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blood omen: legacy of kain (pc & ps)

PC & PlayStation

Blood Omen: Legacy of Kain

Kain The Vampire (Japão)

F I C H A    T É C N I C A

Developer Silicon Knights

Publishers Crystal Dynamics (EUR, PC; EUA, EUR, PS), BMG Interactive (JP), SCEA (EUA, PS, relançamento), Square Enix (EUR, PS, relançamento), Activision (EUA, PC)

Estilo Action Adventure > 2D, top-down

DATAS DE LANÇAMENTO:

PS

01/11/96 (EUA), 03/97 (EUR), 30/05/97 (JP), 10/09/09 (EUA, PSOne Classics), 09/11/11 (EUR, PSOne Classics)

PC

03/97 (EUR), 31/08/97 (EUA)

NOTA

7.8

Este jogo é pra…

(  ) passar longe  (X) dar uma jogadinha de leve  (X) dar uma boa jogada  (X) jogar freneticamente  (  ) chamar a rua toda pra jogar  (X) um tipo específico de jogador. Qual? Vampiros másculos que nunca ouviram falar de Crepúsculo; os fartos de maniqueísmo; pessoas interessadas em genealogias, embora haja muita coisa pré-kainiana em Legacy.  (X) incógnita

Legacy of Kain é uma série tão memorável quanto problemática. Memorável pelo que dispõe dentro da tela. Problemática pelo “extra-campo”: não são muitas as franquias com mais episódios cancelados do que lançados, e LoK consegue ser uma delas! Certo é que a idéia dos criadores deste épico do entretenimento foi desde o início proporcionar uma saga fabulosa em que adultos também pudessem participar. Em outros termos, você não controlaria exatamente a fada dos dentes no jogo! Pra falar a verdade, Kain, nosso protagonista, foi baseado em tipos muito mais durões, como o papel de Clint Eastwood em Os Imperdoáveis, um western sem os previsíveis papéis de vilão e mocinho. Outra influência estética decisiva foi Necroscope, folhetim novelesco de temática sobrenatural, dos anos 80, de Brian Lumley. Acontece que Kain devia dar o ar da graça pela primeira vez no infame 3DO, um dos videogames com piores bibliotecas de títulos que se pode figurar…

Os desentendimentos entre a Silicon Knights, detentora original dos direitos da mitologia kainiana, e a Crystal Dynamics – que era afinal quem injetava a grana forte – adiaram o nascimento da série por dois anos e o palco de estréia foi modificado para o PlayStation, mas a briga judicial para resolver sobre a legalidade contratual na cessão de direitos autorais e outras minúcias burocráticas como que continua até hoje (durante o making of do jogo a polícia chegou a ser chamada no prédio em que as duas empresas rixosas marcavam uma reunião)!

* * *

Mas, falando do jogo que finalmente ganhou as lojas, Blood Omen: Legacy of Kain, os próprios developers compararam o crescimento do projeto – desde a beta para Panasonic 3DO até o final do ciclo nos 32 bits – como “uma casinha que, reformada, virou uma mansão luxuriosa”. Sorte a nossa, se estiverem falando a verdade. É mesmo difícil imaginar que o jogo pudesse ser ainda melhor. Tal como ficou, é uma das gemas obscuras do PSX: bem-lapidada e no entanto pouco conhecida, pelo menos muito menos que sua continuação.

Você é Kain, muito antes de ser o vampiro glorioso e tirano conhecido dos fãs de Soul Reaver: um mero humano atrás de encher o caneco numa taverna de quinta. O dono não está muito feliz com sua presença e o expulsa do estabelecimento. Uma multidão de rufiões o cerca e você é linchado até morrer (Game over assim tão cedo? Você é ruim mesmo, hein, cara!). Mas talvez seu assassinato não tenha sido tão prosaico e acidental assim (bom, uma turba se reunindo para linchar alguém parece premeditado e excepcional o bastante para aparecer no jornal no dia seguinte, mas não é isso que eu quis dizer!)… Uma vez no inferno, um sujeito parecido com o Esqueleto do He-Man oferece a oportunidade do regresso ao mundo da superfície e a almejada vingança de Kain. Você vende sua alma sem hesitar e… Pronto, sua metamorfose em ser das trevas está feita! Transmutado em imortal sanguessuga, é hora de brincar de chutar bundas lá em cima, digo, aqui mesmo. O enredo não encerra seu potencial nessas escassas e simplórias linhas, evidentemente. Mesmo depois de quitar o débito com seus homicidas, Kain ainda tem muito o que fazer e se engaja numa jornada para livrar sua terra da corrupção que a assola, do seu ponto de vista, pelo menos. Como o ser humano vale pouco!, é o seu principal pensamento post mortem. Sem alternativa a não ser agir de modo brutal e sádico, o protagonista não é mais do que alguém que caça a todo custo a ebriedade, continuando a sina de sua vida pregressa e mortal. (Só que dessa vez não estamos falando de bloody mary, mas de sangue, o clássico mesmo! Cedo, os adversários e mesmo NPCs neutros serão vistos tão-somente como bancos ambulantes de glóbulos vermelhos e plaquetas) Um debate interno na mente de Kain também se desenrolará junto com a trama: por que ajudar alguns desses humanos repelentes que não eram nada legais comigo quando eu era de seu rebanho rebanho? As coisas vão, entretanto, adquirindo cada vez mais cores e matizes, e breve estará instalado no seu PlayStation um masterpiece em termos de storyline e fidedignidade sonora…

Blood Omen: Legacy of Kain funciona numa interface digna de um old-fashioned Zelda (salvo pelo fato de que você joga como um vampiro ao invés dum elfo paspalhão e que há várias cutscenes ornando a gameplay), com as mesmas múltiplas cidades e dungeons do clássico nintendista mais uma porrada de secrets no mapa, sempre visto de cima. Os puzzles são simplezinhos e você não precisará esquentar muito com eles. Se tem um switch numa sala, é quase certo que ele abrirá exatamente a porta que você precisa atravessar para chegar ao chefe, sem rodeios. Eclético esse tal vampiro Kain, já que ele incorpora ainda o mago, lançando spells, se transforma em morcego, lobisomem e uma pletora de outros shapes (sentiu o gostinho de Alucard do bagulho?) e vira e mexe, obviamente, finca seus caninos em pescoços alheios (infelizmente, a operação é menos literal do que minha ambição poética deixa transparecer – Kain normalmente “convoca” o líquido da vida para sua bocarra ostentatória sem necessitar, para isso, entrar em contato com a pele da vítima e iniciar sucção…). Os métodos de ataque não diferem de outros Adventures, inclusive no que se refere às toneladas de espadinhas que se acumularão pelo caminho. Uma vez que as vítimas estejam tontinhas da silva, naquela pose de “Finish Him!” do Mortal Kombat, é hora de dar um tapa na tecla “O” para sorver o vinho e preencher seus HPs. Pode-se chupar o sangue de praticamente qualquer coisa viva no jogo, não só humanos, e as dungeons costumam apresentar corredores repletos de prisioneiros gemendo em suas correntes, implorando liberdade (para pedir liberdade a um vampiro, imagino que estejam se referindo eufemisticamente à morte, preferindo sofrer um ataque brutal e expirar de uma vez a uma lenta e excruciante putrefação no calabouço). É como eu disse da falta de escrúpulo de Kain: não tenha pena ou compaixão, esses figurantes são apenas como os coraçõezinhos de Zelda; se Kain não aproveitar o banquete, vai ter problemas nas próximas salas da dungeon… Alimente-se com cautela, entretanto: algumas das vítimas, principalmente as bestiais, tendem a apresentar toxinas na corrente sangüínea, o que só iria te ferrar… Sem ter muito como se perder nos layouts lineares da aventura, os principais descaminhos de Blood Omen dizem respeito à detecção de colisão meio capenga e à navegação nos menus, que deixa os apressadinhos exasperados, com seus loadings de 10 segundos… Outra preocupação é que a iluminação das telas é praticamente inexistente, e é um alívio saber que o feitiço “Light” será aprendido logo no começo.

Cada descrição, início de novo capítulo na narrativa (a maioria por Kain – Simon Templeman no mundo real – em pessoa, por sinal) e fala é devidamente dublada. As vozes estão magníficas e naquele tom medievalesco pomposo que todos esperam de um game de fantasia. Deixar o som da sua TV alto é recomendável, visto que não há legendas hora nenhuma em BO:LK (o que não foi uma boa idéia, diga-se de passagem). Entendendo inglês, é muito fácil submergir nos meandros da trama e na perturbada psique do anti-herói. Kain resmunga de si para consigo constantemente acerca de quão verde costumava ser o vale quando ele não passava de um humano, e sobre como tudo agora é ou muito cinza ou intensamente escarlate. Os amigos e inimigos (Kain tem muito mais inimigos do que aliados, dada sua natureza belicosa e imoral) são ricos em filosofias de vida viradas do avesso… Há tantos desses NPCs, aliás, que você cedo perceberá que o elenco de dublagem (não há repetições de atores para economizar no budget aqui!) de Blood Omen é francamente superior em número, por exemplo, ao da primeira dublagem de Cavaleiros do Zodíaco na versão tupiniquim (em que um mesmo profissional dubla uns 10 caras, às vezes dois no mesmo episódio! – pensou que a gente não ia notar, hein, Gota Mágica?!). Seja como for, o brilhante enredo de Blood Omen oferece 20 a 30 horas de muitas gotas de sangue e dois finais para o jogador.

* * *

CRÔNICAS DE DUAS FALÊNCIAS ANUNCIADAS

Como apêndice à resenha, trago aqui os bastidores do que poderia ter sido um dos carros-chefes nas vendas do concorrente do Sony PlayStation, o Sega Saturn, mas que acabou jamais virando realidade: o próprio Blood Omen: Legacy of Kain, só que melhorado! Acontece que, em que pese o título já estar quase 100% pronto à época, não se entrou num acordo para lançar uma versão que tinha tudo para desbancar os gráficos de PS (já que o jogo é 2D) e eliminar os loading times. Faltou a coragem de um distribuidor, com medo do lançamento ser um fiasco comercial, já que os RPGistas de Saturno se concentravam quase todos no Oriente. A Activision, que cedo substituiu totalmente a Crystal no litígio do Legado de Kain, se recusou, e a própria Sega, dona de RPGs que fizeram a rota americana e venderam que nem água (Dragon Force, p. ex.), não bateu o pé e mostrou a mesma firmeza quando o projeto era de outro (conquanto já testado e aprovado pela comunidade). Nem a Working Designs, uma das mais ativas publishers e localizadoras de RPGs do período, parecia saber do que se tratava Legacy, já que se concentrava no subgênero nipo!

PC

O nome Legacy of Kain deve ter algo de maldito, porque também está ligado a outra falência importante no mundo dos games, que narro neste fim de anexo à resenha. A developer de Blood Omen, Silicon Knights, tão promissora, deixou-se levar por incontáveis erros estratégicos, até sucumbir aos credores em 2013. Alguns anos depois desse capítulo inicial da série Legacy of Kain, a SK estava prestes a lançar Eternal DarknessNintendo 64, desenvolvido em parceria com Shigeru Miyamoto –, que ficou 90% pronto mas só saiu anos depois para GameCube. Cancelamentos acontecem, é lógico, mas com a Silicon Knights isso era tão rotineiro que abriu uma sangria nas contas da empresa. Catorze anos depois de estar iniciado o desenvolvimento de Eternal Darkness de N64 com total carta branca da Nintendo (mimo privilégio de poucos) era inacreditável que os contínuos desmandos da corporação tivessem levado os caras ao extremo de mendigar e bater de porta em porta de 3rd parties atrás de patrocínios para continuar desenvolvendo um protótipo bastante incipiente de Eternal Darkness II (potencialmente para Wii U, visto que a marca ED ainda era co-propriedade da “Big N”)!… Isso se chama, na linguagem dos games, ir do céu ao inferno em apenas uma década e meia. Situações como a da novela da trilogia sci-fi chamada Too Human contribuíram muito para esse quadro: tido como um dos mais barulhentos lançamentos programados para os 32 bits, Too Human só viu a luz do dia no X-Box 360!!! Sem falar que as duas continuações também enrolaram aeons e nunca saíram!! A falta de comprometimento e planejamento da Silicon Knights, os forjadores de Legacy of Kain (marca hoje em dia nas mãos de gente mais séria como a Eidos e a Square Enix), foi tanta que um dia (merecidamente, pelo visto) ela fechou as portas.

Lista de agradecimentos

Victor Augusto, que me mostrou o fórum do NeoGAF.com onde pude obter valiosas informações sobre os projetos cancelados da franquia Legacy of Kain e a errante trajetória da companhia Silicon Knights;

Mama Robotnik do supracitado NeoGAF;

Editoriais do sega-saturn.com;

HighEntomologist, Mister Sinister e TheSarafanPurge do GameFAQs.

Por Rafael de Araújo Aguiar

versão 2 – escrito em 2013, revisado e atualizado em 2023.

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