempo pra dar um tempo nas resenhas do rafazardly e embarcar numa “tradução” dessa obra de arte? O que vocês acham? Confesso que ainda não pus as mãos na leitura, apesar de indicá-la a torto e a direito… Quem quiser me dar de presente (deve ser um pouco caro), jaz acá o convite!

CURIOSIDADE 2: Por que o Shadowrun de Mega Drive, lançado um ano depois, não tem qualquer diferença na nomenclatura e no entanto está longe de ser um remake deste SR? A história é complicada e não sabemos todos os detalhes, mas parece que, mesmo mantendo o controle da marca naquele período, a Data East acabou por concordar que a Sega “sublicenciasse” o produto, e o que vemos é uma engine inteiramente inédita criada por programadores totalmente outros (engine que revisamos no nosso review ).

CURIOSIDADE 3 (CONTÉM SPOILERS!): O enredo do game segue quase que fielmente o do livro de Robert Charrette (“Nunca pechinche com um Dragão” [tradução livre] é o volume 1 da saga literária Shadowrun): um protagonista que começa como decker mas descobre no meio do caminho ter poderes xamãnicos e estar conectado ao totem do Cachorro; o plano da Aneki Corporation para desenvolver uma inteligência artificial (agente Smith?) que tomasse conta da Matrix, etc. Se bem que há também divergências: Aneki é, além do nome da empresa, um dos intrigantes NPCs. Na versão de mesa do RPG, o controlador da corporação insidiosa chama-se Renraku no lugar; já o vilão principal é um dragão chamado Senhor Drake no livro e apenas Drake, sem o “Mr.”, no jogo. Outra mudança essencial: nos livros Jake só põe um fim às tramas da Aneki Corp. no terceiro volume; no jogo, obviamente, já temos uma conclusão satisfatória para os eventos, já que este é o “único volume”. O terceiro volume de Shadowrun por escrito foi publicado em 1998, bem depois deste jogo.

CURIOIDADE 4 (CONTÉM SPOILERS!): Veja esta imagem da zeração de Shadowrun:

Estava nos planos da Data East continuar sua cooperação com aNintendo no formato de uma continuação; se exclusiva ou não, já é outra história. Mas por algum motivo o game não saiu; e, você viu acima, NÃO se trata do SR de Mega. Ou seja: não só não veio a prometida seqüência como pareceu até que ela pintou para o concorrente da Nintendo, como muita gente concluiu à época (o prenúncio da novela Final Fantasy VII?). Ou seja, ficou feio pros caras da Data East! Ou terá sido apenas humor nonsense dos desenvolvedores, brincadeira que não era para ter maiores conseqüências? Vai saber… Tem gente procurando a Triforça no Zelda: Ocarina of Time e a chave de gelo no Banjo-Kazooie até hoje!

Lista de agradecimentos pela cessão de informações e imagens

GAMEFAQS.COM:

Mister Sinister

hangedman

Jewis

Admiral

Tmola

Tropicon

MOBYGAMES.COM:

patrick quinn

Pirou Julien

BurningStickMan

Gonchi

Unicorn Lynx

JUSTGAMESRETRO.COM:

The J Man

RPGMAKER:

Mike Moehnke

RPGFAN:

Dancin’ Homer

HONESTGAMERS.COM:

Gary Hartley

versão 2 – 2017; 2025.

® 2002-2025 0ldbutg8ld / RAFAZARDLY!

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