Super Famicom


Bahamut Lagoon

F I C H A T É C N I C A
Developer SquareSoft
Publisher SquareSoft
Estilos Role Playing Game / Turn-based Strategy >
Fantasia/medieval
DATAS DE LANÇAMENTO:
SNES
09/02/96 (JP)
Virtual Console
29/09/09 (JP), 05/02/14 (JP)
NOTA
8.1
Este jogo é pra…
( ) passar longe ( ) dar uma jogadinha de leve (X) dar uma boa jogada ( ) jogar freneticamente ( ) chamar a rua toda pra jogar (X) um tipo específico de jogador. Qual? Quem gosta de passar mais de 50h zerando um título crossover J-RPG/J-TBS. ( ) incógnita
Depois de dois blockbusters no fim da carreira do SNES (simplesmente Final Fantasy VI e Chrono Trigger), a Square ainda tinha a pachorra e o fôlego para mais um grande lançamento, dessa vez no gênero Estratégia, apesar de mesclado com muitos outros elementos de Role-Playing: Bahamut Lagoon. Para o seleto grupo de fãs do estilo – alocados principalmente no mercado oriental – se trata de um épico virtualmente sem falhas. O enfoque do título é em dragões, mas os produtores souberam transcender os clichês desse tipo de enredo ao emprestar o máximo de originalidade ao sistema de batalhas e evolução dos (vários) personagens.

De importância primária num strategy, temos as formações de batalha. O gamer terá acesso a 6 grupos de 4 personagens cada. Faça a conta e se surpreenda com a possibilidade de guiar duas dúzias de vidas artificiais numa saga que tem potencial para durar dezenas de horas até ser finalizada! Mas além dos humanos há que se considerar ainda as criaturas mitológicas aladas cuspidoras de fogo, num total de 6, isto é, uma por equipe. É concedida total liberdade para compor os times, transferindo personagens de “n” funções de um para outro, com a única exceção do protagonista, que deve ser invariavelmente o líder da equipe n° 1. A armadura que cada membro da formação utiliza a dotará de diferentes características: ilustrativamente, Armaduras Pesadas possibilitam Smash Moves, isto é, muito impacto ofensivo; Armaduras Leves intensificam a capacidade de mobilidade da tropa; guerreiros que prescindem de armaduras como Magos, Pregadores e Convocadores, por óbvio, transformam a tropa num adversário letal em termos de magia. Adicionando complexidade e ecletismo, as unidades podem ser uma mescla balanceada de todas as classes, embora juntar vários especialistas homogêneos num tropel só também tenha suas vantagens. Uma delas é que se um mago está sozinho, pode lançar spells de, no máximo, nível 10 (não se ultrapassa esse valor individualmente). Porém, se estiver reunido com outros, essa escala pode atingir 40, destrancando spells raros e devastadores. Ainda mais: se o jogador souber alinhar uma equipe com o tipo de dragão certo, que corresponda aos talentos dos personagens sob sua alcunha e proteção, o nível de combate certamente aumentará. Um mago pode lançar feitiços de diferentes elementos. Se o elemento básico do dragão for o mesmo, aquele poderá provocar dano extra.

A princípio seus parties (grupos) se movimentam e agem de forma independente e autônoma pelo tabuleiro/terreno. Os inimigos possuem configuração correlata. Mas depois de um primeiro turno em que se estabelecem os preparativos para o arranca-rabo a integração entre as unidades será maior. Cada tropa poderá se mover distâncias diferentes baseada na posição atualmente ocupada e nos números de seus componentes. Ou pode, a cada turno, atacar ou escolher habilidades específicas. Desde já avisamos que o sistema privilegia combates mano-a-mano, evitando a tática (barata) dos assassínios (covardes) a distância! As supracitadas “habilidades” não incluem itens do inventário, que podem ser usados indiscriminadamente sem gastar turnos – inclusive mágicas de healing coletivas. É possível atacar de 7 a 30 vezes por turno, até que seja a vez da CPU, cada ataque selecionado manualmente. Após cada turno, pontos de experiência e itens (em caso de mortes de adversários) são distribuídos. Em suma, temos uma engine que é uma espécie de meio-termo entre Final Fantasy Tactics e Ogre Battle da Atlus.

Spells e habilidades possuem a potencialidade de alterar o terreno em que se dá o combate. Se seus magos desencadearem uma magia de fogo na floresta, os oponentes não sofrerão apenas o dano correspondente à magia para aquele turno, mas a cada rodada o incêndio prosseguirá e forçará o deslocamento ágil das vítimas. Relâmpagos destroem edificações. Magia de gelo congela a água. Terremotos rebaixam o nível das montanhas do cenário. E healing spells purificarão pântanos corrompidos e envenenados. Para completar a diversificação, o dragão age após os seis turnos de seus apaniguados, isto é, no final do turno do jogador (e são uma prerrogativa exclusiva do “time do bem”) – pode ir, vir ou esperar, mas não se pode escolher um alvo específico para suas investidas (isso é o que mais o diferencia dos PCs humanos). Como capitão ou totem do grupo, é de se esperar que um dragão tenha atributos muitas vezes superiores aos dos humanos que compõem o bando. Eles só se tornam um obstáculo e uma fonte de frustração devido à IA rasteira que apresentam. Costumam ignorar dispositivos inimigos que causam dano como os canhões automáticos e lhes falta mira ou oportunismo: insistem com freqüência em atacar somente a figura mais forte do time rival, mesmo que as criaturas mais fracas ao seu redor funcionem como healers contínuos de suas forças, ou seja, mesmo que a fonte do HP da equipe adversária seja muito mais facilmente contra-atacável por outros métodos mais simples. Tais jogadas “cegas” ou “burras” podem ocasionar a auto-destruição, isto é, a morte do ícone, o dragão, o que enfraquece bastante o poder dos humanos até o final do combate. Um implemento da Square que NÃO chega a tornar o jogo mamão-com-açúcar mas que aceitamos com muito prazer é que, após a vitória, todos os personagens, humanos ou monstruosidades pantagruélicas, são revitalizados em 100%; em outros termos, voltam ao HP e MP máximos, sem falar em outros stats que se desgastam no decurso de um combate.

A principal atividade fora das lutas em Bahamut é alimentar dragões! Apesar de ser um procedimento facultativo, já que dragões evoluem naturalmente como os outros personagens, ou seja, por experiência, vai ser muito mais cômodo e eficiente dar coisas de seu inventário para que ele possa comer e subir de nível instantaneamente. E quando digo itens do inventário, não me refiro a materiais orgânicos ou que se pareceriam remotamente com comida de dragão: QUALQUER coisa vai servir. Dragões – supondo que eles existem! – extraem energia e vantagens de livros, espadas e o que quer o gamer cisme em dar-lhes… Os atributos dos dragões são ricos: além do HP e MP, 5 afinidades elementais e algumas outras estatísticas de miscelânea. Tudo isso é ampliável via glutonia! A característica melhorada sempre tem a ver com o objeto em si. Como citado acima, dar uma espada ao dragão só poderia mesmo resultar em aperfeiçoamento do ataque. Mas além disso, o psicológico do dragão pode ser configurado – tenderá a ser mais agressivo e atacar fisicamente mais vezes durante os confrontos. Livros tornam dragões mais inteligentes, embora o conceito do dono diante deles fique prejudicado! Armadura do elemento trovão desencadeará o aprendizado de spells nessa área, além de um pouco de defesa. Equilíbrio na hora de alimentar o dragão pode significar inclusive criar um Master Dragon, uma ocorrência rara no jogo e privilégio de especialistas: trata-se do tipo perfeito de dragão, que certamente levará o jogador a um fácil final; mas é trabalhoso para ser alcançado! Quando se quer dar um mesmo item múltiplas vezes ao dragão é que o game peca um pouco. Vamos supor que haja 99 unidades de “x” no seu inventário. Para dar tudo na boca do dragão, serão necessários 99 cliques, a repetição ad nauseum da função feed outrora tão simples, sendo impossível agrupar rapidamente a quantia desejada como “ração de dragão”.

Num jogo de estratégia em turnos os comandos nunca atrapalham: o que pode prejudicar na ação (ou falta de ação!) é justamente a disposição dos menus, enfim, a interface. Quanto à responsividade dos comandos, nem há que se avaliar qualquer falha. Eles conseguem ser simples mesmo num gênero de aprendizado tão árduo. As opções serão perfeitamente legíveis e coerentes (desde que em inglês para os standard players, sendo ainda mais convidativas mesmo no cartucho original para os nipônicos fluentes). Ocorrem apenas “travas” menores que impedem uma fluidez total. Fora das batalhas, existe um botão para dar sprints (corridas) e economizar tempo nos deslocamentos no overworld map, mas em algumas situações a duração das batalhas é lenta até mesmo para amantes do gênero estratégia e podia ter sido drasticamente reduzida se incluíssem opções para desligar animações de golpes e outros efeitos supérfluos.
Alguns menus só podem ser acessados exatamente no momento pré-luta. Não existe auto-equip, então o jogador deve posicionar os itens em algum dos 48 slots disponíveis a fim de contar com eles nas lutas, não bastando tê-los obtido. Outras opções, apesar de existentes, estão um pouco escondidas, como ver os stats dos inativos da equipe ou salvar no transcorrer de uma batalha.

As músicas são de um bom nível, mas o tema principal de combate, por exemplo, sofre de sobre-utilização. Quanto aos efeitos sonoros, os dois reviewers que consultei como parâmetro, para ser ter uma idéia, se dividiram na questão: Michael Peters do RPGamer.com disse que era uma vergonha que um jogo de 1996 para SNES trouxesse FX sounds tão primários; MaullarMaullar, do GameFAQs, afirmou exatamente o contrário! Eu fico em cima do muro…

Bahamut Lagoon pode ser considerado reprise de uma fórmula já consagrada. Segue o script básico de jogos de estratégia com RPG para evitar errar. É competente, mas maçante em alguns detalhes e mera emulação, em muitos aspectos. Mas inegavelmente trouxe elementos 100% inéditos à arena. O conceito de trabalho em grupo e de controlar uma multidão quase que simultaneamente ganhou com isso em profundidade. A possibilidade de alterar os duelos mexendo no cenário também é louvável. Um bom detonado de Bahamut ofereceria uma sugestão para solucionar os desafios, mas deixaria claro que há 100 outras formas de lidar com as mesmas situações, dependendo-se apenas da própria criatividade e poder de reação e decisão do jogador. Muitos dos ataques vêm às expensas da versatilidade e da acurácia proporcionadas pelo time desenvolvedor e pelos raciocínios inusitados do gamer.

A maior parte do tempo a storyline vai se descortinando sem pressa. Detalhes são suficientemente explicados e explorados em diálogos (principalmente entre as mais duras batalhas, na entressafra) e a motivação e os anseios de cada personagem são translúcidos. Cada um, inclusive, possui uma personalidade bem-delimitada e reformulável à medida que os acontecimentos in-game a afetem, o que não acontece, por exemplo, em Ogre Battle. Os indivíduos que apresentarem estórias mais insípidas poderão ser descartados pelo gamer, com o intuito de formar pelotões mais carismáticos segundo os próprios conceitos. Afinal, nem só de números e nível de experiência vive o mais hardcore dos RPGistas/estrategistas! O trecho final do jogo apresenta uma vastidão de batalhas sucessivas, mas que não parecem gratuitas, graças às reviravoltas excitantes do enredo. Mesmo quando o jogador é praticamente declarado o vencedor final, no que parece ser o preâmbulo dos créditos, eventos de grande calibre se sucedem e a adrenalina vai às alturas. A expectativa de quando se vai chegar ao desfecho autêntico domina a ação.

Bahamut Lagoon segue o exemplo do grande clássico Chrono Trigger e seu New Game+ (ou new game plus), aberto assim que se fecha a aventura pela primeira vez. Trata-se de uma retomada do zero, com pequenos acréscimos, ou seja, um main mode mais encorpado. Aliás, o jogador começa até desproporcionalmente superior aos antagonistas, com os stats e itens da jornada pregressa preservados. Alguns spells são exclusivos dessa versão EX dos personagens. Side quests especiais para personagens mais fortalecidos aparecem. É a oportunidade perfeita para humilhar criaturas, antes isoladamente desafiadoras, em massa, com poucos ataques, ornando a superfície de cadáveres! Pelo menos para os sádicos e ressentidos, é uma chance que não será desperdiçada… Outros têm o direito de considerar tal procedimento sem-graça, uma vez que o desafio cai muito depois de se ter aperfeiçoado suas tropas e dragões ao nível da excelência.

Bahamut Lagoon talvez não seja um Star Ocean ou Tales of Phantasia, mas é graficamente impressionante. É como estar jogando um RPG de primeira geração de Sony PlayStation. Essa sensação aumenta durante as batalhas e seqüências animadas, quando os quadros e sprites dos personagens são mostrados em toda a sua riqueza de detalhes. Dê uma olhada nas cores e no emprego dos efeitos de luz. Parece coisa de outro mundo para quem viu Super Mario World rodando no mesmo hardware! Alguns sprites de inimigos foram pegos de Final Fantasy VI, mas essa é uma prática comum da Square, e FF6 fica, no cômputo geral, bem abaixo dos gráficos de BL! Quando um personagem empunha sua espada e acerta o adversário, você não se limita a ver o boneco se adiantando na formação e um traço diagonal aparecer magicamente cortando os sprites do personagem atacado. A espada realmente encosta no inimigo e interage com o corpo dele. Quando um personagem está com pouco HP, sua animação de fadiga é equiparável a de jogos de luta, em que os sprites são bem maiores, pois o boneco passa a respirar com dificuldade e transpirar bastante. Por falar em grandeza de sprites, de acordo com as imagens dessa matéria, o destaque primordial vai para a apresentação visual dos dragões – as estrelas da trama, de toda forma! Ver as seqüências de morte também é esteticamente proveitoso. O céu dá mais um tanto de deleite. Os gráficos têm avaliação perfeita em todos os reviews do game.

Bahamut não é para qualquer um. Não é para o aventureiro ocasional. Não é para o desprovido de talento e paciência. Ou ao menos não deveria ser. A saga é tão encantadora que pode pescar um ou outro não-familiarizado. O difícil será essa parcela se manter fiel até o final. O difícil será essa massa conseguir chegar ao fim, para ser mais exato! A partir da quarta batalha, mais ou menos, o gamer não terá mais tanta liberdade para fazer experimentações gratuitas – a essa altura já deve ter aprendido como tudo funciona, ou estará fadado a sucumbir (ou ver toda sua equipe sucumbir num piscar) com um mero spell diante do inimigo bem-guarnecido. As forças do mal estão sempre com mais capangas do que você, por mais que 30 PCs (contando com os dragões) seja um número alto inclusive para um jogo do gênero strategy.

Em tese, nada de Bahamut Lagoon para Europa e América do Norte. Mas para isso – para nos atender, a nós, os necessitados! – existe a póstuma localização de ROMs… O time da DeJap, que também traduziu de maneira formidável Star Ocean, da (então) concorrente Enix, recebe os créditos pela empreitada!
Agradecimentos a Seán Michael Peters do RPGamer e MaullarMaullar do GameFAQs.
Por Rafael de Araújo Aguiar
versão 2 – criado em 2012, atualizado em 2023.
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