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omikron: the nomad soul (dc/pc)

REVIEW #1068 DO 0LDBUTG8LD/RAFAZARDLY

! ALGUNS CONTEÚDOS DESTA MATÉRIA SÃO CONTRA-INDICADOS PARA MENORES DE 18 ANOS (EROTISMO GRÁFICO LEVE) !

Por Rafael “Cila” Aguiar

Dreamcast / PC

Omikron: The Nomad Soul

The Nomad Soul (Europa)

FICHA TÉCNICA

Developer Quantic Dream

Publishers Eidos Interactive / Square Enix (PC, Steam)

Estilo Action Adventure > Open World / Eclético

Datas de Lançamento

PC – 02/11/99 (EUA/EUR); 26/09/13 (EUA, Steam)

DC – 22/06/00 (EUA/EUR)

NOTAS (este escore é uma média dos principais portais de games na web e revistas antigas quando for o caso, e também engloba a opinião dos gamers visitantes, além da crítica especializada)

6.8 (DC)

7.6 (PC)

VIDA ÚTIL ESTIMADA (esta quantidade é estritamente baseada na main page do jogo no gamefaqs.com)

29h48

Todas as imagens abaixo são da versão PC, exceto 3 delas, indicadas nas respectivas legendas, que são de Dream:

Omikron: The Nomad Soul se passa num futuro depravado ou num universo paralelo algo reminiscente de Blade Runner. Alguns chamam a experiência proporcionada por Omikron, tão difícil de enquadrar nos gêneros clássicos dos games, de GADA (Go Anywhere, Do Anything, i.e., vá onde for, faça o que quiser), a fim de sintetizar sua não-linearidade e potencial quase ilimitado de liberdade possuída pelo(s) personagem(ns) principal(is). Mais modernamente, chamaríamos Omikron de um open world game antes que essa expressão tivesse se consolidado e antes que gigantes do ramo como Grand Theft Auto chegassem a níveis de complexidade absurdamente detalhados (algo que só se tornou possível, na dimensão ideada por Omikron, a partir da ainda distante geração PlayStation3Xbox360).

UMA MISTUREBA INDIGESTA

O gamer vai perambular por becos e vielas escuras fazendo interrogatórios com quem encontrar (igual o póstumo e irmão de máquina Shenmue) e poderá até assumir outras identidades (como em Messiah), técnica que será mais explicada à frente. Tudo isso faz de O:NS automaticamente bastante promissor…

A premissa é juntar vários gêneros de jogos num jogo só, mas a execução está aquém do desejável. Luta e tiro são dois dos principais sub-ramos explorados em Omikron. Simulador de relacionamento e puzzle seriam outros dois. Nos trechos de duelos 1×1, o chato é que existem vários movimentos especiais (facultativos), mas eles são quase inexecutáveis (pense num Ultra combo de Killer Instinct: ainda é pior!); e no fim você vai se contentar em reprisar os 3 ou 4 moves básicos o tempo todo. No início, enfrentar chefões desta maneira soará divertido, mas sem a variação sequer de um fighter medíocre da praça, como Mortal Kombat, a empolgação logo cessa.

Se bem que os segmentos de luta não passam perto das sessões de tiro em termos de perturbação. Um dos momentos mais traumáticos de qualquer micreiro ou seguista. O campo de visão é limitado, o atirador se movimenta de maneira mambembe, sua velocidade no gatilho passa longe daquela que se esperaria de um policial ou sujeito que se aventura num subúrbio perigoso tentando desvendar uma conspiração. Enfim, com o sistema de mira de Omikron, você torcerá para que os momentos de tiroteios em primeira pessoa terminem o quanto antes. Felizmente, eles não representam uma porção maciça deste game. Confessamos que se a parte FPS de Omikron fosse um jogo inteiramente independente, entraria para a galeria dos mais horripilantes já fabricados pela indústria.

Por enquanto a resenha não foi nada convidativa. Parecemos estar experimentando uma daquelas compilações com 1000 jogos, um mais horrível que o outro. Mas, embora como FPS Omikron seja um fracasso unânime e retumbante, tem gente que gosta de comparar a parte das lutinhas, por exemplo, a Tekken 3, e não Mortal Kombat, como eu fiz acima. O paralelo não soa nada mal. O que vai seduzir muitas pessoas, entretanto, é a vertente investigativa. Você visita muitas casas, lojas, clubes de strip-tease, galerias, avenidas, redes de esgoto (!) e, inclusive, trabalha em tempo parcial numa delegacia.

A POLPA DA FRUTA

O que torna Omikron epopéico é justamente seu lado comezinho: Kay’l (o nome do protagonista, ou pelo menos do primeiro protagonista…) deve jantar com sua mulher, fazer interrogatórios sobre uma troca de tiros testemunhada num supermercado, comer, dormir, comprar coisas, conversar com conhecidos e estranhos… Tudo que você sempre quis fazer mas achou que nunca seria capaz… num videogame. (Na seção GRÁFICOS, listamos outros hobbies ou minúcias possíveis de executar, na amplitude do universo de Omikron, enquanto você encarna um policial, ou assume a pele de outro tipo qualquer de profissional.) Isso posto, os aspirantes a detetive irão se sentir na desconfortável pele de Fox Mulder quando descobrirem que mesmo no papel de investigadores licenciados pelo Estado ninguém lhes dá bola: os cidadãos agem de forma grosseira e não colaboram com seu trabalho! É preciso ser cara-de-pau e insistente, ou então, ao contrário, sorrateiro e discreto. O que torna as coisas ainda mais instigantes é que Kay’l não é sempre o foco da narrativa…

Para dizer de forma simples, e remetendo ao subtítulo do jogo, você será sempre você, mas nem sempre você. Confuso?! Sua situação física é nômade, mas a essência é a mesma: toda pessoa tem que encarar seu destino fatal; e quando a hora chega, não adianta tentar fugir, bola pra frente, que atrás vem gente nascendo também!… O bom de Omikron é poder continuar de uma perspectiva alheia. Mesmo que não exista mais como policial, o protagonista deste quase-RolePlaying terá de existir como alguma outra individualidade, sem mudar de objetivos, mas tendo novas limitações e novas capacidades a cada vez. Se é que se pode dar essa noção numa resenha sem que o leitor experimente o jogo, você assume o corpo da última pessoa que o tocou logo antes de morrer (não existe game over literal ou número de vidas em Omikron). Está tudo dentro do script, de certa forma, porque somente alguns NPCs escolhidos têm a faculdade de se tornar PCs (Personal Characters). No início, será como tentar se recuperar de uma amnésia: você não sabe quem é, onde mora, o que faz, e seu prazer será levar adiante esse desvendamento, e apurar como essa biografia se encaixa no enredo do game de forma geral. Só posso dizer que se o gamer não estiver conseguindo fingir direito para os outros que não é uma entidade estrangeira que assumiu a pele daquele indivíduo de improviso e começarem a desconfiar… coisas ruins poderão acontecer! No entanto, fornecer mais detalhes do que essa vaga explicação seria incorrer em sérios spoilers!

No “modo exploração” (o mais corriqueiro, felizmente, como eu insinuei acima), no Dreamcast, você anda ou navega nos menus pelo D-pad. O botão de ação é o A; B pula e Y checa o inventário. Por alguma obscura razão, os desenvolvedores não implementaram funções para o direcional analógico, mesmo sendo uma aventura poligonal. A mecânica é paradoxal no momento em que exige, em diversos contextos, uma execução milimétrica dos gestos pelo gamer; ao mesmo tempo, a interface criada quase não permite o atingimento deste objetivo. A Eidos, conhecida por seus lançamentos de jogabilidade sofrível, se superou neste ponto: ficamos com saudade até dos controles travadões da Lara Croft mais primitiva em Tomb Raider 1!

Ainda nem falamos da câmera, uma das maiores desgraças de Omikron, e um dos piores fundamentos no comparativo com outros jogos tridimensionais. Irrequieto, o “cinegrafista” da saga parece sempre primar pelo posicionamento mais execrável num sem-número de tomadas. Guinadas abruptas, arremetidas tresloucadas, planos não-convencionais e uma compulsão pelo staccato[*], que dificilmente o próprio David Lynch (outro David loucão) escolheria para seus filmes, preenchem as aberturas de portas e as viradas de esquina do personagem que está sendo seguido (melhor dizer rodeado) para configurar a terceira pessoa.

[*] Staccato [stak’ka:to] (Italiano para “fora de lugar”) é uma forma de articulação musical. Em notação moderna, significa uma nota de curta duração, descolada da eventual nota subseqüente por um breve momento de silêncio. Foi descrito pelos teóricos e apareceu na música desde pelo menos 1676. Ou seja, aplicando, como metáfora, aos sentidos visuais, os ângulos de câmera não seguem o plano de jogo como o jogador esperaria, são incoerentes, desconjuntados, esquizofrênicos.

Outro pecado do design é ter pegado de empréstimos elementos de um story-teller, mas sem desenvolvê-los numericamente. Seu personagem evolui em skills conforme progride e reexecuta operações básicos como atirar e golpear. O problema é que não existem medidores, indicadores objetivos, nem sequer uma barra de energia ou número, que representem esses ganhos de experiência. Engajar-se em batalhas sem saber a força precisa de seu guerreiro é um tanto incômodo para mim; não pude comprovar o fato, mas isso também dá uma enorme sensação de que suas habilidades apenas progridem aleatoriamente ou de forma misteriosa, sem um critério fundado.

GRÁFICOS

O mundo futurista de Omikron é um espetáculo à parte. Renderizar cidades tão gigantescas foi ambicioso para o período. Os seres humanos são antiquados para os olhos contemporâneos. Texturas de rostos bizarras e movimentações esdrúxulas marcam as personalidades em Nomad Soul. É como um clássico tardio de Nintendo 64. Se detalhismo não é relevante para você, ao menos será possível se perder nas colossais estruturas acinzentadas da cidade grande. Os agorafóbicos que se cuidem.

O pioneirismo do título vale mais que um visual polido, afinal de contas: se você acha que Grand Theft Auto: Vice City era vasto, terá de rever seus parâmetros. Para que coubesse tudo em 1.5 Giga de mídia a resolução sofreu uma compreensível redução. Um só mapa seria mais extenso que toda a meia-dúzia de cidades de GTA:VC junta; mas temos múltiplos territórios também em Omikron. E, ao contrário deste GTA de PlayStation2, é possível adentrar em cada edificação, em cada recinto, em cada construção arquitetônica, e interagir com móveis e objetos de seus interiores. Nem as gavetas e armários de cidadãos serão poupados. As intimidades serão devassadas pelo jogador-voyeur. Não será como num RPG clássico em que para obter certo item será necessário empreender trocas de itens com personagens predeterminados, em que cada avanço, cada gratificação, depende de uma jornada prévia e do cumprimento de um favor. As pessoas podem continuar egoístas, mas você tem mais livre-arbítrio e poder: roubar objetos não será problema. Ou o personagem poderá se limitar a sentar-se na frente da TV e assistir programas e transmissões inúteis, tanto do ponto de vista estético quanto dos objetivos do jogo em si. Os comerciais, por sinal foram muito bem-bolados. Um problema gráfico decerto é o tamanho diminuto das legendas, sofrível, a depender do tamanho do seu monitor e da sua própria acuidade visual (eu costumo sofrer com fontes pequenas em livros, quem dirá em jogos, quando muitas vezes é necessário pegar o texto rapidamente e pode não haver áudio acompanhando). Por último, o lipsynching dos modelos em 3D poderia ter sido mais atencioso.

CONCEITO & GAMEPLAY: UM BALANÇO FINAL

O conceito de poder reencarnar em vários personagens ao longo da trama é interessante, mas mereceria ser mais bem-explorado por um projeto futuro no mundo dos games que usufruísse melhor de suas potencialidades. No frigir dos ovos, não é tão diferente assim controlar um ou vários protagonistas: as ações que se pode tomar ou executar acabam sendo uniformes e invariáveis. O que Omikron ganha em realismo com sua proposta ousada, perde em empolgação e em diversão no longo prazo.

No entanto, sendo este um jogo de free roam que “se dá ao direito de ser ruim” e mesmo assim não obriga o player a deixar de utilizá-lo (pois ele não precisa necessariamente progredir nas missões propostas pelo jogo), seria contraditório dizer que Omikron é ruim mas vicia?!?

SOM — COM “D” DE “DIVINO”!

Boa parte dos diálogos é falada. As dublagens estão ok, tirando o problema da falta de sincronia imagem-áudio, já abordado. Shenmue, por exemplo, não consegue desbancar este elenco de profissionais. O fundo musical faz parte da existência dos entes deste mundo aqui simulado: cada loja ou repartição pública possui seu tema. Com o fantástico easter egg de poder conferir David Bowie ao vivo numa discoteca trash, nenhum gamer musicista poderia exigir mais da obra. Só os fatos do artista ter gravado canções exclusivas para The Nomad Soul e aceitado aparecer na capa (DC, América somente) já são louváveis, já que seria muito fácil apenas pedir o licenciamento de sucessos consagrados do cognominado Ziggy. Ao invés disso, o superstar pôs a mão na massa e justificou o cachê!

CONCLUSÃO

Constantemente, Omikron é uma luta, dentro da cabeça no gamer, entre interesse no enredo e dificuldades na ação. Jogabilidade versus estória. Resta saber o que realmente é mais importante para você. A razão pela qual Omikron é considerado um clássico “cult” ainda não foi inteiramente apurada. Mas parece um misto das características a seguir: uma obra de arte ambiciosa a conter muito de David Bowie, um dos artistas mais renomados do século XX; o fato de ter passado relativamente batido pela mídia na época de seu lançamento e adquirido mais notoriedade tão-só depois; sua ruindade apreciável nos aspectos técnicos (e sabemos quanto glamour e status os “épicos da ruindade” proporcionam à comunidade gamística!); sua originalidade conceitual, isto é, uma tentativa pioneira de fundir numa mesma unidade de exploração e RolePlay quase todos os subgêneros preexistentes no gênero Action (com o seu exemplo mais próximo e bem-sucedido no console sendo o icônico Shenmue).

Talvez por tudo isso junto, cada fator com um peso um pouco diferente, é que Omikron tenha certa fama (ambígua) hoje e (talvez) mereça ser, sim, jogado, nem que só para se falar mal! Muitas das críticas, de mais a mais, são relativizáveis. Vai depender muito de que tipo de gamer você é. O action-oriented não vai se sentir à vontade. Muitos gamers, no entanto, relataram que os ângulos de câmera, em que pese inquestionavelmente infelizes, não interferem per se na jogabilidade, sendo um mero defeito de segunda ordem. Sendo assim, este escriba não se sente nem um pouco confiante em sua análise a ponto de vetar o acesso à obra, nem recomendá-la sem restrições. Outra observação conveniente é que embora na média as horas de jogo sequer atinjam 30, quem realmente viciar na gameplay, para completar tudo, levando em conta a versatilidade do free roam pela cidade, poderá ter +100 horas no seu save slot.

*    *    *

CURIOSIDADE 1: A capa alemã de Omikron (na verdade, Nomad Soul, apenas, como ficou batizado na Europa de forma oficial), tanto para Windows quanto para DC, possui um grande olho com um código de barras impresso na íris e pupila (atravessando a caveira). Se algum desocupado correu atrás da informação, a série alfa-numérica correspondente, EAN 9780140072389, é genuína, e se refere a uma novela de detetive do autor Elmore Leonard Jr., em sua tradução para o espanhol. O título do livro é LaBrava. Eu achei um exemplar (de segunda mão) na AbeBooks por apenas 1 dólar + frete (que é o quádruplo do preço)!

CURIOSIDADE 2: Omikron: The Nomad Soul estava originalmente destinado a sair para Sony PlayStation One. No meio do caminho, a Eidos desistiu, achando que seria uma versão invendável, e instou a Quantic Dream a apostar todas as suas fichas no último console da Sega, que a poderosa publisher imaginava ser forte candidato a liderar o mercado. Que doce decepção! Com as baixas vendas do Dreamcast, o jogo também recebeu pouca divulgação e quase nenhum renome. David Cage, escritor e diretor de Omikron, declarou posteriormente que seu maior arrependimento em torno do projeto foi não ter visto o jogo em forma de CD para o quadradinho e cinzento PSOne. Teria sido ou não teria sido um hit?

CURIOSIDADE 3: Além de Bowie emprestar sua imagem e suas cordas vocais (no jogo ele se chama Boz e é um ser intergaláctico, hacker e terrorista misterioso…), a própria esposa do cantor também faz uma ponta em Omikron. Trata-se da “supermodel” (mas que denominação mais escrota e detestável!) Iman Abdulmajid, que serviu de molde para uma das NPCs que se tornam controláveis à medida que a aventura progride, batizada sem a menor criatividade como Iman 631.

CURIOSIDADE 4: Cinco dias após a morte de David Bowie, a fim de homenageá-lo, a Square Enix (nova detentora dos direitos autorais de Omikron) liberou o jogo para download gratuito em seu site, durante uma semana (entre 15 e 22 de janeiro de 2015).

CURIOSIDADE 5: Detalhes da trilha sonora assinada por D.B. (em parceria com Reeves Gabrels, do The Cure e anteriormente do Tin Machine, banda grunge-punk-alternativa liderada pelo próprio Bowie entre o final dos anos 80 e início dos 90) para o jogo – são 8 músicas, “Omikron (New Angels of Promise)” (o tema-título), “Thursday’s Child”, “Something in the Air”, “Survive”, “Seven”, “We All Go Through”, “The Pretty Things Are Going To Hell” e “The Dreamers”. Todas menos o tema principal foram recicladas para o álbum de estúdio daquele ano deste eclético ícone do rock-indie-pop-eletrônico, chamado Hours.

CURIOSIDADE 6: Origem do título – o nome Omikron quer dizer a vogal “O” em grego.

CURIOSIDADE 7: Em 1999, graças aos esforços no departamento sonoro, Omikron: The Nomad Soul foi agraciado com o prêmio de melhor na categoria Música pelo – hoje extinto – portal GameSpy (houve empate técnico com outros dois concorrentes, Nocturne e Homeworld).

Lista de agradecimentos pela cessão de informações e imagens

gamefaqs.com/

Amakusa42

dreammastah

falsehead

Kane

Never Obsolete

mobygames.com/

DreinIX

Oleg Roschin

ZeTomes

honestgamers.com/

Lewis Denby

ign.com/

Jeremy Dunham

nexgam.de/

versão 2.0 – criado em 2016, revisado em 2022.

® 2002-2022 0ldbutg8ld / RAFAZARDLY!

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